Marcelo Moreira
Parece que só agora as "minas" descobriram o rock e o heavy metal...
A frase repleta de ressentimento e inveja foi vomitada nas redes sociais no momento em que o videoclipe "Apocalypse" foi lançado na semana passada. O autor é um guitarrista de bons recurso de uma banda do interior paulista.
O inconformismo tinha endereço: o trio paulistano The Damnnation, que marca o retorno à batalha da guitarrista Renata Petrelli (ex-Sinaya), agora também vocalista.
É claro que o ressentimento e o inconformismo seguem na trilha da imensa repercussão da implosão do trio feminino de metal extremo Nervosa, extremamente bem sucedido no exterior e no Brasil. A baixista e a baterista saíram e formaram a Crypta, quarteto feminino de death metal com uma guitarrista holandesa.
"Houve algumas pessoas que realmente entraram nessa de 'modinha' de bandas de metal com meninas. Nem vou perder meu tempo em dizer que toco há tempo demais e que já tenho uma história", diz a serena Renata em conversa com o Combate Rock.
Leonora Mölka (esq, bateria), Renata Petrelli (centro, guitarra) e Aline Dutchi (baixo) (FOTO: JÉSSICA MAR/DIVULGAÇÃO) |
"Acho que estamos em um momento de consolidação da formação e o resultado da música nova, que eu compus há uns dez anos, mostrou que tinha imenso potencial. E agora aumenta a responsabilidade para gravar o nosso EP, 'Parasite'", celebra a guitarrista.
A nova fase, mais do que um desejo, era uma necessidade artística. Como um trio, ela acredita que as coisas ficam mais fáceis e mais focadas. A administração fica mais ágil e a logística, controlada.
Confiante em relação ao momento em que o metal nacional vive, mesmo com a pandemia de coronavírus, Renata celebra a visibilidade que o episódio Nervosa jogou a um nicho de mercado ainda muito machista, mas bem mais receptivo para garotas e bandas de garotas.
O sucesso nacional e internacional que o trio Nervosa obteve rendeu muitos frutos e colocou em evidência novamente a cena de rock extremo no Brasil.
Quando as duas instrumentistas saíram, houve geração de conteúdo sobre o underground pesado e jogou luz sobre uma banda que, cinco anos atrás, era considerada exótica mesmo diante da fúria demonstrada.
A importância que a Nervosa adquiriu evidenciou a qualidade do trabalho das meninas e só reforçou as convicções de Renata Petrelli. The Damnnation tinha pedigree e uma musicista com ótima experiência no inóspito underground metálico. "É claro que ainda é cedo para dizer que estamos no caminho certo, mas a repercussão está sendo boa e nos deixa animadas em relação às perspectivas."
De perfil agregador e atenta aos detalhes, a guitarrista e vocalista acredita que o formato trio vai beneficiar a música da banda como um tonto, ampliando os espaços para as instrumentistas criarem dentro das próprias canções. Suas experiências anteriores indicaram rapidamente o caminho a ser seguido.
O thrash clássico é a inspiração e o ponto de partida, em um equilíbrio elogiável nas dias canções já lançadas e que evidenciam a busca por uma sonoridade mais forte e densa sem que soe crua ou reta. Parece ser uma tendência dentro do metal brasileiro mais extremo às portas da terceira década do século XXI.
A ambição de todo músico é atingir o patamar da sonoridade própria, reconhecível quase imediatamente. Dá para buscar isso em um gênero musical que costuma punir "excesso de inovação ou invenção"?
"Sim, é bem possível e desejável", diz Renata. "Quanto mais versátil e mais elementos diferentes, maior a chance de atingir um resultado que soe pelo menos diferente. É o que sempre busquei desde que comecei a tocar. Thrash metal é restritivo? A quantidade imensa de bandas diferentes e com sons próprios e personalizados é gigantesca, o que derruba a premissa."
Entre as influências que The Damnnation cita em materiais promocionais estão lenda como Kreator, Megadeth e Testament, mas também as conterrâneas da Nervosa antes da separação. Renata e suas companheiras - Aline Dutchi (baixista) e Leonora Mölka (baterista) - aparecem nas fotos de divulgação com camisetas do trio feminino brasileiro, o que revela outra faceta de Renata Petrelli: a crença no lema "juntos(as) venceremos".
O respeito que ela tem pela Nervosa é grande, e admite que o sucesso de um grupo em um gênero musical tão maltratado atualmente beneficia todo mundo. "É natural que tenhamos rivalidades em todos os lugares e ambientes, mas isso deixa de ser uma coisa boa quando prejudica e não aglutina. Tem a ver com as rixas que ainda persistem, e que não levam a nada, e que tem um pouco de influência de um certo machismo que aflora até mesmo no público feminino."
E o machismo ainda é um obstáculo a ser transposto pelas moças que decidem encarar o mundo do metal em bandas exclusivamente femininas. "Melhorou muito nos últimos anos, o ambiente está muito mais civilizados, mas será difícil erradicar totalmente esse tipo de preconceito. De alguma forma, as meninas sempre terão de provar que sabem tocar. E não adianta mencionar as bandas históricas de mulheres na história do rock."
Consciente e experiente nos palcos brasileiros, Renata não quer levantar bandeiras, embora respeite as bandas que o façam.
Não que a aplicação de rótulos a preocupe, mas ela sabe que terá cobranças dos dois lados - dos que querem engajamento em temas como empoderamento feminino, feminismo, campanhas contra a violência contra a mulher, por exemplo, e dos que vão abominar a abordagem de temas mais espinhosos.
As letras das duas canções já lançadas seguem a linha básica do thrash metal histórico, comuns críticas mais genéricas às desigualdades sociais, à política destrutiva fomentadora de guerras e de ódio.
O EP e o álbum que virá a partir de 2021 terão músicas agressivas, mas com temas um pouco mais pessoais, promete Renata, mas não pretende "premeditar" temas ou "encomendar" assuntos. A liberdade de composição não se submete a regras ou modelos, para ela.
"Talvez seja uma questão de perfil, o que faz com que haja diferentes tipos de engajamento. A minha visão de mundo é clara e bem conhecida de parte do meu público sem que eu precise ser direta para abordar alguns temas", pondera a guitarrista.
E justamente nestes tempos de pandemia e confinamento social, com a intolerância rompendo os limites e as disputas atingindo baixos níveis em todos os sentidos, The Damnnation foca no que importa: sem shows, resta buscar alternativas de engajamento nas redes sociais e na venda de merchandising para driblar as mudanças drásticas de planos.
"Eu sou realista: não creio que tenhamos o retorno de um circuito de shows antes de maio de 2021, antes de haver segurança sanitária que nos dê segurança e ao público", comenta.
Sem fazer alusão direta ao concerto programado para novembro pelos gigantes do death metal Krisiun, mostra sensatez ao destoar dos comentários gerais recheados de desespero (com certa dose de razão) de músicos bradando pela volta dos shows e espetáculos após sete meses de paralisação total.
"É um momento de reavaliação de mercado, de carreiras, de vida. É um momento de procura por alternativas e de exercício de criatividade enquanto procuramos nos resguardar e e evitar contágio dentro e fora de casa. Moro com minha mãe e sei dos riscos que a pandemia trouxe. Os planos da Damnnation foral alterados, mas estamos aprendendo bastante ao buscar formas de consolidar nosso nome. E sei que outras bandas e artistas estão conseguindo bons resultados, como nós. Não pode haver esperança maior do esta", finaliza Renata Petrelli.
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