Marcelo Moreira
Joey Ramone (FOTO: DIVULGAÇÃO)
Quem era Jeffrey Hyman? "Um cara doce e muito gentil, mas bastante retraído e meio de saco cheio de ter de representar Joey Ramone a maior parte do tempo."
A personificação do punk rock então era um personagem? "Às vezes, às vezes não. Havia uma dificuldade em lidar com essa dupla personalidade, o que talvez fosse um motor para que os Ramones fossem o que foram e são até hoje."
Rubinho Araújo, mecânico de aviação, é um alucinado pelos Ramones e ama Joey Ramone, Fez até um altar em sua casa para venerar o ídolo morto há 20 anos. Todo dia 15 de abril, a data da morte de Joey, é dia de santo para ele.
Só teve tempo de falar com o cantor, rapidamente, por duas vezes, em 1996, na última turnê que a banda fez, com passagem por Brasil e Argentina.
No inadequado salão do Aramaçã, em Santo André (ABC Paulista), conseguiu um autógrafo e uma resposta evasiva sobre o repertório da turnê. Dias antes, no hotel, em São Paulo, ganhou elogios ao mostrar compactos raros, em vinil, ao ídolo, que se impressionou com as raridades.
Mas quem era realmente Jeffrey Hyman? "Não importa. Talvez nunca tenha existido. Joey Ramone é deus, o maior ser humano que já existiu. Ele mudou a música, mudou o mundo."
Isso não está longe da verdade. Talvez o punk rock não existisse em Joey e sua banda, talvez a revolução sonora que explodiria na Inglaterra a partir de 1976 tivesse outra cara e outro nome.
Mas é um fato: a passagem dos Ramones pela terra da rainha naquele ano mudou o planeta. Graças aos quatro moleques feios e desengonçados de Nova York a Londres decadente e em crise econômica explodiu em fúria movida a rock básico e mal tocado, mas com tamanha energia que varreu o mundo.
Morto aos 49 anos de idade em 2001, o vocalista dos Ramones se tornou cultuado como uma figura santificada, embora sem a mesma pompa e devoção que Jim Morrison, dos Doors.
Retraído, tímido e às vezes temperamental, sucumbiu a um tipo raro de câncer e evitou ao máximo a exposição depois do fim dos Ramones, em 1996. Há quem diga até que na verdade considerava a banda extinta desde meados dos anos 80, quando brigou feio com o guitarrista Johnny Ramone para nunca mais conversar com o ex-colega de banda.
Joey amava o rock dos anos 50 e os Beatles e nunca imaginou que mudaria a face da música com a forma mais rosca de rock, ainda mais em um momento em que o mundo valorizada os astros roqueiros que eram gênios.
Três acordes, muita energia e velocidade com muito barulho. Como foi que nunca pensamos nisso antes? Essa foi a pergunta dos amigos que tocavam nas espeluncas de Nova York como o CBGB, que abrigava as bandas podres que mal reuniam 50 ou 100 pessoas a partir de 1973.
Blondie, New York Dolls e Television começaram a criar uma cena em torno das casas rampeiras, atraíram todo tipo de gente marginal, de artistas decadentes a toda a sorte de excluídos, que estavam atraídos por aquela música degenerada e todo o clima deprê e caidaço daquela metrópole em ruínas.
A decadência tinha virado um estilo e muitas bandas estavam ávidas para representar essa decadência. E então quatro moleques pirados e péssimos músicos decidiram virar o jogo.
Tocando muito alto e muito rápido, embalaram toda aquela decadência e negativismo em canções extraordinárias, extraordinariamente simples e toscamente tocadas.
Era saudosismo puro, conservadorismo puro, infantilização pura na idealização de um mundo que fazia mais sentido com a aura dos anos 50 e 60.
Naquele momento, era ginasiano e pueril, mas foi o som que predominou naquela Nova York que ainda respirava a decadência estetizada pelas bandas e artistas caidaços.
Revolução? No máximo, os Ramones esperavam fazer algo diferente e restabelecer algo mais simples e palatável promovendo os saudosos anos de suas juventudes. Só que fizeram isso chutando a porta e dando porrada nos ouvidos de incautos e inocentes. Fazendo isso, revolucionaram a cultura ocidental e criaram o punk rock.
Ok, a violência e a balbúrdia estouraram em Londres, com a transformação da baderna em movimento e com suia politização, mas isso tudo foi possível graças ao quarteto de Nova York que mostrou o caminho.
Todo músico britânico lendário é capaz de se lembrar onde estava quando os Ramones devastaram a Inglaterra em 1976.
Ramones em 1976: da esq. para a dir., Johnny, Tommy, Joey e Dee Dee (FOTO: DIVULGAÇÃO) |
Quase todos dizem que formaram bandas assim que saíram de um show dos americanos por lá - algo como a imensa quantidade de gente que afirmava ter assistido a final da Copa de 1950, no Maracanã, ou ao jogo em que Pelé fez o seu gol mais bonito, na rua Javari, em São Paulo, estádio que comporta apenas 7 mil pessoas...
Entretanto, todos, sem exceção, fazem questão de dizer o que mais marcou na passagem do furacão Ramones: a imponente visão do cantor embrulhado em uma jaqueta de couro e brandindo o microfone como uma lança e extravasando todas as frustrações. Era uma imagem icônica e assombrou o punk rock pela eternidade.
Joey Ramone ainda é, para muitos, a personificação de todo o movimento e a razão de ser para muitas gerações dentro da música pop. Nada mau para um magrelo desengonçado e tímido que mal se destacava os colegas do ginásio.
A consagração de Joey Ramone, no fundo, é a consagração de todos nós que um dia quisemos empunhar microfones e guitarras e ganhar o mundo. Ele conseguiu, e foi a vitória de todos nós.
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