Marcelo Moreira
Felix Pappalardi (esq.), Corky Laing (centro, na bateria) e Leslie West em ação nos Estados Unidos em 1970 (FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE) |
Um gordo judeu imenso e desajustado, mas que destruía o mundo com sua guitarra insana e que gritava toda a dor do mundo. Talento nato, mas fora de qualquer padrão. Como transformá-lo em um astro? Pergunte para a aquele nerd italiano com pinta de professor Pardal!
E assim uma dupla das mais improváveis escreveu um dos capítulos mais interessantes da história do rock norte-americano e do rock pesado setentista.
Amigos improváveis, o gordo imenso Leslie West (morto neste 21 de dezembro de 2020, aos 75 anos) e o nerd italiano Felix Pappalardi praticamente criaram o hard rock norte-americano em 1970 com o intenso e explosivo Mountain.
Muitos conferem ao Blue Cheer e o Grand Funk as honras de inaugurarem o heavy rock ianque, mas uma corrente expressiva de especialistas apontam West e sua guitarra insana e ensurdecedora como a gênese das música pesada na América do Norte.
Se alma do Mountain era a guitarra e os vocais principais do guitarrista, o baixo de Pappalardi era o pulmão e o cérebro daquela banda que ninguém dava nada no começo, mas depois davam tudo e mais um pouco.
Seis anos mais velho, Felix Pappalardi fou um jovem prodígio da música, aprendendo desde cedo teoria musical e enfileirando diplomas de conservatórios, assim como habilidades pra tocar instrumentos.
No final dos anos 50, com sua bagagem impressionante, achou que abafaria na Nova York dominada pela folk music. Errou feito, e teve de camelar muito em subempregos até que tivesse sua condição de maestro reconhecida, o lhe valeu cargos de produtor de folk, blues e rock.
Por volta de 1966, conheceu a banda amadora de um judeu grandão e apaixonado por blues e resolveu dar várias forças. Leslie West e Pappalardi se deram bem na hora, com o guitarrista se tornando um fiel aprendiz do maestro professor bigodudo.
The Vagrants, a banda, não deu em nada, e lá se foi o mestre para Inglaterra convocado por Eric Clapton para formatar o peso e a fúria e a qualidade extrema do Cream.
O trio inglês de blues rock causou furor dos dois lados do Atlântico e virou a cabeça de West, então peregrinando com outras bandas em busca de um lugar nas padas.
A coisa se tornou tão ou mais obsessiva quando o guitarrista soube quem estava por trás da produção e da parede sonora poderosa do trio inglês. Até quando teria de esperar pelo mestre?
Não demorou muito e o Cream implodiu no fim de 1968 e Pappalardi voltou de Londres como um gênio das mesas de gravação. Requisitadíssimo, arrumou um tempo para ajudar Leslie West em 1969 a polir o seu primeiro álbum solo, "Leslie West Mountain".
Era um bom começo, com boas canções e uma guitarra ensandecida e em brasa. Mas faltavam algumas coisas e o produtor sacou logo o que tinha de ocorrer: criar uma banda boa ue desse suporte ao imenso West em todo o seu esplendor.
O Mountain em 1970 (FOTO: DIVULGAÇÃO) |
Nascia ali o Mountain por insistência de Pappalardi, que se autocontratou como baixista - e que baixista - para desmontar as paredes dos estúdios e balançar os suportes dos estádios e casas de show.
Apaixonado pelo Cream e também pelo Experience de Jimi Hendrix. West queria trabalhar em um trio, onde tivesse a liberdade para preencher todos os espaços e solar como se estivesse dependendo daquilo para sobreviver.
E aí começam os problemas com o maestro e mentor, que impôs a chegada de um tecladista, Steve Knight, para "engordar o som". "Não precisávamos daquilo [teclados], a minha guitarra era suficiente. Em alguns momentos, atrapalhava", disse certa vez West.
Mas o músico corpulento reconheceu os méritos e o acerto de Pappalardi em convocar o baterista canadense Corky Laing para impulsionar o som violento e gigantesco do Mountain.
O produtor e baixista mandava e fazia acontecer, e tudo caminhava bem com a chegada do primeiro disco do grupo, "Climbing", um daqueles trabalhos que mais parecem coletâneas, de tão boas que eram todas as músicas.
Por pelo menos dois anos o Mountain foi sinônimo de rock pesado nos Estados Unidos, ao lado do Grand Funk Railroad e conseguiu fazer frente aos concorrentes britânicos - do Led Zeppelin ao The Who, do Black Sabbath ao Deep Purple, passando por Uriah Heep.
A trajetória desandou quando Pappalardi decidiu dar um tempo nos palcos e virar produtor, em tempo integral, alegando problemas auditivos. West e Laing se uniram a Jack Bruce, ex-Cream, e lançaram três discos de muito sucesso, mas os famosos desentendimentos implodiram a formação.
O Mountain volta em 1974 com Pappalardi animado, mas West nem tanto. Mais dois anos de busca infrutífera do sucesso perdido de cinco anos atrás e o sonho acaba.
O maestro retoma a carreira atrás dos botões e o guitarrista cia uma carreira solo de pouco impacto, até ficar gravemente doente em 1977 e se afastar do mundo por sete anos. Já Laing transitava bem entre o Canadá e Nova York e participou de diversos projetos importantes, mas sempre no underground.
Entre várias voltas do Mountain, com diversas formações, West gravou discos solo e enfrentou com bravura uma série de problemas de saúde ao longo dos últimos 35 anos. Há dez anos teve de amputar uma das pernas devido a problemas circulatórios, mas ainda mantém algum pique na carreira aos 75 anos de idade.
Já Pappalardi, o grande mentor dos Mountain e do corpulento guitarrista, acabou seus dias em 1983 na mira do revólver da esposa, a artista plástica e compositora Gail Collins, letrista de muitas canções do Mountain. Ela o matou alegando que foi um acidente - disparo acidental -, mas o processo provou que ela estava sendo traída, o verdadeiro motivo do crime.
Banda subestimada entre os críticos e fás de rock pesado, o Mountain foi crucial para disseminar o hard rock pelo território americano sem depender da "importação" das bandas inglesas, então dominantes no início dos anos 70.
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