terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Aerosmith chega aos 50 anos como o maior 'sobrevivente' do rock

 Marcelo Moreira

Uma banda ruim, mas muito esforçada e confiante de que tinha um grande diferencial. Cópia dos Rolling Stones? No visual sim, mas o som rústico, cru e selvagem iam além dos então superstars ingleses acomodados. Só precisavam de uma chance...

O Aerosmith não a teve no começo, mas assim mesmo perseverou até sair da "terceira divisão do rock e se tornar uma banda multimilionária", nas bem humoradas palavras de um guitarrista brasileiro.

Sim, o Aerosmith era nada no começo dos anos 70, mas 50 anos depois cresceu tanto que virou uma instituição, por mais que os detratores insistam em dizer que, assim como o Bon Jovi, virou uma banda que só lança "babas" - não sem alguma dose de razão.

O que não se discute é o tamanho que o quinteto alcançou em cinco décadas de turbulenta carreira e percalços que normalmente implodiriam qualquer combo - e isso quase aconteceu.

O Aerosmith talvez seja a maior prova de resiliência dentro do show business, atropelando crises existenciais, brigas, debandadas, mergulhos profundos nas drogas e abandono de parte dos fãs. Daria um filme bem melhor que "The Dirt", que retrata o Motley Crue.

A instituição roqueira é fruto desde o começo de uma tenaz persistência. O menino feioso, que adorava água e natureza – e detestava estudar – até que se deu bem. 

Nem tanto quanto um dos ídolos, o guitarrista Eric Clapton, mas Anthony Joseph Pereira não pode reclamar. Nem de longe tem o talento do ídolo na guitarra e para escrever, mas Joe Perry (o menino feioso) nem precisou chegar a tanto para se tornar um dos astros de rock mais bem-sucedidos da história como integrante do Aerosmith, banda que ajudou a fundar com o amigo baixista Tom Hamilton em 1970, no interior de Massachussets, no nordeste dos Estados Unidos.

Depois de bater muito a cabeça e ficar sem grana por muito tempo, a dupla de durangos se viu no apartamento da 1.325 Commonwealth Avenue, avenida importante de Boston. Ali nasce o mito com a chegada do último integrante da formação clássica, o vocalista e então baterista Steven Tallarico, que virou Tyler dois anos depois.

Até chegar ao primeiro LP, "Aerosmith", que tinha o hit "Dream On", foram três anos buscando a forma e o conteúdo necessários para correr atrás do sonho. Rock pesado ou glam rock? Música pop ou misturar com funk e soul?

Fizeram um pouquinho de cada, mas não chamaram muito a atenção. Afinal, eram cópias descaradas dos Rolling Stones, por mais que o primeiro disco, de 1973, apontasse para outras direções.

Aerosmith em sua formação clássica nos anos 70 (FOTO: DIVULGAÇÃO)



"Get Your Wings", de 1974, finalmente chamou a atenção da mídia, mas as vendas continuavam baixas, a ponto de a gravadora ameaçar com dispensa sumária e cobrança de muitas dívidas.

E eis que a opção pelo rock mais pesado surgiu como última chance, aprofundando o que já vinham fazendo nos palcos. Acham que somos cópria dos Stones? Então vamos além...

"Toys in the Attic", de 1975 lavou a alma do quinteto, vendendo bastante e o suficiente para colar o Aerosmith nos eventos mais importantes da América e chamar a atenção de uma Europa ainda acostumada com o peso e a energia de Led Zeppelin, The Who e Queen.

O curioso é que se tornaram uma banda de sucessos tardios. "Dream On", a balada rasgada do primeiro LP, foi ignorada em 1973 e, relançada anos depois, se tornou megahit. "Walk This Way", de "Toys in the Attic", perdeu para a faixa-título no lançamento, e também para "Sweet Emotion", para algum tempo depois se tornar o maior de todos os hits da banda.

Finalmente astros, com o dinheiro finalmente entrando depois de anos de penúria, era hora de atingir o topo, coisa que chegou com o seu melhor e imbatível disco, "Rocks", de 1976, uma coleção de pancadas em que o hard rock perigoso toma forma e lança a banda ao megaestrelato, com canções como "Lick and Promise", "Rats in the Cellar", "Last Child" e o heavy blues estrondoso "Nobody's Fault", uma obra-prima.

Como todo conto de fadas roqueiro, a subida foi rápida, e a queda ainda mais acachapante e violenta. Não conseguiram manter a qualidade nos dois discos subsequentes e relaxaram em meio a toneladas de drogas e hectolitros de álcool. 

Com desperdício absurdo de dinheiro e brigas imensas entre todos os integrantes, o Aerosmith implodiu em 1979. Joe Perry saiu para uma carreira solo pouco inspirada; no seguinte, foi a vez do guitarrista Brad Whitford debandar.

Sem chão e sem rumo, Tyler, Hamilton e o baterista Joey Kramer tentaram, seguir em frente e jogaram fora cinco anos de suas vidas e do Aerosmith. Os guitarristas Jimmy Crespo e Rick Dufay tentaram, mas não tiveram culpa de entrar na barca furada que era o grupo naquele tempo. 

"Rock in a Hard Place", de 1982, é o exemplo finalizado de como a banda estava perdida e sem inspiração, caminhando para o fim. ]

Prestes a jogar a toalha, a banda é surpreendida nos bastidores de um show ruim no final de 1984 com a visita de Perry e Whitford, então "desempregados". Todas as desavenças foram colocadas de lado e houve uma confraternização.

Um dia depois do fim da turnê malsucedida, os dois guitarristas foram chamados de volta. Parecia que tudo voltaria ao normal e que o sucesso voltaria, mas seriam necessários dois anos de muita calma, paciência e reabilitação das drogas e álcool para que houvesse lyz ao final do túnel.

"Done With Mirrors", de 1985, serviu como ensaio do retorno, apesar de bem fraco e com desempenho que nada indicava uma recuperação. 

Descartado como atração relevante, o Aerosmith dá o troco com o ótimo "Permanent Vacation" em 1987 e retoma o caminho dos hits com a pesadona "Hearts Done Time", a grooveada "Hangman Jury", o megahit dançante "Dudes (Looks Like a Lady)" e a indefectível balada melosa "Angel".

Esse agora era o caminho, o hard rock farofa com baladas de caminho fácil e a ajuda de terceiros para compor os hits que valiam milhões - neste álbum, vieram os compositores por encomenda Jim vallance e Desmond Child.

Revigorados, parcialmente sóbrios e confiantes, estavam preparados para o sucesso estelar e ele veio com "Pump", a porrada definitiva do hard rock festivo norte-americano que rivalizou em vendas com "Appetite For Destruction", dos Guns N'Roses.

A sequência de clássicos é matadora - "Young Lust", "Love in a Elevator", "What It Takes", "The Other Side", "Janie's Got a Gun"...

A banda que saiu da terceira divisão se tornava um gigante 20 nos depois, vendendo tantos ingressos quanto o Guns, os Rolling Stones, U2, Metallica, Kiss, Van Halen...

De volta aos trilhos, mantiveram os trilhos em "Get a Grip", de 1994, e então veio o comodismo, a falta de inspiração e o "trabalho forçado" de gravar alguns discos mais e lançar outros ao vivo com excesso de produção e pouca inspiração, pontuados por brigas, recaídas, mais reabilitações e incontáveis voltas, sendo que apenas um disco de inéditas foi lançado desde 2001.

Não é um currículo recente agradável para uma instituição roqueira, mas quem viu a banda no Rock in Rio de 2017 - e também em São Paulo - podia jurar que aqueles quase septuagenários estavam em muito boa forma, entregando ainda hoje shows de ótima qualidade.

O Aerosmith é um sobrevivente e precisa ser venerado por isso. De banda que tinha tudo para naufragar no começo, alcançou de forma improvável o sucesso para jogá-lo fora de forma absurda e recuperá-lo de maneira inacreditável e surpreendente. Merece todos os louros de uma vitória definitiva.

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