sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Gentle Giant, 50 anos: ousadia, experimentalismo e radicalismo

 Marcelo Moreira



 A banda mais cultuada do rock pregressivo, com provavelmente os fãs mais fiéis do gênero - e os mais passionais e os mais fanáticos, mesmo a banda deixando de existir em 1980. Como o Gentle Giant conseguiu?

Os escoceses se esforçaram, e muito, para serem diferentes. Foram tão diferentes que praticamente criaram um culto difícil de ser igualado. 

Uma banda importante que preservou de tal forma a dignidade que jamais se cogitou a sua volta, ainda que integrantes periféricos e que duraram pouco tenham tentado criar uma versão da banda com o nome de "Three Friends", um dos álbuns dos anos 70. 

Muita gente costuma associar o termo rock progressivo a Yes, King Crimson, Emerson, Lake and Palmer e Genesis, o que está correto, mas os insistentes e apaixonados admiradores do Gigante Gentil asseguram que não há banda prog mais emblemática do que esta. 

E o culto só aumenta depois de 50 anos da estreia em vinil, com o álbum autointitulado que ainda não mostrava todo o potencial do grupo, que fazia bem o que se propunha, misturando blues, soul, jazz e rock.

Banda escocesa liderada por três irmãos exímios músicos... Aparentemente, é só coincidência com a trajetória de outros três irmãos escoceses que atravessaram o mundo para criar o AC/DC na Austrália alguns anos depois. 

Phil, Derek e Ray Schulman cresceram cercados por música instrumentos musicais, dominando guitarra, baixo e instrumentos de sopro. Trabalharam em alguns combos até que foram para a Inglaterra, recrutaram gente de alta qualidade, como o guitarrista Gary Green e o tecladista Kerry Minnear. 

É dificil medir a importância do impacto e da genialidade bandas como Gentle Giant, Wishbone Ash e Van der Graaf Generator, mas não há como colocar em dúvida a importância de tais nomes para o rock. 

Tal como o King Crimson, o Gentle Giant ousou e inovou, avançando no experimentalismo e sendo radical, à sua maneira, como o King Crimson foi e é. Há quem questione se o Giant foi tão vanguardista e tão radical quanto o grupo de Robert Fripp, mas isso é mera conjectura. 

Como medir radicalismo? Como qualificar o som produzido pelos alemães do Kraftwerk, por exemplo, ous dos italianos Premiata Forneria Marconi e Bando Del Mutuo Soccorso? E o que dizer dos franceses do Magma e dos ingleses/australianos do Gong? 

Exímios instrumentistas, os integrantes do Gentle Giant estimulavam o virtuosismo e conseguiam conciliar com rara perfeição a qualidade técnica, a complexidade musical e a intensidade emocional. Essas são as principais características dos segundo e terceiro álbuns, "Acquiring the Taste" (1971) e "Three Friends" (1972), este um álbum conceitual com tema baseado na realidade - a história de três amigos de infância, sendo que fica rico, um que vira artista e outro que se torna um humilde operário. 

A qualidade dos arranjos é fenomenal, o que eleva, e muito, o resultado final de seus álbuns, a ponto de expandir as ambições da banda de forma exponencial. Era difíicil imaginar algum limite à criatividade, e álbns como "Octopus" (1972), "In a Glass House" (1973) e "The Power and the Glory" reforçavam esse pensamento. 

Para uma banda com tantos predicados e sinônimo de inovação e música complexa, o conceito de sucesso é diferente e relativo. Os discos vendiam bem, mas sempre dentro daquele limite que cercava as bandas "difíceis" e que não faziam concessões. 

Virou grupo de nicho e de aficionados que não se contentavam com o que o mercado oferecia. Não se contentavam nem mesmo com o King Crimson, então a experiência mais avançada em termos de rock progressivo baseado no experimentalismo e nas estruturas do jazz - isso porque certamente não se interessaram em tentar entender o também inglês Henry Cow... 

Altas exigências, exaustão criativa e a busca do reconhecimento do grande público abreviaram a existência do genial Gentle Giant. Foram apenas dez anos de intensa produção e musicalidade em altíssimo nível - ok, "Civilian", de 1980, com suas concessões ao mercado e ao mundo pop, não pegou bem e acelerou o encerramento das atividades. 

Radical dentro de sua proposta, enfatizando o experimentalismo de uma forma diversa que o King Crimson, o Gentle Giant expandiu os limites do rock e mostrou uma sinergia absurda com outros gêneros e outras ideias. 

Não é um som pra todos os ouvidos, sendo pretensioso ao ponto de recusar os caminhos fáceis e de fazer questão de ser a música que deve ser ouvida e apreciada, e não simplesmente dançada, como gostava de frisar Robert Fripp, o guitarrista do King Crimson.

 A intensidade da existência da banda foi tanta que os principais músicos, os irmãos Schulman e o tecladsta Minnear, nunca sequer cogitaram a retomada das atividades. 

De alguma forma ou outra todos continuraram trabalhando com música, sendo que Derek Schulman, por iroia do destino, se tornou executivo de gravadora, daqueles poderosos capazes de escolher a quem apoiar e despejar caminhões de dinheiro - tornou-se aquilo que sempre criticou em relação aos executivos que trabaçlharam com a banda nos anos 70. 

Será que ele, nos anos 80 e 90, contrataria uma banda do tipo ousada e inovadora como o Gentle Giant? Derek Schulman, ao que se sabe, nunca respondeu a essa pergunta.

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