Marcelo Moreira
Tocar para quem? Esse é o dilema dos músicos que acharam que a pandemia de covid-19 tinha acabado. Depois de bufarem contra as prolongadas - e necessárias - medias de restrição, que ainda são suficientes, depararam-se com um terreno arrasado e sem muitas alternativas: bares e restaurantes, além de uma outra casa de show, estão com o público aquém do esperado.
Se os botecos de rua, em alguns lugares do Brasil, estão lotados, outros ainda anseiam por algum tipo de presença, com ou sem restrições de distanciamento social, respeitando-se ou não às medidas. Ao contrário do que todo mundo esperava, há uma parcela expressiva do público ainda receoso de sair de casa e enfrentar o vírus nos shows.
Ainda é cedo para constatar se essa "consciência" até então inexistente durante os longos meses de pandemia é mesmo consciente ou se trata apenas de falta de dinheiro ou de hábito.
Aqui e ali despontam alguns shows de rock neste mês dedicado ao gênero musical no Brasil, com capacidade muito reduzida de público a ponto de quase inviabilizar o evento. É um recomeço lento, mas precipitado e desnecessário diante dos 535 mil mortos e a média de diária de 1,5 mil mortos, e tudo isso sob a ameaça de mais uma variante letal, a delta.
A tragédia sanitária parece não comover músicos que rosnam diante de qualquer tipo de restrição mesmo que as taxas de ocupação de UTIs em hospitais estejam altíssimas, assim como as de contaminação e de mortes. Pouco importa se um familiar deste músico passar mal e morrer na fila de um leito hospitalar e de UTI.
A irresponsabilidade é tanta, assim como a falta de empatia e de decência, que músicos de cidades do interior de São Paulo planejam uma rebelião e fazer shows gratuitos em locais públicos em protesto contra as mais do que necessárias medidas de distanciamento social e de fechamento do comércio. É a decisão deliberada de aglomerar e provocar mais internações e mais mortes.
A pandemia está longe de acabar e o rock vai ter de esperar, e ainda por muito e muito tempo. É duro admitir, precisamos de cultura e cada vez mais de música, mas antes disso precisamos estar vivos.
Diante das prioridades, não há como prensar diferente: não precisamos de shows e eventos presenciais ao vivo neste momento.
O desespero de muitos profissionais da área de cultura, gastronomia e entretenimento é compreensível, ainda mais diante de um governo criminoso e nojento que deliberadamente atrasou e coloca obstáculos para o auxílio emergencial na área da cultura.
O governo federal joga contra a classe e o setor, e os governos estadual e municipal deliberadamente atrasa os editais e liberações de verbas, inclusive os de esquerda.
A cultura sempre foi adversária de qualquer governo, mas os artistas imediatistas e os desprovidos de caráter insistem em bradar contra as medidas de isolamento e lockdowns que salvam vidas. São incapazes de enxergar o verdadeiro inimigo e as consequências do que pregam.
Estamos há 16 meses sem música e shows. Está provado que podemos ficar mais de 16 meses sem que sejamos profundamente afetados. Essa verdade incomoda, mas é uma realidade que não pode ser combatida com um simples não ao vírus e invadir os bares para tocar o que quer que seja,
Parte expressiva do público já demonstrou que não vai sair de casa para assistir a alguém tocar violão no bar ou ver uma banda de covers fazer barulho onde quer que seja.
Ainda faltam condições sanitárias e financeiras para que voltemos a algo próximo de uma vida normal, e os empresários já perceberam isso. Não vão contar com música ao vivo por muito tempo.
Governos estaduais, municipais e seus legislativos precisam ser cobrados para que sejam mais ligeiros e decentes na liberação e desembaraço do dinheiro para auxílios emergenciais nas cultura.
Por enquanto, é a única maneira de amenizar o desespero de quem perdeu todo e ficou sem alternativas na pandemia. Brigar contra o vírus e a realidade não só é ridículo, mas muito perigoso.
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