sexta-feira, 9 de julho de 2021

Os 70 anos de Rob Halford, a voz suprema do metal

 Marcelo Moreira

Rob Halford (FOTO: DIVULGAÇÃO)


Um dos grandes momentos do álbum "Ressurrection" é o dueto entre Rob Halford e Bruce Dickinson (Iron Maiden) na canção "The One I Love to Hate". Pesadíssimo, o disco era realmente a redenção do então ex-cantor do Judas Priest que iniciava uma carreira solo após integrar as bandas Two e Fight.

Na promoção do álbum, lançado em 2000, em um raro encontro entre os dois cantores, Dickinson insinuou a uma rádio inglesa que gostaria de ser Halford quando perguntado quem era o melhor cantor de heavy metal.

Frequentemente apontado como o melhor em disputa com o falecido Ronnie James Dio, Dickinson fez jus à qualidade do amigo, considerado desde sempre a grande voz do metal desde os anos 70, quando estreou para o Judas.

Cantor extraordinário e de vários recursos, Halford chega aos 70 anos de idade em forma e podendo dizer que sua performance hoje é a mesma de sempre, com a mesma voz de ouro, algo que concorrentes como Ian Gillan (Deep Purple) e Robert Plant (ex-Led Zeppelini) não podem  dizer na atualidade.

Era o único capaz de rivalizar com Freddie Mercury (Queen) e Ian Gillan em termos de potência e alcance vocal - na segunda metade dos anos 70, Dio ainda estava explodindo com o Rainbow e Dickinson ainda era um aspirante a cantor prestes a ingressar no Samson. Também ombreava o estupendo Glenn Hughes (ex-Deep Purple e Black Sabbath) em termos de versatilidade.

Para muitos, Halford é o verdadeiro sinônimo de metal, colocando sua voz em hinos como "Breaking the Law", "The Reaper", "United", "The Green Manalishi", "Diamonds and Rust" e outros que colocaram o Judas Priest no topo. A banda e a sua voz eram a verdadeira essência do heavy metal antes que o subgênero do rock tomasse conta do planeta de forma definitiva na década de 80.

Solícito, gentil, culto e educado, Robert John Arthur Halford nasceu Sutton Coldfield, na região das Midlands, na Inglaterra. Por conta disso, cresceu frequentando shows e lojas de disco das cidades de Birmingham, Wolverhampton e West Bromwich, além de circular pelo bairro de Aston, sede do clube de futebol Aston Villa e local onde moravam todos os integrantes do Balck Sabbath.

Ou seja, a feiosa, esfumaçada e perigosa Birmingham industrial, berço de muitas das mais importantes bandas e astros de rock da história, foi o local ideal para que o jovem aspirante a músico aprendesse tudo o que fosse possível e convivesse, de alguma forma, com os caras que logo em seguida se dariam bem no negócio do rock.

Se não era amigo de caras como Tony Iommi ou Robert Plant no começo dos anos 70, de vez em quando trombava com eles e outros caras importantes na cidade. A maioria sabia, mesmo que por alto, quem era o cantor da banda Hiroshima, que havia passado por tantos e tantos grupos da região.

Por isso ninguém se surpreendeu quando Rob se juntou ao Judas Priest em 1973, substituindo o problemático Al Atkins. 

Os caras já se conheciam,pois a irmã de Halford namorava Ian Hill, o baixista e fundador do Judas. Até o hoje Hill brinca quando fala sobre a entrada do cantor. "Ele estava ali, do meu lado, o tempo todo. Por que ninguém pensou nisso antes?"

Acaso ou pura sorte, o Judas Priest acertou em cheio quando oficializou Rob Halford como seu cantor, um músico promissor, mas inexperiente, que aprendeu com o tempo a conhecer os limites e o alcance de sua voz. E o heavy metal - rock pauleira, na época, ganhou uma de suas vozes definitivas.

Rob demorou a conseguir uma vaga em uma banda consistente, e o Judas ainda demorou mais um pouco pra conseguir o reconhecimento, coisa que chegaria em 1978, com o álbum "Stained Class", que seria seguido pelo ao vivo "Unleashed the East" e o sucesso mastodôntico de "British Steel".

No topo do mundo, o Judas Priest se equiparava aos gigantes do rock pesado nos anos 80, brigando palmo a palmo com Iron Maiden, Black Sabbath, Deep Purple, Kiss e AC/DC, só para citar alguns. Halford era o deus da voz e a figura em quem muitos se espelhavam e idolatravam.

Mesmo com alguns tropeços, como as tentativas de americanização do som da banda a partir dos álbuns "Turbo" e "Ram It Down", o Judas Priest manteve-se no topo e como exemplo de integridade, reforçando tais coisas com a obra-prima "Painkiller", pesadíssimo e cultuado até por quem não nutre simpatias pelo metal.

Era 1990 e parecia que a banda recuperaria o trono, mas Rob Halford tinha outros planos. Terminando a turnê que passou pelo Rock in Rio 2, em 1991, anunciou que estava fora do grupo. Alegava necessidades artísticas, mas não negava que havia desgastes internos nos relacionamentos.

Todo mundo achava que ele trilharia o caminho de Ozzy Osbourne, que ficou maior que o próprio Black Sabbath nos anos 80. Só que no caminho estava bem mais turbulento. O grunge estourou e varreu o metal tradicional e o hard rock farofento e pegou Halford bem no meio do caminho.

Com uma nova banda, o Fight, a coisa começou bem, com um som pesado, moderno e que beirava o industrial. As letras mudaram, mais intimistas e mais bem elaboradas e agressivas. NO entanto, os resultados de vendas e de crítica dos dois álbuns ficaram aquém o esperado,

A colaboração em CD único com Trent Reznor, do Nine Inch Nails foi uma experiência que ele gostou, mas que o afastou do seu tradicional público. O Two, o nome do projeto, era mais eletrônico e muito longe do metal.

Com uma outra onda nova varrendo o mercado, o chamado new metal, restavam poucas opções para o cantor, que não pensou duas vezes. Refugando os boatos de retorno ao Judas, engatou uma carreira solo que recuperava em parte o som orgânico e pesado dos tempos dourados de sua ex-banda.

Com a banda Halford, foram três CDs em que resgatava o metal tradicional, mas com uma timbragem de guitarras que buscava uma modernidade sem experimentalismo. Era metal puro, partindo de onde "Painkiller" havia estacionado.

Diante das evidências mais evidentes possíveis, as pressões para uma reunião com o Judas Priest ficaram insuportáveis e ocorreu o inevitável: Tim Owens, o americano que o substituiu foi dispensado, e a banda aguardaria o tempo que precisasse para que o seu eterno vocalista se desvencilhasse de compromissos, o que só ocorreria em 2004.

Desde então a banda se mostra consolidada e potente, mas sem o mesmo brilho dos bons tempos, acompanhando a tendência dos concorrentes Iron Maiden e Metallica, por exemplo. 

Entretanto, o último álbum, "Firepower", agradou em cheio aos fãs de metal tradicional e surpreendeu porque é muito bom, recuperando em parte o vigor que parecia perdido no disco "Redeemer of Souls".

Rob Halford é uma das caras do heavy metal, que não seria o mesmo sem ele, ou teria de inventar um cantor como ele. Virou padrão de excelência para as vozes do rock, sendo frequentemente comparado, tecnicamente, ao ídolo Freddie Mercury, que não chegou a conhecer.

Fora dos palcos, também virou exemplo ao quebrar tabus ao assumir sua homossexualidade nos anos 90 - condição conhecida por todos que o conheciam desde os anos 70. Houve murmúrios de protesto e queixas de gente mais conservadora, mas que foram soterrados pelas toneladas de solidariedade e apoio. Virou referência de comportamento e de postura para todo o mundo do show business.

Artista raro que consegue sobreviver à fama longe de escândalos ou comportamentos questionáveis, Halford lida bem com a adulação e idolatria. Aprendeu com seus pecados e sua arrogância e reforçou sua imagem blindada de astro gentil e atencioso. É o que podemos observar em duas entrevistas que concedeu a jornalistas brasileiros em abril deste ano e que estão ao final do texto.

Voz suprema do metal, Rob Halford é uma força da natureza que causa admiração em todos os sentidos. Excelência é o adjetivo adequado para a sua trajetória na música. Tem orgulho de ser quem é e de fazer o que faz. 

O jovem que queria ser astro conseguiu mais do isso: (con)fundiu-se com a própria história do rock pesado. O ídolo Freddie Mercury estaria mais do que orgulhoso.

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