sábado, 30 de abril de 2022

Angústia e muito peso dominam novo álbum conceitual de Fabiano Negri

Saído direto de um pub esfumaçado de Birmingham, a cidade cinzenta da Inglaterra, em uma tarde chuvosa qualquer do inverno de 1970. As referências são as melhores possíveis e o clima está propício, com guitarras lancinantes e angustiantes.

Assim começa "ZebathY", o novo disco do cantor e multi-instrumentista Fabiano Negri, de Campinas (SP), naquele que certamente é o seu melhor trabalho em uma carreira que se aproxima dos 30 anos. 

Para quem aventou a possibilidade de se aposentar em 2020, Negri parece ter recuperado a veia de inspiração à base de peso e guitarras muito distorcida. 

É o seu disco mais pesado, um  mergulho no rock pesado com base no som extraordinário dos anos 70, com uma mistura calibrada de Black Sabbath, Deep Purple, Uriah Heep, Nazareth, um pouquinho de Led Zeppelin e Grand Funk Railroad.

Com tantas referências e passagens diversas, "ZebathY" é um tributo ao rock, certamente, mas ainda mais ao próprio artista. É uma celebração á persistência, á resistência e á certeza de que a música autoral, mesmo autoral, faz todo o sentido em uma época de trevas, quando a defesa do conhecimento e das artes se faz cada vez mais necessária. 

Negri aposta quase em uma agressividade controlada, mas eficiente, com uma timbragem de guitarra inspirada, em parte, no que Tony Iommi ousou fazer em "Sabbath Bloody Sabbath", disco de 1973 que é o quinto da banda. Ouça a ótima "Seven Reasons to Die" para entender as referências e todo climão soturno e a densidade da mensagem e dos arranjos.

O mesmo pode ser dito da pancadas que é "The Pure and the Damned", que se tornou um single perfeito para introduzir o ouvinte no espírito da obra. É um tema mais rápido, que fisga o ouvinte pelo clima angustiante. Serve como apresentação dos personagens da história e mostra uma visão um pouco diferente do bem e do mal - terreno pantanoso e perigoso, no qual Negri se sai bem.

"Seven Reasons to Die" é marcante porque nos transporta a um ambiente onde um Ozzy Osbourne é capaz de pular de repente na sua frente embalado em clima tétrico e soturno, parecendo que as guitarras vão cair em sua cabeça.

O curioso é que "Reborn", o álbum lançado em duas partes a partir de 2020, já indicava essa tendência no trabalho de Negri: guitarras mais insinuantes e pesadas, abraçando um hard rock que lhe era bastante caro. 

Havia, é claro, alguns fantasmas a serem encarados, mas "Reborn", que é muito bom, parecia ser uma prova de que era possível manter a inspiração e a revolta para irrigar um rock visceral e mais agressivo.

Era necessário "renascer", sentir novos ambientes e partir para uma iniciativa mais ousada, como é possível notar em "The Night Stairway", talvez a canção mais acessível, por isso mesmo primeiro single divulgado.

Se toda a embalagem parece ser de heavy metal, Fabiano Negri nos surpreende com o hard pesado de "The Night Stairway" e o rock progressivo misturado a pitadas de jazz em "The Universal Builder", com sua base cheia de progressões musicais e mudanças de ritmo.

"Envy's Lust" evoca o Black Sabbath com Ronnie James Dio, embora falte a profundidade soturna da produção que Martin Birch imprimiu em "Heaven and Hell", clássico de 1980. Claro que não invalida a audição, já que é uma boa música, mas ficou faltando aquele som "grandioso" que a situação pedia.

Como em todo o disco autoproduzido, a produção e seca e mais crua, que valoriza os timbres sem rebuscamento. 

Em tais circunstâncias, está longe de ser um defeito, como é possível desfrutar na excelente "Bloody Dawn", que mantém a pegada da música anterior, mas com soluções em arranjos que não necessitam da tal profundidade. É quase um power metal, com cavalgadas à la Iron Maiden ecos de Diamond Head, a maravilhosa banda britânica do início dos anos 90.

O encerramento do trabalho, que é conceitual, duas boas canções que mantém o peso, mas dão uma desacelerada, embora não se tratem de power ballads. "Princess' Stoned Sleep" é cadenciada e lembra um Deep Purple mais anabolizado, com uma pegada forte de guitarra hard e um baixo preciso e pulsante.

"ZebathY (The Mistress of Darkness)" já envereda pelo lado mais lento e quase baladeiro, ao melhor estilo de Michal Schenker Group e Whitesnake, esbanjando personalidade e acordes pesados e fortes, em uma clima de conclusão forte, mas melancólica. Termina o disco da mesma forma angustiada e claustrofóbica, demolindo certezas, mas tentando apontar caminhos. É bem instigante.

"'ZebathY' narra a história de uma mulher que, desprezada profissionalmente e intelectualmente, perde a vontade de viver", diz Negri. "Humilhada e ridicularizada por uma sociedade patriarcal, ela encontra ajuda para a sua vingança, mas o preço a ser pago pode ser alto demais." 

O artista ainda explica que "o conto de horror serve de disfarce para algumas questões sociais e filosóficas bastante presentes no nosso dia a dia". Essa é uma constante na obra de Fabiano Negri, que é um músico emotivo e que tem boa habilidade em captar as vibrações do momento e fazer boas analogias

O álbum foi gravado no estúdio Sonic Paw e contou com produção de Fabiano Negrie de Ric Parma, que cuidou da mixagem e da masterização. A gravação ficou a cargo de Fabiano, que registrou vocal, guitarra e bateria, e de Ric Parma no baixo. A arte da capa é de Wagner Galesco.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Kiss no Brasil: carisma na estrada final

 


A turnê de despedida do Kiss, “End of the Road World Tour”, chega ao Brasil. É a derradeira oportunidade de presenciar ao vivo uma das mais bombásticas apresentações musicais da história. 

Uma afirmação sustentada também pelo seu pioneirismo, pois desde a primeira metade dos anos 1970, a banda inseriu pirotecnia e números circenses aos seus shows. Qual outra banda trazia um dos membros cuspindo fogo pela boca?

E um ingrediente inédito e exclusivo era o uso de máscaras e fantasias, não apenas para adicionar um visual diferente nos palcos. A motivação da criação de personagens ia além. 

Quem conheceu o Kiss antes de 1983, vivenciou a idolatria de personas - termo que hoje virou até conceito de marketing (o que vislumbra a genialidade do talento mercadológico de Gene Simmons, um dos líderes do Kiss). 

Na primeira década (ou pouco mais), ninguém conhecia as reais faces dos músicos do Kiss. Simmons, Paul Stanley, Ace Frehley e Peter Criss ostentavam representações, aquelas figuras que víamos nos palcos e nas aparições públicas oficiais. Mas, como eram eles na verdade? 

Logo surgiu até a mitificação desses “heróis”, processo devidamente apoiado por materiais promocionais criados por Simmons, de objetos de decoração a histórias em quadrinhos e até um filme, passando pelas capas dos discos. Havia até quem apostasse que diferentes músicos subiam aos palcos, incógnitos atrás de pesadas maquiagens.

Quando o Kiss veio pela primeira vez ao Brasil, tardiamente, em 1983, o mito dos músicos mascarados estava próximo ao fim. Mas, ninguém ainda sabia. 

Os felizardos que lotaram os maiores estádios do Brasil – o que só outra banda de rock, o Queen, havia feito – presenciaram o gosto de assistir a essas personas cujos rostos ninguém conhecia.

Restavam ainda resquícios do rock’n’roll rebelde das décadas anteriores, inadvertidamente recriados pelos religiosos fanáticos que distribuíam panfletos contra as apresentações dos supostos "Kids In Service of Satan". 

Toda essa energia extrapalco explodiu nos shows, tão forte quanto os tiros de canhão da bateria em forma de tanque do então baterista Eric Carr. Poucos meses depois, o Kiss apareceria publicamente sem máscaras. Mereceu até chamada de destaque no programa Fantástico, que exibiu em primeira mão os músicos com a cara limpa no clipe de "Lick It Up".

O Kiss retornaria ao Brasil para outras apresentações, com e sem máscaras. Sempre com lotação total e o melhor da parafernália que sempre identificou a banda. Por isso, seu público não se restringe apenas aos fãs. 

Muitos curiosos, que sequer conhecem mais do que uma ou duas músicas do Kiss, vão aos estádios para ver o lado pirotécnico. 

Os seguidores fiéis torcem o nariz, mas não há do que reclamar. Tudo faz parte do carisma inigualável do Kiss, como já apontava a música com esse nome lançada no álbum "Dynasty". O Kiss se despede dos palcos, mas não do imaginário da cultura pop deste e do século passado.    

Notas roqueiras: Malvada com o Kiss, mimimi do Camisa de Vênus, Ratos de Porão de graça...

 - Depois de uma participação confirmada no Rock in Rio com apenas dois anos de trajetória, a banda Malvada anuncia mais uma conquista: vai se apresentar em um camarote no Allianz Parque, no dia 30 de abril, como esquenta para  show do Kiss no mesmo local. O quarteto feminino ainda promove o disco "A Noite Vai Ferver" e, certamente, é a banda perfeita para esse evento pré-show, que está marcado para as 17h. Essa deve ser a última turnê da carreira do Kiss, pelo menos com a participação o guitarrista e vocalista Paul Stanley e do baixista e vocalista Gene Simmons.

- Na falta de novidades, a banda Camisa de Vênus decidiu polemizar mas redes sociais ao reclamar de não ter sido entrevistada ao final de seu show no festival Rock Brasil 40 Anos, no Rio de Janeiro, no último final de semana. Ao final de cada apresentação, algumas bandas foram entrevistadas por Charles Gavin (ex-Titãs) pelo Canal Brasil, vinculado á Rede Globo. Outras não foram, como a Plebe Rude. Foi um critério da produção. Os membro da Plebe Rude não reclamara, mas Marcelo Nova, vocalista do Camisa, resolveu fazer textão ao "reclamar de censura e boicote" - o que é legítimo, diga-se passagem - ele ode reclamar, e o canal pode boicotar: simples assim, não é? O fato é que o negacionista e suposto antivacina (protestou contra a obrigatoriedade de vacinação contra a covid-19 e contra a imposição de medidas de isolamento social) Nova não tem do que chiar, já que há muito tempo deixou de ter algo relevante a dizer. Suas declarações não fizeram falta, como as da Plebe Rude também não - por mais que esta banda, sim, tenha muita coisa a dizer.

- Quem certamente vai soltar o verbo será João Gordo, que cantará com os Ratos de Porão em um minifestival punk-hardcore em São Bernardo do Campo (ABC Paulista) no dia 1º de maio, Dia do Trabalhador. Será a atração principal do festival. Com forte viés político, o trabalho da banda será reforçado ainda mais com o novo disco, que será lançado em breve. "Necropolitica" trará vários temas de protesto, sendo que muitos deles diretamente relacionados aos tempos de trevas em que vivemos e ao nefasto governo protofascista liderado pelo nefasto presidente Jair Bolsonaro. Quem convidou a banda certamente que haverá muita crítica social e muito "Fora, Bolsonarto" em todos os shows, já que a maioria das atrações tem um viés progressista, antifascista e de apoio aos direitos humanos. No entanto, alguns coletivos que organizam shows de rock na região do ABC costumam adotar posturas de neutralidade política e terão trabalho para tentar evitar manifestações ostensivas. Estão escalada as bandas Falange, Santa Muerte, Asfixia Social e Punhos de Mahin. A Chácara Silvestre, local dos shows, fica na avenida Wallace Simonsen, 1.800, no bairro Santa Terezinha. Embora seja ótimo para shows, o local é fora de mão e um pouco afastado do centro da cidade e dos terminais rodoviários. Com quase nenhuma linha de ônibus passando pelo local, sem carro, a caminhada será de pouco mais de dois quilômetros. os shows começam a partir das 11h.

- Chico Science será o tema de um filme biográfico em breve. É o que revela a jornalista Patrícia Kogut, do jornal O Globo.  a obra que contará a história do músico pernambucano e líder da Nação Zumbi será produzida por um serviço de streaming. As primeiras informações dão conta de que os responsáveis pelo roteiro serão Felipe Nepomuceno e Pedro Von Kruger, que também irá assumir a direção. O cineasta é conhecido pelo documentário "Memória em Verde e Rosa" (2017), sobre o morro da Mangueira e origens da escola de samba

segunda-feira, 25 de abril de 2022

'Dark Matter', o novo 'Concerto da Cura' de Edu Gomes e Adriano Grineberg

 A cura está mais perto do que se imagina... Mas ela nunca chega, a julgar elas preocupantes notícias que vêm da China - lockdowns em Pequim e Xangai, além do surgimento de novas variantes do vírus da covid-19. São mais de 6 milhões de mortos desde 2020, 10% deles em território brasileiro. E a cura não chega...

No final de 2020 narramos aqui como a música estava ajudando profissionais da saúde a suportar o estresse e os reveses das batalhas. 

Mas não era somente a música que ouvimos no dia a dia, mas também aquela que que literalmente nos carrega e dá suporte para atravessar as tempestades. São as músicas que, literalmente, curam a alma.

O som da cura está em todos os lugares e nunca foi tão necessário nestes tempos sombrios em que vacinas são acusadas de causar quase todos os males. 

Quem diria que veríamos uma verdadeira guerra da vacina em pleno século XXI, em que precisamos convencer as pessoas da necessidade da prevenção contra epidemias diversas? Como pode a burrice chegar a tal ponto?

A cura está próxima, e pode estar até mesmo dentro da própria cabeça, nas profundezas de nosso cérebro. Que tal ativá-la por um gatilho, uma música serena e cativante?

O guitarrista paulistano Edu Gomes, ao lado conterrâneo Adriano Grineberg, um exímio pianista, enveredaram pela seara espiritual com a série de CDs "Concerto da Cura", em que exploram, uma sonoridade de origem oriental, mas que passeiam por diversos ritmos e sons que vão do tribal ao que se convencionou chamar de new age.

O mais novo produto da série acaba de sair do forno. "Dark Matter" não difere muito dos trabalhos anteriores, com música etérea e com cara de new age, que atinge diretamente todos os sentidos e provoca estímulos sensoriais de todos os tipos.

É o exemplar mais recente e o mais vem acabado, digamos assim, Baseado em mantras e sons climáticos, apresenta um pouco mais de guitarra na condução dos sete longos temas. O resultado é bastante interessante.

É música de alta qualidade que nos ataca diretamente nos sentimentos e nas emoções, em uma terapia musical que está diretamente relacionada à paz.

Não é por acaso que Grineberg é um estudioso profundo da cultura oriental, especialmente a indiana, e um entusiasta da divulgação das mensagens de paz e sabedoria de diversos escritores e filósofos orientais.

Gomes também tem um olhar mais filosófico, digamos assim, em relação a muitos aspectos da música, e faz questão de explorar sentimentos e emoções dos mais diversos em seus trabalhos solo, como "Imo", "Âmago", "Ventura" e "Metamorfose", que são verdadeiras trilhas sonoras de terapias que visam a busca de um entendimento pessoal e de uma incessante busca da sensação de paz e sossego.

"Dark Matter" se diferencia dos álbuns da série por apostar em um viés mais reflexivo, embora não obscuro, como o nome da obra pode induzir o ouvinte. É um instrumental mais sereno, não tão óbvio e nem tão acessível. Requer um pouco mais de atenção além do natural viés sensorial que os mantras carregam.

É o décimo terceiro álbum produzido pela dupla em mais de 20 anos de uma parceria que já transitou pela frequência dos mantras da Índia, Seres dos Oceanos, Florais de Bach entre outras expressões sonoras voltadas ao alinhamento físico, emocional e espiritual. 

Para os dois músicos, o novo disco é um marco por se inspirar nas "manifestações corpóreas de Deus Pai e Mãe em sua magnitude - o Universo expresso em seus movimentos, propriedades e mistério". 

"É uma viagem profunda do imaginário ao concreto, do micro ao macrocosmo e do denso ao sutil por meio dos sons no nosso Espaço-Tempo dimensional", explica Gomes. 

São conceitos filosóficos muito sérios e abarcam uma gama ampla de conhecimentos e conceitos. As sete faixas, segundo os autores, "atuam como portais dimensionais canalizados através da consciência estrelar denominada 'Arcturianos'". 

"O álbum é um convite ao Infinito através da expansão da consciência e harmonização do campo vibracional que vai além da mente e dos sentidos. Assim como a Luz se propaga na escuridão infinita, o Todo se projeta no vazio em ondas sonoras criando a Dança Cósmica com suas emanações luminosas e suas infinitas realidades", escreveu o guitarrista no material de divulgação da obra.

Precisamos da cura, e os concertos da cura são ferramentas ótimas para que atinjamos níveis de expectativa para uma existência diferente daqui para a frente - que possa ser melhor do que a que estamos tendo. "Dark Matter" já está disponível nas principais plataformas digitais.

https://www.youtube.com/watch?v=BNyD22HgnmE

https://www.youtube.com/watch?v=HtqIfQuA3Tw