segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Os 35 anos sem o selvagem Phil Lynott, o supremo herói do rock irlandês

 Marcelo Moreira



A maior força da natureza do rock era um "outsider" por excelência e não poderia ter vida longa, pois isso contrariava a própria natureza daquele irlandês negro e completamente fascinado por quebrar regras e limites.

Philip Parris Lynott, o herói máximo do rock irlandês, morreu há 35 anos, em 4 de janeiro de 1986, de falência múltipla de órgãos por conta do abuso mastodôntico de drogas e álcool. Tinha apenas 36 anos, embora médicos constatassem que o corpo maltratado aparentava pelo menos 15 anos mais.

Para os amigos mais chegados, ele era o mais selvagem da fase mais moderna do rock. A seu modo, impôs ao hard rock setentista um peso autêntico e um suingue invejável com a sua banda, a maravilhosa Thin Lizzy, uma usina de riffs e melodias cativantes que a transformaram em um dos gigantes daquela década.

Selvagem sim, mas insano, só nos abusos fora do palco. No fervilhante cérebro incansável, formulou o tal rock pesado e agressivo, mas cheio de maleabilidade, o que hoje se convencionou a chamar de "groove". 

A importância de Lynott, para a m´sica irlandesa é tanta que os compatriotas relevaram o fato de ele ter nascido em Birmingham,na Inglaterra. Virou estátua em sua amada Dublin e muitos consideram sua data de nascimento como um quase feriado.

O baixista do Thin Lizzy sempre foi vítima de preconceito desde o nascimento. Sua mãe, a venerável Philomena "Phillys" Lynott,, trabalhava no comércio e fazia bicos em Birmingham quando engravidou, muito jovem, naquele traumático pós-guerra.

Sem saída e com medo do desprezo familiar - e já bem longe do pai do bebê, que desapareceu assim que soube da "novidade" -, optou por dar a luz na Inglaterra e tentar a sorte na metrópole industrial. 

A falta de grana e de amparo a obrigou a retornar a Dublin e enfrentar a conservadora e preconceituosa sociedade irlandesa, e sua família pouco amigável, naquele ano de 1949.

Lynott, reuniu em si uma série de "qualidades" que serviam de preconceitos: filho de mãe solteira, sem ideia de quem era o pai (nem Phillys sabia direito o nome do namorado, que ora seria um negro venezuelano, ora um negro brasileiro, mas imigrante ilegal), mestiço, mas com traços negros pronunciados e irlandês, no caso para os arrogantes ingleses e os fanfarrões franceses.

Talentoso, esperto e muito malandro, toureou as dificuldades da infância e da adolescência até decidir que seria um artista. Com uma guitarra nas mãos, a partir dos 15 anos passou por vários combos em Dublin e na não tão distante Belfast, na Irlanda do Norte. 

Com amigos como Gary Moore, Brush Shiels e a veneração por Rory Gallagher, que hoje rivaliza com o baixista como o herói máximo do rock local, Phil Lynott, logo chama a atenção para compor, tocar e cantar. 

Cansado de aturar as chatices das bandas que integrou, meteu as caras e criou o Thin Lizzy, banda seminal que surgiu em 1970 como uma usina de energia prestes a explodir e transformar o hard rock durão do final dos anos 60 em pura arte.


Quem escuta hoje o nome Thin Lizzy, com sua potência e sua história fabulosa, não imagina que o reconhecimento só viria a partir de 1975 - a grana sempre foi curta, mas pelo menos o nome da banda ficou imenso, com o apoio nem sempre amistoso dos comparsas Scott Gorham (guitarra) e Brian Downey (bateria). 

O amigo Gary Moore, depois de passar por Skid Row e Colosseum II, vola e meia aparecia para tocar e compor, mas sumia sempre que o clima pesava com o irascível e instável Lynott,. Já tinha sido assim com Eric Bell, o guitarrista solo que suportou as dificuldades na primeira metade dos anos 70.

As coisas pareciam melhorar após 1975, com álbuns fantásticos e hits como "The Boys Are Back in Town", "Rosalie", "The Rocker" e muitos outros. Os álbuns venderam aos montes, como foi o caso de "Jailbreak" e "Black Rose".

Era o auge, mas isso não se traduziu em conforto financeiro. Afundado nas drogas e lidando mal com a própria instabilidade, viu a banda virar referência para o hard rock inglês dos anos 80 e viu a crítica aclamar os discos e os shows. 

Beleza, mas o Lizzy estava falido e viu um mundo musical novo atropelar a banda, seja pelo punk rock, pela new wave e pela new wave of british heavy metal (NWOBHM). 

Com credibilidade, mas sem dinheiro e sem inspiração, Lynott, sucumbiu e viu a banda definhar até que o fim pareceu inevitável em 1983. Os shows ainda eram bons, mas tudo era imprevisível e sem lastro. A turnê final pelo menos rendeu ótimos momentos e um alívio para as contas sempre no vermelho.

Com a carreira solo estagnada - tinha lançado dois discos solo no começo dos anos 80 que tiveram pouca repercussão -, convenceu o parceiro John Sykes (ex-Tygers of Pan tang), o último guitarrista solo do Thin Lizzy, a embarcar em um novo projeto.

Sykes venerava o baixista irlandês e chegou a morar com ele por quase um ano enquanto tentavam fazer decolar o Grand Slam em 1984. Lamentavelmente a banda não virou e o guitarrista, a contragosto, voltou a Londres por conta de uma proposta irrecusável do Whitesnake. 

No ano seguinte, com a pouca grana que restava e abalado com o divórcio e a distância das duas filhas, tentou vários projetos, nada conclusivo ou definitivamente sério. Saiu a mansão em que morava e se afundou ainda mais nas drogas pesadas. 

O ano só não foi perdido porque foi resgatado pelo velho chapa Gary Moore, que lançou o álbum "Run For Cover", em que Lynott, participa de três faixas.

A má fase parecia estar ficando para trás por conta de boas perspectivas de projetos em 1986, inclusive com a expectativa de propostas para uma volta do Thin Lizzy, mas o baixista sofreu um colapso geral pouco antes do Natal. Foram 11 dias agonizando até morrer no começo de janeiro.

A comoção foi tão grande que o artista recebeu homenagens de praticamente toda a realiza do rock. Segundo o guitarrista Scott Gorham, o guitarrista e líder do Who, Pete Townshend, amigo que emprestou ao Lizzy o estúdio do qual era o proprietário , teria afirmado que a morte de Lynott,o chocou e impactou mais do que do comparsa Keith Moon, o baterista do Who morto em 1978.

Phil Lynott, virou estátua em 2005 numa esquina importante do centro de Dublin e é quase santo para os roqueiros irlandeses, ao lado do estupendo guitarrista Rory Gallagher.

Em setembro passado chegou ao mercado, em plena pandemia, o tão aguardado documentário sobre a vida do músico. "Phil Lynott: Songs For While I’m Away" tem a direção do irlandês Emer Reynolds e traz entrevistas com Eric Bell, Scott Gorham, Darren Wharton, Adam Clayton (U2), Suzi Quatro, Huey Lewis, James Hetfield (Metallica) e Midge Uredo (Ultravox).

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