sábado, 20 de março de 2021

A guitarra emocionante de Paul Kossoff está calada há 45 anos

Marcelo Moreira

Paul Kossoff (FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)


Nunca subestime o poder de uma guitarra, capaz de mudar vidas fora e dentro dos palcos e de várias formas. Uma guitarra transforma um nerd totalmente inadequado para o palco em um dos mais festejados guitarristas de blues rock dos anos 70 - claro que teve uma pequena ajuda dos amigos e de várias substâncias.

Paul Kossoff morreu há 45 anos e ainda suscita debates acalorados a respeito do que foi e do que deixou de ser. Para os adoradores, foi o mais próximo rival a ameaçar o "reinado" de Eric Clapton. Para os detratores, um guitarrista superestimado e de poucos recursos (pobres de espírito!!!).

O fato é que Kossoff mostrou que era monstro das seis cordas ainda muito cedo e assustou gente como Peter Green, Robin Trower e Rory Gallagher, então uma poderosa trinca de blueseiros jovens ingleses que começavam a despontar no final dos anos 60. 

Dizem até que, se não fosse muito jovem, teria sido convidado a substituir Brian Jones nos Rolling Stones em 1969, faga que ficou com o mais experiente Mick Taylor.

O moleque de 18 anos nem preciso disso. Tinha luz própria, tanto que a extrema timidez e medo do palco não foram suficientes pra atrair um séquito de fãs e admiradores. 

No começo ninguém parecia acreditar no que via. E, quando viram, não deram o menor crédito. No dia anterior, naquele esfumaçado e decadente pub da região metropolitana de Londres.

Ninguém menos do que John Mayall e sua banda se apresentaram por ali – seria uma das últimas aparições do guitarrista Mick Taylor com o decano do blues inglês, pois em breve seria anunciado como substituto der Brian Jones nos Rolling Stones. 

E então aquele quarteto de moleques que fazia a abertura resolve arriscar e mandar ver uma saraivada de clássicos norte-americanos e algumas composições que logo estariam no primeiro disco. Houve silêncio de incredulidade e, ao final do curto set de 50 minutos, os aplausos tomaram conta do ambiente.

O quarteto de jovens de não mais de 18 anos ganhava uma plateia existente e muito disposta a afundar qualquer aspirante a músico que não fosse excelente. E o blues britânico ganhava um novo concorrente para Mayall e para o incipiente Fleetwood Mac: a banda Free. No comando daquela demolição sonora, o guitarrista Paul Kossoff.

O Free ficou conhecido como o nome que impulsionou o blues rock inglês no final dos anos 60, abrindo caminho para uma infinidade de bandas que pareciam trilhar o mesmo caminho – gente graúda como o Humble Pie, dos ingleses Steve Marriott e Peter Frampton, que gostaram do que viram nos moleques do Free. 

A juventude e a vitalidade do Free, alguns de seus trunfos, também conduziram a banda para a perdição. Foram menos de cinco anos entre a estreia fulminante e o fim melancólico, já sem Kossoff, mergulhado nas drogas, no álcool e em inúmeras paranoias.

A coisa nunca foi tranquila entre os garotos de origens tão diversas e backgounds tão distintos. A fama veio muito depressa, ainda em 1968, com o primeiro LP, e a fama desnorteou um pouco a turma. O que mais incomodava era que a fama tinha chegado rápido, mas sem a grana sonhada.

Kossoff, Paul Rodgers (vocais), Andy Fraser (baixo) e Simon Kirke (bateria) desfrutaram bastante dos acessórios que as estrelas de rock costumam ser agraciadas, como os falsos amigos, drogas e bebidas à vontade e uma mulherada ávida por ficar ao lado de estrelas de rock.

No entanto, a falta de liberdade de ação e as divergências a respeito do material autoral - seremos uma banda de rock pesado ou de blues rock? - corroeu as entranhas de um combo que atingiu seu auge no maravilhoso álbum "Fire and Water", de 1970. E eles mal tinham chegado aos 21 anos...

Com os abusos e os constantes problemas emocionais, Kossoff percebeu rápido que sua estrela estava se apagando e tentou ganhar tempo antes de se entregar à pasmaceira. 

Os fraseados rápidos, os solos dilacerantes e o feeling extraordinário não demoraram a sumir para dar lugar a um instrumentista errático e letárgico, que não suportava as brigas entre Rodgers e Fraser, os compositores principais. 

Exausto e drogado, ficava largado na cama ou no sofá da casa dos pais. A grande sensação da guitarra inglesa do fim dos anos 60 repetia a fase mais aguda e péssima de Eric Clapton em relação às drogas.

Na capa do LP 'Fire and Water",a formação clássica do Free: da esq. para a dir., Andy Fraser, Paul Rodgers, Paul Kossoff e Simon Kirke

E então Rory Gallagher, Mick Taylor e Robin Taylor atropelaram o frágil Kossoff nos 60. O Free acabou em 1971 para uma breve volta no fim do ano seguinte, com o guitarrista aparecendo apenas como convidado em duas músicas.

Fraser e Rodgers não se entendiam e a banda acaba de vez em 1973, com o cantor e Kirke formando o Bad Caompany em 1974 com Mick Ralphs (ex-Mott the Hoople) e Boz Burrell (King Crimson).

Kossoff ainda tentou se reerguer com a formação de uma banda solo, que logo viria a se transformar na Back Street Crawler, que lançou apenas um disco com Kossoff em vida.

Ele não superou a letargia e o vício nas drogas e praticamente submergiu no ostracismo. Quando amigos articulavam um retorno aos palcos, com uma nova versão da Back Street Crawler, Kossoff passou mal em um voo entre Los Angeles e Nova York em março de 1976 e morreu antes de o avião aterrissar. A necropsia atestou insuficiência cardíaca em decorrência de excesso de drogas.

São muitos os exemplos de perdas precoces no rock por conta das drogas, passando por grandes nomes até aqueles talentosos que se foram antes do estouro.

Kossoff é um caso raro de autodestruição mesmo tendo conseguido, aos 18 anos, o que a maioria desejaria. De forma pouco compreensível, não se incomodou em ajudar a implodir a própria carreira e mergulhar no mais fundo dos abismos. 

Talvez sua guitarra já expressasse desespero e profunda agonia emocional, mas ninguém teve clareza o suficiente para entender a mensagem. Sua guitarra cala é uma das grandes perdas da história da música.


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