terça-feira, 8 de junho de 2021

Resistência e perseverança, as marcas dos 35 anos do Golpe de Estado

 Marcelo Moreira

Quando o guitarrista Wander Taffo morreu, em 2008, o amigo Hélcio Aguirra era um nome gigante do rock nacional em busca de um caminho com o seu Golpe de Estado, uma baixa na época. No velório, comentou com o amigo Andria Busic, do Dr. Sin: "Uma parte do rock brasileiro morreu hoje com o Wander."

Seis anos depois, foi a vez de Andria repetir a mesma frase, só que colocando o guitarrista Hélcio como o personagem: "O rock morreu mais um pouco neste dia", comentou o baixista e vocalista naquela tarde quente de janeiro de 2014 no cemitério de Vila Alpina.

A morte de Aguirra enlutou o rock brasileiro e virou de ponta-cabeça a história do Golpe de Estado, que pouco tempo depois encerraria as atividades, mas por pouco tempo. 

O guitarrista do Golpe de Estado não criou esteve na gênese da banda, mas a representava como se fosse sua. Personificou-a como poucos músicos o fizeram em uma banda, e por isso seu legado é imenso nos 35 anos que marcam o surgimento do mais injustiçado grupo de rock no Brasil.



São 35 anos de glórias e uma história grandiosa recheadas por imensas dificuldades e uma falta de reconhecimento atroz. Rock pesado? Letras capciosas, inteligentes e sagazes? Não queremos isso, diziam os executivos mordazes e sabichões. 

Por que não fazem como os Paralamas do Sucesso ou o RPM? Para que misturar amor com ecologia e política, como no megahit "Caso Sério"? Por que não brincar como os Mamonas Assassinas ou o Ultraje a Rigor? Por que não sacanear como os Raimundos?

Por que não, diria simplesmente o vocalista Catalau, só superado por Cazuza como frontman de rock e estrela máxima de um gênero que acelerava a mil. 

O Golpe de Estado era rock, era pesado, era intenso, era inteligente e era sacana. E era incontrolável, o que assustava os homens que tinham dinheiro e que mandavam.

Catalau, que anos depois se tornou o pastor evangélico André Marechal da igreja no litoral norte de São Paulo e depois nos Estados Unidos, sempre dizia que o Golpe de Estado era mais do que aquele rock nacional domesticado e que perdia força no começo dos anos 90. 

A intensidade com que a banda acelerava incomodava e assustava. E então o s Titãs ficaram com a pecha de grande banda de hard rock da época embalados pela porrada em forma de LP "Cabeça Dinossauro".

O baixista Nelson Brito e o baterista Paulo Zinner, que se dividia entre o Golpe e a banda de Rita Lee, tocavam com o guitarrista André Christóvam no mítico Fickle Pickle, que fazia um hard blues sujo e violento.

Enquanto o guitarrista mergulhava no blues puro em sua carreira solo, a banda tentou continuar em 1985 com Catalau os vocais e uma série de pretendentes ao cargo de guitarrista. Catalau ficou pouco tempo, mas voltou quando soube que Hélcio Aguirra, do Harppia, tinha se juntado a Brito e Zinner. No comecinho de 1986 eles já eram o Golpe de Estado. 

Formação atual do Golpe de Estado (FOTO: DIVULGAÇÃO)


Ninguém imaginava que uma banda de rock pesado e escrachada (até certo ponto) pudesse ser a vanguarda do underground do rock nacional que flertava com o sucesso. 

As guitarras poderosas as letras espirituosas chamaram a atenção de uma gravadora  importante, a Eldorado, que lançou os quatro primeiros discos até o comecinho dos anos 90, que venderam razoavelmente bem e colocaram a banda nas emissoras de rádio. Foi o auge, e nunca mais sentiriam aquele gostinho de quase estourarem.

Com a nova década, vieram novos desafios e novas reivindicações, Inconformados com a falta de reconhecimento e com a retração do mercado para o som que faziam, tentaram seguir com algumas mudanças estilísticas que deram alguma sobrevida, mas não renderam. 

Aproximaram-se da MPB e ro rock mais comercial com "Zumbi", em 1994, mas o disco não convenceu, o que implodiu a banda. Catalau saiu, para voltar brevemente em 1998 e sai de novo, vocalistas vieram e não ficaram, e o Golpe ameaçava virar uma relíquia do passado no novo século.

Cada um tentava fazer o que dava dentro e fora da banda, e o Golpe capengou sem muita repercussão com Kiko Muller nos vocais. Ele gravaria "Pra Poder", de 2004, e sairia junto com Paulo Zinner em 2008. Parecia o fim, mas Brito e Aguirra eram teimosos e persistentes.

Demorou quase dois anos, mas o Golpe de Estado, que parecia morto, ressuscitou em 2010 com Dino Linardi nos vocais e Robby Pontes na bateria. Era uma época difícil, mas os shows começaram a voltar em bom número e um crescente interesse pelo grupo acendeu as chamas da esperança.

Hélcio, que tinha se tornado um renomado especialista em amplificadores, dando consultoria e até mesmo fabricando algumas peças, viu a nova oportunidade e colocou todo mundo no estúdio.

"Direto do Fronte", de 2012, foi o melhor disco da banda sem Catalau nos vocais e parecia ter resgatado a gana de fazer hard rock bem feito e inimitável, com músicas mito boas e letras bem sacadas. 

O Golpe estava voltando a ser grande de novo, com agenda chia de shows e nome garantido bons festivais. Mas, como quase tudo na carreira do grupo ficou no quase, a mote de Hélcio acabou com tudo. 

Nelson Brito, o único fundador remanescente, decidiu terminar com a festa em 2015 em show importante e comemorativo em uma virada cultural da capital paulista. 

Pouco mais de um ano se passou e Rogério Fernandes, cantor do Carro Bomba, tanto perturbou Nelson que ele topou reorganizar o Golpe de Estado, agora com Marcello Schevano nas guitarras e o próprio Fernandes nos vocais, além de Pontes na bateria.

Era uma solução provisória, mas deu tão certo que o quarteto foi levando até quando o vocalista pudesse ter vida dupla nos vocais e conciliar suas outras atividades. 

Na segunda ressurreição, o interesse voltou e a agenda voltou a ficar cheia, tanto que rendeu uma turnê mágica que contou com a participação de Catalau em várias datas. A primeira redeu o disco duplo e DVD "Ao Vivo 30 anos", que apresentou o novo vocalista, João Luiz (ex-King Bird e Patrulha do Espaço).

Sob a batuta da TC7 produções, o Golpe vivia o seu melhor momento nos palcos desde 1995 quando veio a pandemia de covid-19 em março de 2020.

O último show, em São Bernardo, em março de 2020 (FOTO: MARCELO MOREIRA)

O quarteto estava no palco do parque Salvador Arena, em São Bernardo do Campo (ABC Paulista) e parecia desconfiar que as medidas de restrição comercial e isolamento social, que começariam no dia seguinte à aquele domingo, 15 de março, seria a última oportunidade em muito tempo para fazer rock dos bons. E então detonou ma apresentação memorável.

As comemorações dos 35 anos de carreira foram interrompidas, assim como os planos de novo álbum. Sempre militando no underground, músicos e equipe de apoio penaram com a falta de trabalho na pandemia, mas Nelson garante que gás para no, no mínimo, mais 20 anos. É o que esperamos para uma banda que é mais do que necessária para o rock nacional, ainda mais em tempos de rock em baixa e mercado fonográfico destroçado.

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