Marcelo Moreira
Paulinho, do Roupa Nova (FOTO: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM)
Nunca foi muito fácil admitir que o Roupa Nova fazia música boa e era um nome gigante da música pop brasileira. Ok, nem sempre fazia música boa e, e de vez em quando, era inexplicável seu enorme sucesso com um repertório nem sempre composto só por música boa.
Em tempos de negacionismo em alta, somos obrigados a ler coisas muito complicadas em que a qualidade do combo carioca são colocadas à prova, com termos chulos e desdém acentuado, em flagrante desrespeito à memória do vocalista Paulinho (Paulo César do Santos), que morreu aos 68 anos vítima de covid-19.
O músico teve um segundo semestre difícil neste 2020, com várias internações por conta do tratamento de um linfoma, uma espécie de câncer. Em mais uma internação no Rio de Janeiro, não resistiu a uma infecção.
Um gaiato nas redes socais chamou o Roupa Nova de "banda de baile de formatura por excelência", em tom de desprezo. E que banda de baile... e que qualidade...
O Roupa Nova, em 40 anos de carreira, incomodava os roqueiros e a intelligentsia da mídia porque fazia muito sucesso e não tinha vergonha de ser desavergonhadamente pop.
Canções simples, certeiras, melodias fáceis e certeiras, com arranjos igualmente simples, mas que agradavam em cheio a um consumidor em busca de entretenimento sem rebuscamento ou a sofisticação de uma MPB estagnada e distante que predominava nos anos 80.
Paulinho, que tocava percussão e que frequentemente se tornava um porta-voz do grupo, era de uma educação e gentilezas raras dentro do meio artístico. E assumia a vertente pop com orgulho de sua banda. "Rotulem como quiserem. Somos queridos e nossa música faz parte da vida das pessoas."
Um soco na cara dos detratores, já que são 40 anos sempre na boca das pessoas. Quem pode se orgulhar de tal coisa?
A suposta breguice de "Dona" ou de "Sapato Velho" er dos detrata uma das armas dos detratores, que jogavam a música no mesmo caldeirão onde chafurdavam Waldick Soriano, Reginaldo Rossi, Odair José e Ovelha, entre outros artistas excêntricos.
O Roupa Nova sempre tirou de letra e continuou a emplacar hit após hit nas trilhas de novelas da TV Globo - foram 35 - e, para desgosto de muita gente, virou a cara da música pop brasileira. Banda de baile? Com um prêmio Grammy latino?
Com formação sólida e qualidade musical comprovada, a banda era uma unanimidade entre os músicos nacionais. Fazem parte da elite instrumental e costumam ser bastante requisitados para todo o tipo de colaboração sonora.
Gostar de Roupa Nova? Nunca foi fácil admitir, como também é extremamente delicado, para muita gente, gostar de Blitz, Toto, Journey, Survivor...
Gostar de Roupa Nova é algo complicado, mas respeitá-los, ao contrário, é bem simples e necessário. O que conseguiram e a excelência de seu trabalho que executam transcende à discussão de boteco que costuma enxovalhar esse tipo de artista.
Roupa Nova é de um tempo em que ainda existia uma proximidade e um comprometimento do público consumidor e a música. As canções tinham valor e despertavam algum tipo de paixão, por mais que fosse simples e direcionada a um público ávido por diversão mais leve.
Pense o número de artistas que tentaram enveredar pelo mesmo caminho e atingir o coração do ouvinte? Que banda de rock teve desempenho levemente parecido?
Que outro artista pop conseguiu se aproximar da usina de hit chamada Roupa Nova? Só consigo pensar em Xuxa, uma artista artificial e cantora medíocre que teve um apoio monumental da Rede Globo, onde tinha programa matinal diário.
Gostar de Roupa Nova é bem difícil para roqueiros empedernidos que ainda acreditam na rebeldia e na contestação movida a guitarras e berros, em um mundo que tradicionalmente preferiu canções sutis e baladas.
Provavelmente isso de "gostar do Roupa Nova" não vai acontecer para um número expressivo de pessoas. Para estes, no entanto, há um exercício simples para ao menos entender o que significa o Roupa Nova: de cabeça, faça uma pequena lista dos hits que conhece? E tente não cantá-los de forma automática...
Foi preciso que a morte de Paulinho colocasse, finalmente, o Roupa Nova em seu devido lugar na música brasileira - não que isso importasse para os músicos, que continuavam em plena atividade e com muito sucesso mesmo 40 anos depois do surgimento.
Ninguém fica indiferente ao verso "Eu perguntava do you wanna dance?/ E te abraçava do you wanna dance?", do sucesso "Whiskey a Go Go", reconhecíveis imediatamente. Quer maior vitória do que essa?
Belo registro.
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