sábado, 10 de julho de 2021

Bon Scott, 75 anos: a voz incomparável do AC/DC

Marcelo Moreira




O AC/DC provou que poderia seguir sem Bon Scott em 1980, quando o vocalista morreu, em 19 de fevereiro de 1980. Mas será que teria chegado aonde chegou sem o carismático e brincalhão cachaceiro como o homem de frente em meados dos anos 70? 

Em variados graus de ênfase, os principais biógrafos afirmam que ele foi fundamental para a ascensão da banda em seus primórdios, ao lado dos guitarristas Angus e Malcolm Young.

Bon Scott morreu há 41 anos e, se estivesse vivo faria 75 anos neste mês de julho. Sua trajetória foi tão marcante que suscitou a criação de sociedades que reverenciam seu nome e grupos diversos nas redes sociais que debatem sobre tudo o que se refere ao artista.

Cantor e baterista frustrado nos anos 60, operário da construção civil, pescador e motorista na primeira metade dos anos 70, Bon teve de se virar para conseguir alguma grana e manter, ainda que por algum tempo, a chama do rock. 

 O Fraternity foi uma das opções, mas não durou o suficiente, e nem rendia o que ele conseguia com sua banda de covers lá nos anos 60. Entrou e saiu de vários grupos fracassados, até que dirigiu a van de um grupo de moleques fedorentos e mal encarados em Melbourne.

O cantor deles não era lá essas coisas, e já estava atritado com com todo mundo – era Dave Evans, que gravou apenas um single. Bom Scott não achou muito interessante o que viu, nem ficou impressionado, mas reconheceu que os caras tinham atitude, eram selvagens no palco e bons de briga. 

Fez questão de manter contato com aquele tal de AC/DC, e dirigiu a van deles mais algumas vezes. A saída de Evans era uma questão de tempo, e algum tempo depois alguém avisou Bon que o AC/DC estava sem cantor.

Sem muita animação, Scott, bem mais velho do que os então moleques, fez um teste, mas o entrosamento foi tal que logo o ex-velho astro de segunda categoria do rock australiano se sentiu em casa, em especial em relação à bebedeira e à putaria promovida pelo então nascente furacão. 

Com suas letras sacanas e sarcásticas, e sua voz cortante de serra elétrica, Scott se tornou, em pouco tempo, um dos mais fascinantes personagens do rock, e foi tão importante para a consolidação do AC/DC e seu sucesso quanto os irmãos guitarristas Young.

Bon morreu em Londres em fevereiro de 1980, após uma das constantes bebedeiras intermináveis nas frias noites inglesas. Para muita gente, foi o fim de uma era em que o rock era mais espontâneo, intenso, descontraído e sacana. 

Foi um ano difícil para a música pesada, já que em setembro daquele ano o Led Zeppelin perdia o baterista John Bonham, o que causou o fim do grupo três meses depois. Ele e Scott, curiosamente, pertenciam à mesma espécie de astro pop – geniais, beberrões e sem limites, mas de uma generosidade quase inacreditável.

De certa forma, suas mortes acabaram com um período rico e esfuziante do rock pesado, praticamente terminando uma fileira de mortes de astros de todos os calibres – Gary Thain (Uriah Heep), Tommy Bolin (Deep Purple), Paul Kossoff (Free), Marc Bolan, Steve Gaines (Lynyrd SkynyrdO e muitos outros.

Livro traz novidades sobre a morte de Scott

Um jornalista obcecado persistente; dois supostos segredos à beira de serem desvendados; e dois vilões perfeitos para o momento – na verdade, para sempre. E eis que temos um quase romance de investigação envolvendo um dos maiores cantores da história do rock. 

O inglês Jesse Fink é um profissional corajoso, meticuloso e dedicado. Fascinado por pesquisa jornalística e investigação, tem outras duas paixões: o AC/DC e espezinhar os irmãos guitarristas Angus e Malcolm Young (e o irmão mais velho, George, produtor e mentor da dupla).

A paixão pelo grupo australiano se transformou em quase um objetivo de vida para Fink, o que o levou a pesquisar muito sobre o quinteto, e, infelizmente para muitos fãs e para os membros da família Young, a não gostar nem um pouco do que descobriu. 

Decidiu escrever sobre o AC/DC e revelar o que chama as "verdades ocultas" e o mundo nem tão maravilhoso da locomotiva do hard rock. 

"Bon – A Última Highway" (Ed. Benvirá) é um trabalho de fôlego, que consumiu três anos de pesquisas e inúmeras viagens pelos Estados Unidos, Europa e Austrália.

É também uma obra audaciosa e complicada: pretende reavaliar os últimos 32 meses de vida do vocalista Bon Scott, morto em fevereiro de 1980, e desvendar os pontos obscuros a respeito de sua morte. 

Mais ainda: tenta provar que o cantor é o autor das letras do álbum "Back in Black", lançado quatro meses de sua morte, embora não tenha sido creditado por isso. Já adianto: Fink "fracasssa" nas duas tentativas. 

Conseguiu apenas elaborar duas intrincadas teorias sem que tivesse tido a intenção de apontar culpados. Apesar de ser inconclusivo, o livro faz muito barulho e traz uma fartura de novas informações, indícios e questionamentos.

O jornalista inglês também é autor de "Os Youngs – Os Irmãos que Criaram o AC/DC", lançado no Brasil em 2015 – o autor é casado com uma paulista e se divide entre Sydney, na Austrália, e São Paulo.

Neste livro, a ideia era fazer um relato biográfico da banda, mas focando no processo que culminou na criação do AC/DC e na maneira como os irmãos conduziram tudo até finalmente transformarem o "evento" em um dos maiores grupos de rock de todos os tempos.




Por que Scott morreu?  

A questão, no entanto, é que Fink, fã da banda, decidiu não aliviar e contar muitos podres, misturando informação e opinião, traçando um retrato nada lisonjeiro da dupla de guitarristas e de seu irmão mais velho e mentor. 

Mesquinhos, autoritários, paranoicos e nenhum pouco amistosos são alguns dos adjetivos mais leves usados pelo autor. 

Em sua obsessão editorial pelo AC/DC, o novo trabalho de Fink tem por objetivo provar que Bon Scott, depois de morto, foi injustiçado ao não ter sido credito como coautor das dez músicas de "Back in Black" – todas de autoria, oficialmente, de Angus, Malcolm e Brian Johnson, o substituto de Bon.

Desde o livro anterior, Fink questiona as alegações oficiais para a causa da morte de Scott – intoxicação alcoólica ocorrida na madrugada de 19 de fevereiro de 1980, quando foi encontrado morto dentro de um Renault 5 no bairro de East Dulwich, em Londres. 

A história oficial: Bon ligou para a amiga Margareth "Silver" Smith (viciada em heroína) para sair e tomar umas. Ela recusou e sugeriu que ligasse para o amigo Alistair Kinnear (outro viciado). Bon topou e os dois saíram pela noite. Foram parar no bar The Music Machine para assistir a um show punk.

Como sempre, completamente embriagado, apesar de sua extrema tolerância ao álcool, o vocalista do AC/DC se divertiu bastante, mas começou a baquear. 

Kinnear e uma amiga, Zena Kakoulla, não perceberam de imediato e decidiram ir para outro lugar com Bon. No carro de Kinnear, Bon apagou. Não era a primeira vez que isso acontecia. 

Kinnear e Zena, chapados de heroína, chegaram ao apartamento de Kinnear, mas não conseguiram carregar Bon para cima. 

Deixaram ele no banco de trás e o cobriram com um cobertor por conta da noite fira. No dia seguinte, Kinnear encontrou Bon sem respiração e o levou para o hospital, onde foi declarado morto.

Jesse Fink questiona essa versão. Conversando com muitos personagens, muitos deles pouco conhecidos, buscou indícios de que Bon Scott também era usuário de heroína – uma overdose da droga seria a causa verdadeira da morte. 

Devido à demora em levar o corpo para o hospital, os sinais de overdose teriam sumido, fato que seria bastante conveniente para, eventualmente, livrar de culpa Kinnear e Zena e outros amigos viciados de Bon, como o baixista Pete Way e o guitarrista Paul Chapman, ambos da banda UFO.

O autor não pretende estabelecer culpas, mas alega que quis encontrar a verdade. No meio de tudo, sobra os irmãos Young, que seriam insensíveis ao alcoolismo e vício de Bon. 

Diz que sempre foram distantes do vocalista e que havia um clima muito tenso entre ele e Malcolm em 1979 – o livro traz declarações de que Bon pensava seriamente em sair do AC/DC no final de 1980, além de recolher indícios de que os irmãos cogitavam se livrar do cantor por conta dos recorrentes excessos alcoólicos dele. 

O fato é que Fink conseguiu, ao menos, traçar um quadro triste e tenso sobre os últimos meses do AC/DC com Bon – e mostrar a vida vazia, de certa forma, e solitária do vocalista na estrada e em Londres, o que indicaria que, além do álcool, a heroína também fez parte de seus últimos momentos. 

Se há fartura de indícios e depoimentos que mostram algo novo – o uso de heroína -, o livro tem menos sucesso ao tentar estabelecer que as letras de "Back in Black" são de Bon Scott.

Fink entrevistou muita gente, colheu informações relevantes com namoradas, anates, roadies, ex-roadies, amigos próximos e músicos, mas ainda assim não foi possível cravar que Scott foi injustiçado. 

O trabalho monumental de Fink, com toda a sua obsessão, sua má vontade para com os Youngs e eventuais furos nas teses conspiratórias que levantou, ao lado do livro "Os Youngs", é de longe a melhor coisa que já se produziu sobre a história do AC/DC.

Escritores importantes como Mick Wall contaram bem a história da banda, mas Fink foi além, fazendo uma pesquisa meticulosa e bem feita, misturando informação, opinião e interpretação, compondo um quadro diferente e menos laudatório da banda.

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