Marcelo Moreira
Liberdade e responsabilidade são conceitos incompatíveis com a rebeldia geriátrica que explodiu entre os roqueiros idosos durante a pandemia de covid-19.
O isolamento social, infelizmente, fez muito mal a músicos que um dia, de alguma forma, representaram contestação, ativismo social e engajamento em causas universalmente defensáveis. Hoje não passam de velhos ultrapassados a caminho da irrelevância e distantes da realidade.
Na Inglaterra, Eric Clapton e Van Morrison puxaram o coro contra as medidas de distanciamento em prol da "economia" e contra a aplicação de vacinas. Roger Daltrey (The Who), depois de votar a favor do Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, agora reclama do aumento dos custos para se fazer turnês no continente.
No Brasil, artistas de vários segmentos repudiam as medidas contra a pandemia e pregam abertamente o desrespeito e o descumprimento das regras, seja estimulando as festas clandestinas, seja forçando a barra para a volta irresponsável de shows com público.
Alguns dissimulavam esse comportamento asqueroso, mas outros perderam o puder e vomitam sandices do tipo bolsonarista/terraplanista ao vivo, em emissoras de rádio de TV, como o sumido Marcelo NOva, vocalista do Camisa de Vênus, um negacionista do pior tipo.
Com fala empolada, travestida de suposto intelectualismo e erudição, expeliu em um programa de TV, no Dia Mundial do Rock, uma coleção de lixos em "defesa" do direito de ir e bradando contra todo o tipo de medida de distanciamento social ignorando a existência de uma pandemia como se estivéssemos submetidos a uma ditadura.
Quando um artista à beira dos 70 anos que sempre fez questão de se dizer "polêmico" é incapaz de entender o que se passa ao redor e faz questão de desprezar 540 mil mortos em 16 meses já morreu e esqueceu de deitar. Morre, mas não avisado disso.
Liberdade não combina com irresponsabilidade. O será que um músico decadente e atualmente com pouco público diria a quem perdeu um pai, um filho, um avô para a covid-19 por falta de vacinas de por causa da falta de respeito às normas de combate à doença?
Marcelo Nova (FOTO: REPRODUÇÃO/FACEBOOK) |
Será que 540 mil mortes valeram o "direito de ir e vir" de um músico envelhecido e nostálgico do tempo em que xingava a ditadura militar e falava palavrões no palco?
Será que 540 mil mortes são poucas diante da necessidade de se fazer shows de rock decadente e sem interesse em plena pandemia? Direito de ir vir quando 20 milhões ficaram doentes no Brasil? Liberdade de não usar a máscara e colocar em risco a vida de milhares de pessoas?
Será que envelhecer mal é um direito? Tudo bem jogar a própria biografa no lixo, mas daí a vomitar diatribes que vão contra a realidade e a inteligência?
Será erramos tão feito assim ao apoiar e elogiar trabalhos de artistas como Camisa de Vênus, Ultraje a Rigor, Raimundos e Eric Clapton? Como essa gente conseguiu nos enganar por tanto tempo?
Não é possível que gente como Marcelo Nova possa ter tido a coragem de defender a liberdade individual necessária para combater tempos duros e difíceis e tenha a desfaçatez de torcer e estuprar o conceito de liberdade de ir e vir quando temos uma ameaça devastadora que inclusive o coloca em risco, já que é uma pessoa de quase 70 anos?
É o tipo de rebeldia em hora e local errados, e capaz de erodir carreiras há muito estagnadas. Vai mito além do direito de ser estúpido e de ser insensato. Esbarra no esgoto das fake news e da disseminação mortal de informação lesiva ao interesse público.
Em situações normais, esse tipo de rebeldia geriátrica apenas comprovava o ocaso e o fim de carreiras outrora respeitáveis.
Em tempos de pandemia, rebelar-se contra as recomendações de "fique em casa" e de uso de máscara não passa de birra geriátrica contra o mingau muito quente ou um furo mínimo na pantufa, além de fazer um estrago gigantesco na imagem de agitador ou de vanguardista. Rebeldia geriátrica atual, na verdade, pode ser um sintoma gravíssimo de senilidade artística.
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