terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Thin Lizzy, 50 anos: a força e a resistência de uma banda símbolo dos anos 70

 Marcelo Moreira

Como símbolo de resistência e de bravura, os irlandeses costumam dizer que são os "negros da Europa" para caracterizar a  e os preconceitos que sofrem desde que a ilha foi dominada pelos ingleses e pelos escoceses a partir do século XIV. A frase foi utilizada no filme de Alan Parker, "The Commitments", que fala sobre os sonhos de sucesso de um grupo de jovens músicos fadados ao fracasso.

Ninguém encarnou todo o peso de ser irlandês no rock mais do que Phillip Lynott, o baixista e vocalista de uma instituição da música mundial, o Thin Lizzy, que completa os 50 anos do lançamento de seu primeiro LP neste 2020.

Nascido em Birmingham, na Inglaterra, em 1949, filho de mãe solteira, era negro e rebelde, mas desde cedo soube cultivar o sentimento de lealdade e solidariedade, justamente para driblar os obstáculos que insistiam em jogá-lo para baixo.

Ah, senão fosse a mãe Philomena... Com instinto libertário e indomável, ela quis ganhar o mundo e se mandou para a Inglaterra novinha para controlar a própria vida. 

Pena que uma gravidez quando era bem novinha imprevista interrompeu a trajetória. Apaixonada por um aventureiro, ela nem mesmo teve tempo de conhecer o amado, um negro forte e galanteador (venezuelano? Brasileiro? Ela nunca soube ao certo). Quando ela piscou, o cidadão sumiu.

Só restou à irlandesinha indomável engolir o orgulho, fugir da hostil Inglaterra e voltar para Dublin. A família torceu o nariz, mas ela seguiu em frente e transferiu ao filho os sonhos e a vontade de vencer e convencer - ninguém mais apoiou Phil Lynott do que ela.

Igualmente rebelde, mas tímido e gentil, Phil fez de tudo e tocou de tudo em tantas bandas entre 1965 e 1970 que ele nem se lembra direito, mas sabe nem que amigos como Gary Moore e Brush Shiels, da Belfast, no outro lado da fronteira, o ajudaram a chegar aonde queria - a sua própria banda, com seu próprio som, em 1970.

Mal acreditou quando pegou o primeiro LP nas mãos e mostrou à mãe toda orgulhosa. A mistura de rock, soul e blues com um tempero mais áspero chamou a atenção na Irlanda, mas passou meio batido em Londres e nos Estados Unidos.



Herói local, Lynott e seu Thin Lizzy passaram por muita coisa até 1975, quando finalmente as coisas começaram a melhorar e as dívidas começaram a ficar para trás. 

Ele, Eric Bell (guitarra), Brian Downey (bateria), Scott Gorham (guitarra), Gary Moore (guitarra) e mais alguns eleitos que passaram pelo grupo burilaram um rock ríspido, mas altamente melódico e insinuante, mostrando uma nova forma de rock pesado e agressivo, mas não afrontador o suficiente.

O Thin Lizzy era a cara e a personalidade de Phil, mas sem as guitarras estrondosas e serpenteantes dos comparsas e a bateria firme e precisa de Downey a banda não teria se tornado o que foi e a maravilhosa fonte de influência que é até hoje.

O auge ocorreu entre 1975 e 1980, quando a banda ousou e transformou o seu rock pesado em uma marca registrada do som da banda. Ao lado de Rory Gallagher, Van Morrison e Gary Moore, tornou-se um herói do rock irlandês, com direito a estátua numa esquina de Dublin.

Tanto prestígio, entretanto, nunca resultou em vendas o suficiente para acabar com as dívidas frequentes e com a forte dependência das drogas e do álcool. Phil era leal e solidário, o que atraía toda a sorte de oportunistas e traficantes. 

Desde cedo percebeu que sempre esteve sozinho na busca pelo sucesso e que dificilmente conseguiria o mesmo nível de engajamento e comprometimento dos colegas. 

Solitário e depressivo por natureza, nem mesmo o apoio da mulher, esgotada por conta do estilo roqueiro de vida, conseguiu manter - abandonou-o enquanto ele estava em turnê, levando as duas filhas do casal.

Se Lynott não estava preparado mentalmente para o supremo prestígio sem a correspondente conta bancária cheia, muito menos suportou ver a decadência do Thin Lizzy a partir de 1980.

A inspiração não era mais a mesma, assim como a disposição nos palcos e para enfrentar uma indústria que já estava descartando o punk e abraçando a new wave - imagine então uma banda com o rótulo de "clássica" dos anos 70...

O fim do Thin Lizzy foi rápido e melancólico em 1983, apesar da eufórica turnê de despedida. Era o fuim de uma era, já que era a última banda de rock pesado do início dos anos 80 que sumia de cena - só o renovado Black Sabbath conseguia alguma repercussão na época, seja com Dio ou com Ian Gillan nos vocais, enquanto que Uriah Heep e Deep Purple entravam em hibernação.

Apesar das dificuldades e da efemeridade do auge do Lizzy, foi uma banda das mais importantes, influenciando gerações e estabelecendo marcas importantes e "regras" de todos os tipos.

Talvez seja a banda mais subestimada por crítica e público ao longo dos anos. Talvez fosse apenas um grupo que gastou rápido a sua munição e que se afundou na autoindulgência tão típica do rock pesado. 

O que não se discute é o Lizzy foi uma fábrica de hits e de clássicos e que Phil Lynott se tornou referência de música de qualidade e um dos maiores heróis da cultura da Irlanda.

Com o fim do Thin Lizzy, Lynott trabalhou com alguns amigos, como Gary Moore, participando ativamente do álbum deste chamado "Run For Cover". 

Ao lado do último guitarrista solo do Lizzy, John Sykes (ex-Tygers of Pan Tang), ensaiou a criação de nova banda, mais hard rock, chamada Grand Slam. Demos e ensaios ocorreram, mas a demora em decolar e descolar contratos fez com que Sykes aceitasse o convide de David Coverdale para entrar no Whitesnake.

No Natal de 1985, cheio de planos e comemorando na casa da mãe, Lynott passou mal e foi levado às pressas pra um hospital. Morreu em 4 de janeiro de 1986 em consequência de falência de vários órgãos e problemas respiratórios. Os excessos de drogas e álcool cobravam definitivamente a conta de um dos mais talentosos e importantes músicos do rock.

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