quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

O ano que perdemos e o ano que refaremos o contato

 Marcelo Moreira

Ano para ser esquecido, ano de aprendizado, ano de reconstrução, ano de renascimento... 2020 foi o ano para todos os gostos, dependendo do nível de otimismo e da quantidade de pessimismo. Foi impossível ficar indiferente a tanta tragédia e a tanta mudança no cotidiano e no próprio modo de levantar e encarar o amanhã.

Nunca perdemos tanta gente em tão pouco tempo. Cada um de nós viu algum vizinho, parente ou conhecido sucumbir por conta da covid-19 ou em consequência da pandemia - suicídio, depressão profunda, morte por falta de leitos para outras doenças...

Nunca estivemos tão reféns da incompetência institucional e da ignorância. A terceira década do século XXI chega e ainda temos que convencer os imbecis da necessidade de vacinação, da importância de zelar pela saúde pública em detrimento da economia, da extrema urgência de assistir os desamparados e de reduzir aceleradamente a desigualdade social.

Nunca o ódio esteve tão presente em nossas vidas cotidianas; nunca a empatia esteve tão ausente em nossa sociedade profundamente dividida. A ciência e a informação se tornaram inimigas da realidade, que sua para ao menos se equiparar à mentira e à ignorância.

Nunca desprezamos tanto a vida; nunca deixamos de nos importar tanto com nós mesmos, com os vizinhos e com nossos pais. 

Não conseguimos tolerar mesmo os mais baixos patamares de isolamento e distanciamento social.  Nunca a vida valeu tão pouco, desprezada por todos, inclusive por nefasto mandatário de um governo que depreda a civilização e que abraça as trevas, em todos os sentidos.

Nos estratos mais destroçados, como o setor de entretenimento, gastronomia, turismo, cultura e artes, o esfarelamento do tecido social e de todas as formas de tolerância ficaram evidentes, com  o crescente desprezo pelos quase 200 mil mortos - em quatro anos de envolvimento na II Guerra Mundial, os Estados Unidos registraram 300 mil soldados mortos ou desaparecidos.

Em um ano em que a classe artística se dividiu e muitos abraçaram as ideias e as atitudes medievais - seja por oportunismo, seja por desespero -, é desalentador perceber que muitos músicos/roqueiros preferiram ficar do lado do vírus e vomitar sandices contra as medidas sanitárias restritivas necessárias e compartilhar muita notícia falsa, além de apoiar o nefasto presidente.

Todos perderam, e muito, com um 2020 tenebroso. Brigar com a realidade e pensar apenas no próprio bolso foram apenas alguns dos inúmeros pecados que essa gente pobre de espírito cometeu. 

E isso vai além de abrir bares de forma irresponsável e permitir aglomerações em centros comerciais variados: o que dizer dos energúmenos que se sentiram confiantes de ira shows com o público presencial, mesmo "com todos os protocolos sanitários e de segurança estabelecidos"? 

Como qualificar os artistas que toparam a irresponsabilidade de tocar para um público "de apenas 30% da capacidade da casa?


2020 foi o ano das lives, que logo saturaram o público e nem de longe conseguiu remediar os problemas trazidos pelo isolamento social. Muita gente trabalhou de casa, mas os músicos ficaram sem trabalho e sem auxílio emergencial, distribuído a diversa fatias da população. 

E o que dizer de você que votou no lixo que aparelhou o governo federal e está dilapidando o que sobrou de um país subdesenvolvido?

No ano em que o desemprego, que já estava em alta por inépcia administrativa bolsonara, explodiu, não sobrou nem o bico de sempre e salvador das piores horas. Aquele boteco aconchegante, a praça ensolarada do final de semana, o festival do shopping da cidade vizinha... e ainda tendo de ouvir os fascistas chamar os artistas de vagabundos...

2021 será o ano da vacina e o ano em refaremos os contatos. Talvez seja otimismo demais falar em recuperação - que tal reconstrução?

Na melhor das hipóteses, os shows de verdade voltam só em maio, quando se vislumbra algum tipo de controle da pandemia, ainda que a  afete apenas pequena parcela da população - graças a mais uma incompetência do governo esdrúxulo de Jair Bolsonaro.

Na reconstrução, teremos de mudar muitas coisas, a começar pelo respeito às leis, à ciência, ao vizinho e ao próprio planeta. 

O show de horrores deste final de ano, com praias, ruas e comércio lotados, mostra o pior do brasileiro, um povo ignorante, mal educado e pérfido, incapaz de solidariedade prolongada e extremamente oportunista e egoísta, tudo temperado com altas doses de vagabundagem e nenhum pudor em explicitar a sua falta de vergonha em passar vergonha.

É pouco provável que esse contexto mude drasticamente em 2021. É pouco provável que consigamos evoluir minimamente pra enfrentar de forma correta e decente a pandemia, que vai matar bem mais de 200 mil por aqui. 

No entanto, a vida já mudou, queiramos ou não. O rock nosso de cada dia ficará confinado por algum tempo em nossas casas e as chatíssimas lives, a maioria caça-níquel e que pouco acrescentam, vão nos assombrar até que as medidas sanitárias e as vacinas surtam efeito.

Será mais um lembrete de que teremos de suportar mais um período terrível de atentados à inteligência, ao bom senso e à civilização. 

Com isso, seremos obrigados e refazer as nossas ligações com todas as nossas vidas, com os nossos mundos, com nossas almas. Será a hora mais do que necessária de rever conceitos e rever relações, rever contatos e rever a própria vida.

2021 será bem diferente. A música continuará a fazer parte da vida da maioria das pessoas, e de uma forma um pouco mais efetiva e necessária. 

O confinamento forçou que o nosso relacionamento com a música, esgarçado e pouco amistoso neste século, tomasse outras proporções. 

O rock e a música em geral voltaram a fazer parte de forma importante nosso dia, recuperando um pouco da relevância que já teve. 

A música ficou muito fácil de se acessada, ficou gratuita e perdeu muito o seu valor agregado. Com esses nov tempos, que ela nos ajude a recuperar a nossa humanidade e nosso apreço pela civilização.

Que volte a fazer parte de nossas vidas de forma integral e indissociável. A vida sem música é o triunfo da mediocridade, exatamente como sonham os fascistas e os burrocéfalos bolsonaristas. É uma vida triste e sem perspectivas. 

Essa reconexão com a música e com as artes é a oportunidade imensa qwue esperávamos para restaurar a nossa crença em dias melhores. É o que nos resta.

Um comentário:

  1. No meu caso, vc tem toda a razão! Ouvi muito rock, fui atrás de artistas que só conhecia de ouvir falar,também trabalhos de bandas que gosto mas não conhecia algumas coisas, enfim, ouvi tanta música como há muito não ouvia!

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