Marcelo Moreira
Muita gente inteligente está embarcando nessa bobagem, meio que legitimando a tese perigosa de que o mundo pode perfeitamente viver com menos cultura e que a arte não é imprescindível - e que a pandemia demonstrou isso, na prática.
É mais um desafio que o setor de entretenimento - englobando cultura, artes e gastronomia, além do turismo - terá de enfrentar em 2021: recuperar a relevância e se fazer relevante e importante para o nosso dia a dia, e para a nossa sanidade mental.
Gente desqualificada e desclassificada, de todos os tipos, quase toda ligada ao mundo abjeto da direita política e da extrema-direita, encampo o discurso da irrelevância das artes e da cultura na vida durante a pandemia.
Na atribuição das importâncias das atividades humanas, menosprezaram o setor para que o prestígio fosse jogado no chão como forma de retardar auxílios financeiros por parte de governos e instituições. Em muitos lugares, esse pensamento criminoso está colando.
Desdenhar do papel crucial que a cultura e as artes têm em nossas vidas é uma maneira de depredar educação e disseminar teses estapafúrdias de cunho conservador e desprovido de conteúdo inteligente.
É mais uma tentativa, como tantas outras, de solapar a cultura e as manifestações artísticas como polos dissidentes e de "oposição", como se o pensamento crítico e a inteligência fossem frágeis a ponto de serem anulados dessa forma.
Não são, mas é estarrecedora a quantidade de gente que acredita nessa idiotice. Não bastasse lutar por uma recuperação quase do zero, as artes e a cultura terão de reafirmar seu valor e sua imprescindibilidade.
Como fazer o público redescobrir a importância de apoiar artistas e de ir a um show de rock quando não se tem a mínima ideia de quando o mundo controlará a pandemia?
A coisa piora no Brasil, onde não há perspectiva alguma de vacinação da população e onde o governo nefasto, incompetente e pernicioso aposta na morte e impõe obstáculos à ciência e à civilização, cortando verba da educação e dificultando a implantação de todo o tipo de projeto.
No país onde a importação de armas é mais importante do que o investimento na educação, os ataques à cultura e às artes crescem vigorosamente à medida que o prestígio dos seres hediondos que comandam o governo federal esfarela - e as eleições municipais de 2020 impuseram uma derrota vergonhosa e fragorosa ao bolsonarismo, provavelmente o maior lixo institucional que desabou sobre a nação.
O menosprezo e a desvalorização da cultura em plena pandemia faz parte da guerra cultural e ideológica travada pelas forças medievais do atraso e do retrocesso. Não é surpreendente que, passadas as eleições, esse conflito ressurgiria com certa força.
O que incomoda e surpreende é que a tese estapafúrdia de que "pandemia mostrou que podemos perfeitamente viver sem cultura e artes" consiga prosperar mesmo em ambientes onde esse tipo de coisa seria recebida às gargalhadas.
A fragilidade gigantesca do setor levou a uma letargia de tal forma paralisante que ninguém mais se preocupa em rebater esse tipo de coisa - ou encontra forças para tal.
Essa letargia está levando muita gente que pensa e que tem bom senso a realmente interpretar que cultura e artes são realmente supérfluos e que merecem ficar no fim da fila de caridades ou de planos de restruturação econômica, isso se realmente incluírem os segmentos em algum tipo de plano.
Só gente burra e irresponsável para admitir que existe vida sem teatro, cinema, artes plásticas, literatura, música e espetáculos dos mais diversos.
Ainda que esse tipo de tese prospere em ambientes onde jamais prosperariam, e que suas consequências maiores desapareçam com o tempo, haverá um enorme problema a ser encarado: a desvalorização dos produtos culturais e artísticos na retomada quando ela vier.
O que isso quer dizer? Em um mundo depredado e de terra arrasada, em que certamente haverá arautos preconizando o surgimento de um "novo mundo", o valor agregado dos produtos artísticos serão jogados ainda mais para baixo.
No caso da música, já se espera que "novas bases de negociação" surjam, aproveitando-se das consequências financeiras da pandemia somadas à destruição do mercado como conhecíamos e ao pouco apreço que o público de hoje tem pela música.
É a oportunidade que esperavam empresários espertalhões para cortar recursos, investimentos e estabelecer novos "preços", muito menores, para a maioria das atividades culturais e artísticas.
Diante da penúria generalizada e de uma concorrência por migalhas que deve aumentar, é de se esperar remunerações cada vez piores para artistas e escalões mais baixos da indústria do entretenimento.
Como recuperar esse terreno perdido, para que possamos, ao menos, ter condições de operar com preços e cachês de antes da pandemia, quando já se vivia uma decadência absurda no aspecto financeiro?
Como reverter tal desvalorização se todo mundo "normaliza" situações como a pífia remuneração a músicos e compositores por parte das empresas/gravadoras que operam as plataformas de streaming?
Mais do recriar condições mínimas de mercado, o mundo artístico terá de convencer o mundo pós-pandemia que é importante e relevante diante de uma ofensiva canalha de agentes nojentos encarregados de depredar o conhecimento e neutralizar o poder da artes e cultura de influenciar e fazer pensar.
Se acreditarmos e deixarmos que se acredite que arte e cultura são supérfluos em tempos de crise e convulsão econômica, estaremos enterrando parte significa da civilização e da vida inteligente deste planeta.
A tarefa de mostrar que, mais do que nunca, em tempos de pandemia, não podemos viver sem arte, cultura e conhecimento, tem de ser uma de nossas prioridades para 2021.
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