quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Van der Graaf Generator, 50 anos: ousadia mais do que necessária

 Marcelo Moreira

Uma das formações do Var der Graaf Generator (FOTO: DIVULGAÇÃO)

 Eles rechaçavam o virtuosismo e nunca foram muito fãs do experimentalismo, por mais que experimentassem aos montes. Queriam ser diferentes, e foram, e pagaram o preço de se tornarem uma das bandas mais cult e adoradas do rock. De certa forma, era isso o que desejavam. 

Na onda de efemérides dos 50 anos do surgimento de bandas importantes, como Uriah Heep e Gentle Giant, os ingleses do Van der Graaf Generator trilharam caminhos muito semelhantes, por mais que se esforçassem para fazer o contrário.

Também era uma banda princípios - eram duros na queda, o que lhes valeu a alcunha de "punks do progressivo" antes mesmo do movimento punk varrer os dois lados do oceano Atlântico. 

O Van der Graaf Generator surgiu há 50 anos fruto das inquietações de seu vocalista e mentor, Peter Hammil, uma mente inquieta e obcecada por se tornar músico e ser famoso fazendo o seu tipo de música. 

Uma das melhores definições para o som do grupo foi dada pelo jornalista brasileiro em extenso perfil biográfico publicado na revista Poeira Zine em abril de 2009: 

"A mistura de jazz, rock, erudito e sensibilidades 'operísticas' do Van der Graaf Generator soou como transgressão para os mais puristas, tudo ainda embalado por letras filosóficas, existencialistas e quase góticas." Uau, tudo isso em 1970? 

O culto ao Van der Graaf é tão forte e poderoso quanto o que cerca o Gentle Giant, sendo que aqui há um certo intelectualismo que é reforçado desde sempre. Seriam os integrants e os fãs uma espécie de seita ou grupo secreto nos moldes da maçonaria ou sociedades secretas do século XIX? 

Hammil sempre deu de ombros para esse tripo de coisa. Por mais que ambicionasse ser um músico importante de rock, renegava as tentativas fáceis e simples que o mercado oferecia. Era mais um dos artistas que faziam "música para a cabeça, e não para os pés", parafraseando Robert Fripp, o guitarrista e líder do King Crimson. 

Van de Graaf fazia música de vanguarda, escolhendo um camiho diverso de Gentle Giant, King Crimson, Frank Zappa e Miles Davis. Guardadas as devidas proporções, o grupo tinha ambições artísticas que se assemelhavam às de Jimi Hendrix. O rock não era suficiente, era preciso abrir mais, inovar mais, criar mais. 

A guitarra etérea e a voz hipnótica de Hammil contrastavam com os teclados de Hugh Banton e os saxofones abrasadores de David Jackson, criando um emaranhado sonoro que calcificava as densa e tensas letras de músicas geniais.  Não é à toa que gente como David Bowie e Nick Cave foram influenciados por Peter Hammil e o conceito estético e sonoro do Van der Graaf Generator. 

Quando a banda surgiu com seu primeiro álbum, "The Aerosol Grey Machine", em 1969, o grupo ainda não etra Van de Graaf, ou estava na fase de transição/transformação, mas foi em 1970 que o que conhecemos como a banda de nome esquisito (nome de um aparelho usado em experimentos de física, um acelerador de partículas). 

Questões complicadas a respeito de contratos assinados de forma pouco ortodoxa impunha limitações à banda para tocar com frequência,o que acabou canalizando esforços para o verdadeiro surgimento do grupo em "The Least We Can Do Is Wave To Each Other", de 1970, uma verdadeira obra de rock progressivo que deixa para trás as influências psicodélicas e folk. 

Literalmente, passear pela discografia do grupo é uma viagem sem destino e meio no escuro, rumo a um mundo de sensações diferentes e fora do normal.  É interessante como a banda conseguiu casar uma rara sensibildade musical com uma urgência sonora sempre abusando de temas difíceis. 

"H to He, Who Am the Only One" (1970) e "Pawn Hearts" (1971) pavimentaram o caminho para o surgimento de um combo cool e que se recusava a fazer concessões. É música intrincada, mas perfeitamente acessível; e conceitual, mas totalmente aberta a interpretações; é a trilha sonora de uma vida paralela. Uma grande viagem ao desconhecido. 

Foram apenas dois anos de muita criatividade e inteligência, mas de extrema intensidade e nem tanta visibilidade. O estresse pelas dificuldades inerentes a esse tipo de som experimental e de vanguarda costuma cobrar preos altos e Van der Graaf capitulou. Ao final de 1971 não existia mais. 

"Godbluff", o disco de 1975, marca o retorno exalando maturidade e oferecendo novas perspectivas. Os integrantes lançaram álbuns solo e tocaram com muitos outros músicos e tinham uma visão modificada da cena roqueira.

 Já era a segunda medade da década e o selvagem jpa tinha consumido o King Crimson e começava a martelar para espatifar o Gentle Giant, o Yes e o Emerson Lake and Palmer. 

As mudanças foram profundas e o encanto tinha sumido. Restaram fagulhas de de inspiração que renderam cinco álbuns em três anos, mas o ano de 1979 registra um fim que parecia definitivo, até que nova reunião, em 2004, tentou reviver os bons tempos. Eram os mesmos integrantes, mas com cabeças diversas e pensamentos distantes de 26 anos atrás. 

A qualidade era a mesma, havia entusiasmo, mas alguma coisa faltava. O Van der Graaf Genereator carecia daquela urgência inovadora e premonitória de novos tempos e novas perspectivas. 

Ao lado do Gentle Giant, o Van der Graaf Generator escreveu páginas primorosas do rock, mostrando que que limite era uma palavra proibida na busca de sonoridades diversas e diferentes. Nunca na história da música pop ser diferente foi tão crucial e necessário como naqueles anos 70 iniciais.

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