quinta-feira, 1 de julho de 2021

Legião Urbana: devemos comemorar a decisão em favor de Dado e Bonfá

Marcelo Moreira




A vitória de Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá na Justiça é um marco na história do rock nacional e deve ser comemorada por todos os artistas, mas traz em seu bojo uma grande lição: é o tipo de batalha jurídica em que todos perdem.

Questiúnculas judiciais, leis obsoletas e juízes despreparados e sem a menor empatia e conhecimento básico temperaram a disputa entre o voraz Giuliano Manfredini, herdeiro do legado de Renato Russo (morto em 1996) e os outros dois remanescentes da Legião Urbana.

Aproveitando-se de uma legislação dúbia e interpretativa, e de uma decisão prática tomada em comum acordo entre os três músicos em 1988, o filho do vocalista tentou tomar posse de uma marca e de músicas que pertencem aos ex-integrantes vivos e mortos. 

Querer proibir Dado e Bonfá de tocar sob o nome Legião Urbana e de tocar as músicas da banda é mais do que um oportunismo barato: esbarra na simples má fé e invade o mercantilismo puro.

A questão é tão controversa que a decisão, dentro da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)oi por 3 a 2 a favor dos músicos. Nem mesmo essa lata corte conseguiu pacificar a situação, dividindo-se na interpretação da lei nos argumentos.

Para facilitar o controle do catálogo e dos direitos autorais. Renato, Dado e Bonfá foram aconselhados por um contador a abrirem empresas individuais, como pessoas jurídicas, seja por questões contábeis, seja por questões fiscais. 

O problema é as três empresas não podiam "dividir" o bolo, já que a lei facultava que os diretos autorais a respeito do nome da banda só poderia estar em nome de uma única empresa ou pessoa. 

Em comum acordo, os três decidiram que a empresa de Renato Russo ficaria responsável por essa parte e "dona da marca. A morte precoce de Renato precipitou a batalha jurídica desde sempre, com muita gente e muitos advogados de olho em um espólio valioso. 

Giuliano Manfredini desconsiderou o acordo de cavalheiros e os direitos dos "antigos" sícios e decidiu que ele seria o único gestor do espólio, da marca e do catálogo. E danem-se os coautores e companheiros de banda. 

Como se viu desde o começo da baralha judicial, há gente de toga que concorda com esse tipo de atitude desonrosa que beira a vilania, interpretando que a fria letra da lei daria a vitória ao filho de Renato Russo, ignorando completamente o contexto e os verdadeiros direitos de ex-companheiros de banda e coautores. 

De acordo com Dado Villa-Lobos, a decisão de rever o direito de usar o nome no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) teve de ocorrer. Foi aí que a empresa registrada pelo então vocalista, Renato Russo, chamada de Legião Urbana Produções Artísticas Ltda, se tornou a responsável legal pela marca Legião Urbana. Todos os lucros eram divididos igualmente entre os integrantes, mas a banda ficou oficialmente registrada pelo cantor.

Em 2000, a marca Legião Urbana passou para a empresa herdada pelo filho de Renato Russo, após um pedido de registro ser deferido pelo INPI. Mais de dez anos depois, Dado e Bonfá foram à Justiça pedir o reconhecimento da cotitularidade sobre a marca e a disputa na justiça ocorre até hoje.

Marcelo Godke, advogado especialista em Direito Empresarial e Societário, professor do Insper e da Faap e sócio do Godke Advogados, explica que o monopólio do uso da marca é de quem registra e que a exceção a essa regra geral é se alguém já utilizava a marca anteriormente. 

"Como os dois músicos já usavam o nome Legião Urbana antes do registro, eu vejo que havia uma chance muito grande de eles conseguirem continuar utilizando essa marca, como de fato o STJ decidiu", disse o advogado.

Mesmo que a outra empresa, que é do filho do Renato Russo, possua o registro e o monopólio, há uma exceção "Neste caso, o monopólio existe em relação a todos os terceiros, com exceção dos dois músicos, pois eles já usavam essa marca e podem continuar utilizando."

Como exemplo factual, o especialista relata um caso do proprietário do Bar do Xuxa, no Rio de Janeiro. A apresentadora Xuxa, após registrar oficialmente seu apelido, entrou com uma ação para que o proprietário retirasse o nome do estabelecimento.

A apresentadora, no entanto, perdeu a causa pelo simples fato de que o Bar do Xuxa já era registrado antes da apresentadora oficializar o seu registro. "Essa é a regra. Quem registrou tem o monopólio da utilização, mas esse monopólio não se aplica a pessoas ou empresas que já utilizavam a marca anteriormente", explica Godke.

A decisão do STJ é vista com alívio pela classe artística e no mercado de patentes e marcas em geral, já que o entendimento do advogado Godke acabou prevalecendo. 

É provável que se torne jurisprudência, ou seja, que norteie futuras disputas judiciais parecidas, o que não quer dizer que nas instâncias inferiores a questão não volte a gerar dúvidas, já que mesmo a corte superior, pelo placar de 3 a 2, mostrou-se dividida e não completamente pacificada a respeito do monopólio do uso de marca, o que pode vir a dar dores de cabeça a quem se vir diante de problemas semelhantes até que o STJ finalmente pacifique a questão.

De qualquer forma, no âmbito artístico, a decisão precisa ser amplamente comemorada. A arte se sobrepôs à mesquinhez e ao capitalismo predatório.

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