quarta-feira, 28 de julho de 2021

A escolha pela morte em tempos de pandemia

 Marcelo Moreira


Há comemoração no ar, daqueles que evidenciam o desespero de quem não acredita que realmente está acontecendo e que a qualquer momento tudo pode mudar e retroceder. As mesas na calçada expõem a angústia e a esperança: será que vai dar certo?

O afrouxamento irresponsável nas regras de distanciamento e isolamento social no Estado de São Paulo são o péssimo sinal de que o mundo parece estar voltando ao normal, com público nos estádios de futebol e em shows de música. Uma irresponsabilidade assassina e insana.

Na redes sociais, artistas de todos os naipes comemoram o "chopinho" regado a rock, mesmo que seja um violeiro fuleiro igualmente irresponsável tocando mal as piores coisas que o pop rock produziu.

O desrespeito é tamanho que o celerado que está prestes a tocar qualquer lixo para seres execráveis nas mesas incapazes de esperar a pandemia passar não tem vergonha de desdenhar do casal que usa máscara e do tonto que veste a camisa a favor da vacina, mas promove aglomeração em bares.

São 1,5 mil mortes diárias por covid-19, em um  impressionante total de 550 mil mortes em 16 meses, algo que nem a II Guerra Mundial proporcionou à Inglaterra, que combateu as tropas de Hitler. Nem isso é capaz de demover os lixos humanos que não dispensam um boteco asqueroso para tomar cerveja ou uma festa clandestina coalhada de vagabundos flertando com o vírus.

É revoltante ver amigos músicos nas redes sociais comemorando a volta da "vida normal", ainda que "revestida de todos os protocolos de segurança sanitária necessários". 

Não bastam os relatos de gente que perdeu um ou mais parentes para a covid-19. Mesmo os antibolsonaristas se rendem à burrice e saúdam a possibilidade de tocar para meia dúzia de irresponsáveis em um moquifo qualquer. Para essa nojenta, é a volta da "liberdade" e o fim da "ditadura sanitária que destruiu o país".

O vírus não foi vencido e nem será neste país infeliz em que a vacinação não chega a 20% da população e onde as autoridades corruptas e asquerosas abrem mão da decência e flexibilizam as regras restritivas a favor da disseminação do vírus.

Não há desespero que justifique o estímulo à morte. Se sobreviemos até agora em shows e espetáculos diversos, poderemos ficam mais algum tempo sem isso. 

Profissionais das artes e da cultura precisam trabalhar? Sim, como todos os seres humanos adultos de outros segmentos econômicos. O que não significa expor o mundo ainda mais à devastação do vírus. Quanto mais a irresponsabilidade perdurar, por mais tempo o vírus vai devastar.

Esqueçam as imagens inebriantes de shows de rock lotados na Holanda, na Austrália ou no Reino Unido. Essas liberalidades cobraram de novo o preço com aumentos consideráveis de infecções e mortes nestes países e na Europa, provocando recuos e novas restrições e proibições, cada vez mais necessárias.

Esse é o preço da irresponsabilidade de populações inteiras: nunca mais haver sessões de teatro, cinema ou shows de rock. Se esse for o preço pra que a vida seja preservada e protegida, que assim seja, jogando na cara dos que se recusaram a cumprir as medidas de isolamento social e que desdenharam da vacinação o fato de que podemos perfeitamente viver sem espetáculos.

São poucos os artistas que estão se posicionando de forma sensata a respeito do que está em jogo e das dificuldades sanitárias que ainda enfrentamos. 

Fernanda Lira, baixista e vocalista da banda Crypta, nome em ascensão do rock brasileiro, foi uma das poucas que se manifestou a favor da vida, e no momento em que recebia a primeira dose da vacina. Ela foi certeira na mensagem que deixou nas redes sociais:

"Vai demorar muuuuitos meses ainda pras coisas voltarem ao normal e se ngm se cuidar, talvez a pandemia volte com força e pare tudo de novo, então DURANTE OS PRÓXIMOS MESES APÓS A VACINA, CONTINUE COM TODOS OS CUIDADOS: evite aglomerações, cumpra o distanciamento social e use as máscaras corretas (Pff2 e N95). Contar com máscara de pano e cirúrgica e álcool em gel somente não são as maneiras mais efetivas de conter o vírus.

ESSE ANO AINDA NÃO É HORA DE SHOW, BARZINHO, BALADA, FESTA, TENHAM NOÇÃO PELO AMOR DE DEUS E RESPEITO A QUEM MORREU OU AINDA PODE MORRER DESSA PORRA.

Feliz, mas com o coração apertado de saber que se os governos ao redor do mundo tratassem com seriedade e firmeza a vacinação e se não tivéssemos chegado nesse fundo do poço moral, onde as pessoas não tem o mínimo de respeito pela vida do outro e só pensam nelas mesmas, milhões de vidas poderiam ser salvas."


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