segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Uma viagem fantástica pelo cinquentenário do Uriah Heep

 Marcelo Moreira 

FOTO: REPRODUÇÃO

Uma banda odiada pela crítica, que não se conformava com o som pesado, tosco e os temas absurdos abordados nas letras. Como era possível que houvesse gente disposta a pagar pelos discos e para vê-los ao vivo? 

A descrição cabe perfeitamente aos primórdios do Black Sabbath, que lançaria seu primeiro álbum em 1970, mas também se aplicou a um quinteto ainda mais bizarro e, em determinados momentos, tão pesado quanto o quarteto de Birmingham. Coincidentemente, fez sua estreia em vinil também em 1970.

Embora o Uriah Heep seja uma banda inglesa considerada cult dentro do rock pesado setentista, fez muito sucesso entre 1971 e 1975, vendendo horrores e fazendo sombra ao Deep Purple e ao próprio Black Sabbath. 

O grupo completa 50 anos de carreira ainda na ativa, embora apenas o guitarrista Mick Box, fundador, esteja desde o começo. Da formação clássica, é o único vivo - só neste ano morreram o tecladista Ken Hensley, aos 75 anos (a causa da morte não foi divulgada) e o baterista Lee Kerslake, de 73 (câncer).

Gary Thain, o superbaixista neozelandês admirado por muita gente, morreu de overdose em 1975, aos 27 anos; o grande vocalista David Byron se foi aos 38 anos em 1985 em razão de falência múltipla dos órgãos em consequência do abuso do álcool. 

Das cinzas do Spice, formado em 1967 por Box e Byron, o Uriah Heep começou a tomar forma  com a chegada de Hensley, multi-instrumentista que deu forma ao som encorpado e gigante que o grupo adquiriria. 

Os três formataram o som que encantaria o empresário e produtor Gerry Bron, nome pesado da indústria musical britânica, e logo mostrariam um tipo de som que os diferenciaria, e muito, da concorrência naquele começo de década. 

Fugido da linha mais pop que o nome Spice sugeria, entram em 1970 com sangue nos olhos e trocam a alcunha para Uriah Heep, nome de um personagem literário do mundo fantástico. 

A grande arma que o grupo apresentava era o hard rock com bastante peso aliado ao molho acrescentado pelo órgão Hammond de Ken Hensley, adicionando urgência e horror ao som violento que tomava forma no álbum "Very Heavy, Very Humble", daquele ano de 1970. 

Os teclados que sobressaíam acabaram por colocar a banda em outro patamar, distanciando a sonoridade dos concorrentes mis fortes - groove hard do Deep Purple, o blues energético e eletrizante do Led Zeppelin e o heavy tétrico e absoluto do Black Sabbath. 

Magos, magia, muindos paralelos e outros temas "progressivos" chamaram a atenção de roqueiros do mundo todo e fizeram com que a banda transitasse bem pelos dois mundos - hard/heavy e prog -, o que garantiu presença constante em festivais e megaturnês pelos Estdos Unidos. 

Apesar de hoje subestimado, o Utriah Heep esteve nio topo por conta de uma trinca de álbuns considerada imbativel até hoje. "Salisbury", de 1971, já indicava o som que predominaria dali para frente, com o início da sofisticação de arranjos e letras. 

"Look at Yourself", também de 1971, foi a explosão de criatividade e inovação que a banda precisava para inscrever seu nome entre os gigantes da primeira metade dos anos 1970 - a faixa-título e "July Morning" são as grandes canções. 

A guitarra de mick Box se tornava referência, com seus fraseados rápidos e extremamente intrincados, tendo a "cama" de teclados de Hensley como um luxuoso complemento - a coisa ficaria perfeita com a chegada de Gary Thain um pouco depois. 

"Demons and Wizards", de 1972, é o começo do auge, com uma quantidade grande de músicas caprichadas e que transitam com desenvoltura entre o mundo progressivo e o hard setentista. "The Wizard", a linda balada folk, a soturna e delicada "Circle of Hands" e a paulada "Easy Livin'", o maior de todos os hits, estão neste disco. 

A fase era tão boa que no mesmo ano decidiram gravar e lançar "The Magician's Birthday", que rivaliza com o anterior como o melhor do Heep. Aqui os destaques são a faixa-título, um primor de rock progressivo pesado, as maravilhosas "Sunrise" e "Rain" e a pérola "Echoes in the Dark", outro grande momento do heavy metal daquele tempo. 

Tudo muito rápido, intenso e regado aos excessos do rock típicos dos anos dourados e superlativos... É claro que a conta veio rápido e provocou estragos gigantescos.

 

 Os concorrentes aguentaram mais tempo - o Deep Purple implodiu em 1976, Ozzy Osbourne foi demitido do Black em 1979 e o Led Zeppelin acabou em 1980 com a maorte do baterista John Bonham. O Heep começou a apodrecer em 1975, com a demissão de Gary Thain por abuso desenfreado de drogas. Ele morreria ao final daquele ano. 

O venerável baixista e vocalista John Wetton (ex-King Crimson, Roxy Music e Family e futuro Asia) chegou como substituto e tudo parecia voltar aos trilhos, mas essa fase só durou um ano e meio e dois álbuns. 

Irascível, imprevisível e megalômano, crente que era um superastro do rock, David Byron exacerbou seu comportamento instável potencializado por drogas e bebida e tornou o clima insustentável, sendo demitido ao final de 1976. Indignado com a demissão, Wetton também saiu. E o encanto do Uriah Heep acabou. 

"É possível que tenhamos falhado em ajudar Gary e David em seus problemas, mas isso aconteceu provavelmente porque todos nós também tínhamos esses graves problemas e não conseguimos perceber o quanto eles precisavam de ajuda. Todos nós, na verdade, precisávamos de ajuda", declarou Hensley em 2010 à revista brasileira Poeira Zine.

A queda foi tão vertiginosa que tornou o Heep uma banda cult nos anos 80, subestimada e até maltratada. Nunca mais conseguiu emplacar um grande hit e nunca mais gravou um grande álbum. 

Paradoxalmente, foi a partir dos anos 80, época de vacas magrrimas, que a banda finalmente estabilizou a formação por quase 30 anos a partrir da chegada do vocalista canadense Bernie Shaw em 1985, após tentativas frustradas com os cantores John Lawton (com este nem tanto, já que gravou dois discos), John Sloman e Peter Goalby. 

E o grupo ficou inalterado por décadas com Shaw, Box, Lee Kerslake, o baixista Trevor Bolder (que tocou com David Bowie) e o tecladista Phil Lanzon.  Só foram pensar em mudanças em 2008, quando Kerslake foi forçado a se aposentar por conta de vários problemas de saúde. Seu substituto é o competente Russel Gilbrook. 

Outra mudança forçada foi a saída, e posterior morte, de Bolder em 2013, vítima de câncer, aos 62 anos. Seu substituto é o discreto e competente Davey Rimmer. 

Ao contrário de muitas bandas importantes dos anos 70 que vagam ainda na ativa como almas penadas, o Uriah heep segue produtivo e lançando CDs interessantes, embora sem o memso brilho de 45, 50 anos atrás. Dos trabalhos mais recentes, os melhores são "Into the Wild", de 2011, e "Outsider", de 2014. 

O Uriah Heep escreveu páginas gloriosas do rock e foi uma das bandas que deu grande impulso para que o gênero, em especial sua vertente mais pesada, dominasse a indústria e as mentes da juventude por muitos anos. Aos 50 anos de carreira ininterrupta, é uma banda resistente e, sobretudo, vencedora.

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