quinta-feira, 30 de junho de 2022

Beck, Bogert & Appice, o subestimado rock pesado de Jeff Beck, completa 50 anos

 Uma carreira estrelada na Inglaterra que foi abandonada de forma intempestiva para cair no rock pesado nos Estados Unidos. Bem, nem tanto de forma intempestiva, mas o suficiente pra irritar ex-companheiros de banda e empresários.

Jeff Beck ficou essa fama de irascível e turbulento quando resolveu dissolver a primeira encarnação do Jeff Beck Group, formado em 1966 depois que saíra dos Yardbirds. Era banda que tinha "só" Rod Stewart no vocais e Ron Wood no baixo...

E então o guitarrista inglês, provavelmente o melhor da história do rock depois de Jimi Hendrix, cumpriu a promessa de um dia tocar com a "cozinha" do Vanilla Fudge - Tim Bogert (baixo e vocais) e Carmine Appice (bateria), ambos americanos. Surgia, então, há 50 anos, uma das mais subestimadas bandas de rock pesado dos anos 70: Beck, Bogert & Appice. 

Era para ser a terceira formação do Jeff Beck Group, mas as saídas de dois músicos amigos - o vocalista Bob Tench e o tecladista Max Middleton, que eram da formação anterior - mudaram os rumos da história.

A grande questão é que Beck sempre teve pouca paciência, muito tédio e um monte de projetos para realizar. Já era uma estrela dos Tridents entre 1963 e 1964. Era tido como um geniozinho da guitarra e logo ficou amigo de gente importante na indústria do entretenimento de Londres. 

Então é necessária uma certa contextualização da carreira do temperamental guitarrista para entender como ele se metendo no rock pesado.

Gostinho do sucesso

Foi por isso que acabou indicado para substituir Eric Clapton nos Yardbirds por ninguém menos do que Jimmy Page, então músico de estúdio. Os dois eram amigões e viviam enfurnados na casa de Beck tocando por horas seguidas.

Quando Clapton odiou a guinada pop dos Yardbirds com "For Your Love", em 1965, saiu de forma conturbada da banda em direção ao purismo da banda de blues John Mayall's Bluesbreakers.

Todo mundo sabia quem deveria ser o substituto: Jimmy Page, então com 21 anos e um dos mais talentosos músicos de estúdio da época. Só que ele não quis trocar o salário alto e o conforto de não precisar viajar em vans velhas e recusou o convite, mas indicou Beck para o posto.

Foram quase 18 meses de ascensão, aprendizado e muita experiência, além do sucesso almejado e esperado, mas Jeff Beck era difícil de lidar e encrencava com todo mundo na banda, incluindo empresário e assistentes.

Ao contrário o que se supunha, Beck odiou quando o amigão Page aceitou, em 1966, largar o emprego nos estúdios e substituir o baixista Pual Samwell-Smith, mais um cara durão que não aceitava certos direcionamentos musicais e gerenciais. Saiu tretado, mas não brigado.

Beck sabia o que ocorreria em menos de um mês: o outro guitarrista, Chris Dreja, apenas mediano, aceitou trocar de posto com Page, que faria a dupla de guitarras com Beck. Estava instalada a competição interna e a crescente ascensão do experiente Page como líder dos Yardbirds.

Novos ares

Foram pouco mais de  quatro meses de convivência até Jeff Beck ficar doente durante uma excursão pelos Estados Unidos. Já entediado e buscando novos horizontes, Mandou um telegrama para a banda avisando que estava voltando para casa, e os Yardbirds se tornaram um quarteto até o seu fim, dos anos depois.

Curiosamente, em um ensaio non final daquele ano em um estúdio londrino, Beck reencontrou Page e decidiram gravar um tema composto pelo então amigo reconciliado. Um amigo estava de passagem por ali e quis participar da brincadeira. Era Keith Moon, baterista do Who, na época muito amigo de Beck.

Quando Page se preparava para gravar o baixo, Moon interrompeu tudo e fez uma ligação. Em dez minutos John Entwistle, baixista do Who, chegava para dar uma "força". nascia então "Beck's Bolero", que foi incluída no álbum de estreia solo de Beck.

Aventou-se a possibilidade de formar ali nova banda, já que a cozinha do Who estava insatisfeita e queria sair. Entwistle seroa o vocalista, mas tudo não passou de um sonho de músicos bêbados e nada rolou. "Não tinha como aquela banda decolar e fazer sucesso. Seria tão pesada que ficaria no solo, com se fosse um zepelim de chumbo", disse Moon aos amigos e depois numa entrevista. Page guardo o nome ("Led Zeppelin") para usá-lo no futuro.

Page ajudou a formatar o Jeff Beck Group em sua criação e gostou quando Rod Stewart e Ron Wood aceitaram tocar com Beck, assim como o ótimo baterista Mick Waller. Foram dois ótimos discos - "Truth" e "Beck-Ola" até que houvesse crise de ciúmes entre o cantor e o guitarrista. A banda implodiu em 1969.

Foram mais de doze meses para formatar um novo grupo, mas que seria voltado para a música negra americana, com menos rock e mais rhythm & blues, com pitadas de jazz. Entre 1970 e 1972, Bob Tench e Max Middleton foram figuras carimbadas.

Foram dois LPs importantes nesta fase, que acabou quando Beck finalmente viu a possibilidade de trabalhar com Tim Bogert e Carmine Appice, que tocaram juntos no ótimo Vanilla Fudge e no melhor ainda Cactus, sempre com uma sonoridade mais rústica, ríspida e pesada.

Eles já se conheciam desde 1967, quando Beck conheceu o Vanilla Fugde e ficou impressionado com o poder sonoro da banda. Mantiveram contato pelos anos e o guitarrista sempre falava que um dia tocariam juntos.

Som mais pesado

Abandonando a soul music em meados de 1972, Jeff Beck queria soar mais pesado, de olho no sucesso de Led Zeppelin e The Who. Esperava ocupar um espaço que a morte de Hendrix, dois anos antes, tinha deixado.

No começo era a terceira encarnação da banda, com Beck, Bogert, Appice e Middleton, com adição posterior do vocalista Kim Milford. Foi tudo muito rápido: Jeff Beck Group se desmanchava em julho de 1972 e se reagrupava em agosto. Milford só durou seis shows, os de aquecimento pelos Estados Unidos.

Para a miniturnê inglesa, Beck recorreu a Bob Tench. Ainda como Jeff Beck Group, foram 13 shows na terra de Beck até definitivamente o cantor e o tecladista Max Middleton saem da banda. Nasce o trio Beck, Bogert & Appice.

Urgência e potência

Ninguém entendeu muito bem os motivos de Beck querer um som mais "poderoso e violento", e foi isso o que obteve principalmente com Appice. Sua batida vigorosa e seu ritmo frenético encantaram o guitarrista, que acreditava poder oferecer uma alternativa de som pesado a Led Zeppelin e The Who.

O primeiro disco foi rapidamente gravado e chegou ao mercado no comecinho de 1973. Era denso, poderoso e explosivo, embora não conseguisse captar o caos musical dos palcos. 

Tem clássicos como "Superstition", de Stevie Wonder, "I'm SoProud", um rhythm and blues pesado, e um hard rock vigoroso com "Black Cat Moan", uma tentativa meio desastrada de Jeff Beck assumir os vocais principais. "Sweet Sweet Surrender" e "Why Should I Care" injetam bastante adrenalina no rock do trio, mostrando que a união seria bastante promissora.

Com agenda intensa, a banda passou por Inglaterra, Europa continental e explodiu no Japão, onde fizeram concorridos shows em Tóquio. Os empresários não perderam tempo e colocaram um álbum duplo ao vivo no mercado em outubro de 1973, meses depois do lançamento do álbum oficial.

A agenda frenética e os bons resultados não foram suficientes para que Beck mantivesse o foco. Havia uma certa frustração pelo fato de que o peso dos shows não se refletisse no álbum. 

Impaciente, enxergava uma certa estagnação que pretendia imprimir ao trio e esperava um baixo mais no estilo "trovão", como Entwistle fazia no Who. Um erro crasso, já que Tim Bogert nunca foi nem sombra daquele instrumentista, com uma forma diversa de tocar.

O guitarrista negava a perda de interesse, embora fosse meio explícita muitas vezes. Tanto que era o maior incentivador de criação de novas músicas para o segundo disco, que chegou a ser gravado, mas nunca finalizado. Mas reclamava da falta de uma grande turnê pelos Estados Unidos, que nunca era marcada.

Os três abdicaram do Natal e ficaram 15 dias nos estúdios em Los Angeles e em Londres, mas inexplicavelmente não terminaram os trabalhos. 

A última gravação foi a de um show que ocorreu no Rainbow Theatre, na capital inglesa, em 26 de janeiro de 1974, transmitido pela BBC. Era o primeiro show da turnê europeia de primavera.

Os shows foram bons, mas já havia um distanciamento entre os músicos. A cabeça de Beck estava em outras praias, e os rumores de separação surgiram logo depois do final da excursão.

Mergulho no jazz

O guitarrista já se encontrava em tratativas com outros músicos e produtores quando Tim Bogert confirmou em maio que a banda estava inativa e que não sabia se o trio continuaria.

Quando Beck entrou em estúdio sob a batuta do produtor George Martin (o mago dos discos dos Beatles), firmemente decidido a entrar de cabeça no jazz (!!!!), o trio Beck, Bogert & Appice não existia mais, com Carmine Appice e Tim Bogert confirmando a informação em julho.

Trilhando um caminho há muito seguido pelo amigo John McLaughlin, Jeff Beck explodiu como artista solo e desfrutou de muito sucesso os dez anos seguintes, enfileirando álbuns instrumentais de sucesso, como "Blow By Blow", "Wired" e "Live with Jan Hammer Group".

A partir do roqueiro álbum instrumental "Guitar Shop", de 1989, o prestígio do guitarrista só aumentou, enquanto que, em sentido inversamente proporcional, os lançamentos discos foram ficando cada vez mais espaçados.

Carmine Appice enveredou pelo hard rock e pelo heavy metal tocando em diversos projetos e bandas. os mais interessantes e bem-sucedidos foram o King Kobra e o Blue Murder.

Entre idas e vindas do Vanilla Fudge ao longo dos anos 80 e 90, Tim Bogert foi lentamente desacelerando. Teve uma passagem pela banda Bob and the Midnites e tocou com várias outras bandas menores. Morreu no ano passado, aos 76 anos de idade, em consequência de um câncer.


quarta-feira, 29 de junho de 2022

Do fim iminente ao auge da carreira: a reinvenção de Fabiano Negri

Da quase aposentadoria ao melhor momento da carreira, mesmo enfrentando uma pandemia no meio. Nem os mais otimistas dos roteiristas de histórias diversas poderiam imaginar a guinada que a carreira do cantor e multi-instrumentista paulista deu nos últimos três anos.

Aproximando-se dos 25 anos de música no underground, o músico estava cansado da falta de reconhecimento e do esforço dispendido em mais de dez álbuns lançados com a banda Rei Lagarto e na carreira solo. Quanto o melhor era o disco, maior o esforço de divulgação sem grandes resultados.

Já tinha tomado a decisão em 2019 de ficar apenas com a bem recomendada escola de música que mantém em Campinas (SP) e pretendia dar por encerrada  carreira fonográfica quando recebeu a proposta de criar mais uma obra pelo selo americano Big Can.

"Reborn", dividido em dois EPs com cinco músicas cada, representou não só o renascimento do músico Fabiano Negri como o pontapé para aquele veio a ser o seu mais importante e melhor trabalho, ZebathY", lançado neste ano.

Apesar de ser um aficionado pelo subgênero, foi a primeira incursão dele no heavy metal. O mais recente videoclipe do artista, retirado do disco novo, é um mergulho no metal e uma declaração de amor ao rock em todos os sentidos.

"Princess' Stoned Sleep" é um dos pontos altos do álbum conceitual. "Minha ideia inicial era fazer um álbum que buscasse a sonoridade dos primórdios do metal, lago que sempre fascinou."

O álbum é conceitual e trata do preconceito velado, que ele veio identificando durante os últimos anos contra as mulheres no ambiente do rock e logicamente do heavy metal, em especial nas redes sociais. 

"Percebo desde o simples ‘não gosto de bandas com vocal feminino’ até o escracho, uma combinação de sexismo, machismo e misoginia. O desrespeito é total", identifica ele. 

Assim, a história gira em torno de uma mulher que teve a vida destruída por conta dos preconceitos, entregando-se a vícios e padecendo com a depressão. Porém, tudo sofre uma reviravolta quando uma entidade oferece um acordo de vingança contra quem causou-lhe tanto mal."

"Princess' Stoned Sleep" narra a transformação da personagem principal de "ZebathY", sendo o momento em que ela é cobrada pela entidade que a ajudou na sua vingança. 

Sua abordagem mais psicodélica ilustra seu sonho destruído. "Na concepção do instrumental eu pensei num encontro entre Black Sabbath e o som lisérgico de San Francisco, no Estados Unidos, e acabou se tornando em uma faixa bastante diferente dentro do álbum."

As gravações foram feitas numa sala da escola de música de Fabiano Negri, a Cultura Pop, e foi dirigido por Flávio Carnielli, ganhador de vários prêmios por conta de curtas metragens de terror. Já a edição é de Ian Pinheiro, músico que é filho de Fabiano - e que fez os backing vocals da faixa. A atriz Helena Oliveira interpretou a personagem principal. 

"Cheguei a escrever músicas para dois dos trabalhos de Carnielli - 'Eternidade' e 'Boneca'. O cara é um mestre! Foi muito bom conseguir tê-lo junto comigo nesse projeto, pois ele realmente conhece como poucos a linguagem do tipo de terror que eu queria. É um vídeo simples, honesto, porém fortíssimo", conclui o cantor.

"ZebathY" tem, oito faixas e as guitarras e todos os vocais foram gravados por Negri, assim como a bateria. O baixo esteve a cargo de Ric Parma.  
 

  https://youtu.be/E_qpcCDCw

terça-feira, 28 de junho de 2022

Metal finlandês estreita as relações com o Brasil e a América Latina

Na semana em que o metal finlandês foi celebrado no Brasil com a exibição do filme "A Heavy Metal Civilization" no In-Edit - Festival Internacional do documentário Musical -, uma iniciativa do governo daquele país voltada para a América Latina é anunciada com toda a pompa, reforçando caráter cultural evidenciado no filme das diretoras brasileiras Crstina Ornellas e Maila-Kaarina Rantanen. 

Com o patrocínio e o incentivo do Ministério da Educação e Cultura da Finlândia, chega ao Brasil a última fase do evento "Come to Latin America", que visa divulgar o rock e o metal finlandês pelo mundo.

Em nenhum outro país o metal foi tão assimilado e "abraçado" como na Finlândia, a ponto de ser admirado e estimulado pelo próprio governo, seja qual for a bandeira ideológica. Para um país de quase 6 milhões de habitantes, há uma estimativa de que 540 bandas do gênero estejam na ativa, algo sem paralelos no resto do mundo. 

O metal, criado nos Estados Unidos e na Inglaterra, definitivamente se transformou em uma manifestação cultual finlandesa, como o filme deixou bem claro, ao contrário de outras partes do mundo, onde o subgênero é considerado marginal e pária.

Uma das ações de maior abrangência do governo para fomentar à cultura local é o financiamento de projetos através do Ministério da Educação e Cultura. 

O concurso "Come to Latin America" é destinado a bandas emergentes de metal finlandês com o objetivo de difundir a música, promover a cultura do país e colaborar com a quebrar alguns preconceitos que ainda existem em torno o estilo de música, heavy metal.

O projeto em formato híbrido prevê alcançar aproximadamente 10 milhões de pessoas entre jurados, público participante e atrações pelo mundo e, no caso específico, a América Latina.

O júri do concurso "Come to Latin America" foi formado por mais de 100 músicos latino-americanos, jornalistas, radialistas, organizadores de festivais e profissionais ligados ao entretenimento ao vivo.

Foram escolhidas três bandas finalistas e agora será a vez do público latino-americano escolher o vencedor. O prêmio será um acordo de distribuição com a Nuclear Blast – por meio da subsidiária Blood Blast –, uma das maiores gravadoras de nicho do mundo e que atua como parceira nesta iniciativa.

Para votar nos três finalistas, que são as bandas Luna Kills, Noira e Where's My Bible, uma plataforma interativa foi criada e estará no ar á partir de 28 de Junho de 2022.

Produto de exportação

O rock e o heavy metal se tornaram um produto de exportação finlandês. Principalmente desde a virada do milênio, inúmeras bandas do país vêm se posicionando no circuito internacional, no qual Brasil, Chile, Argentina, México e Uruguai tem uma grande fatia. 

De acordo com o relatório global de música da IFPI, a América Latina é o mercado mais importante para música, incluindo o metal finlandês, registrando 85% dos downloads nas plataformas de streaming, com um crescimento de 31% em 2021, em relação ao ano anterior.

O ministro da Ciência e Cultura da Finlândia, Petri Honkonen, comenta: "O mercado de música em rápido crescimento da região também está atraindo novas bandas. Além disso, eles têm uma base de fãs leais na América Latina, o que cria uma forte plataforma para o sucesso. O intercâmbio cultural é especialmente importante agora, dada a instabilidade que vivemos na Europa, levando os artistas a terem incertezas em vários sentidos".

A empresária Niina Fu, idealizadora do projeto, teve inspiração ao residir nos países Chile e Brasil e comparar as similaridades entre o países latino-americanos e a Finlândia: "Apesar da distância e diferenças culturais, existe uma cena metal muito forte e profunda em ambos os países. Isso me chamou muito a atenção e é por isso que tive a ideia de desenvolver este projeto".

Ela acrescenta que sua motivação é ampliar o impacto da cultura na sociedade moderna: "Acredito que atualmente o mundo é medido demais por conquistas e por indicadores financeiros. Ao estudar Administração de Empresas na Getúlio Vargas em São Paulo, Brasil, entendí que precisamos ampliar o espaço da cultura. O heavy metal é o presente da Finlândia para o grande e diversificado acervo cultural do Brasil, com o objetivo de aumentar a participação no cotidiano das pessoas deste lindo país".

"Está nos planos da banda vencedora uma turnê na América Latina. Estamos solicitando mais financiamento para este projeto. Continuaremos a cooperar com o Brasil – um dos maiores exportadores de boa música do mundo", promete Fu.

O heavy metal e a Finlândia

De acordo com o banco de dados online Metal Archives, o país tem mais de duas mil bandas do estilo. Ainda segundo a plataforma, há uma década, a Finlândia tinha o maior número de bandas de heavy metal per capita do mundo, com 54 a cada 100 mil habitantes. Os países vizinhos Suécia e Noruega vinham logo atrás, com 27. Hoje esse número ultrapassa os 60, mantendo o primeiro lugar geral

Este cenário sólido se explica pelo empenho do governo finlandês em apoiar a cultura local e o heavy metal. Não à toa, que a primeira ministra finlandesa, Sanna Marin, aparece em diversas cerimônias oficiais usando sua inseparável jaqueta de couro, no melhor estilo Rock and Roll. A primeira ministra finlandesa já declarou abertamente seu grande amor pelo heavy metal.

Isto não é apenas um reflexo da moda, mas também de uma atitude de vida, uma vez que esse gênero musical permeia profundamente a sociedade finlandesa. O alcance do estilo chega também ao mundo empresarial. 

A multinacional finlandesa Nokia, que possui forte presença no mercado mundial de tecnologia, vem demonstrando entusiasmo e apoio ao projeto "Come to Latin America", e tem em seu quadro de colaboradores pessoas que apreciam o estilo, como o CEO da Nokia Brasil, Ailton Santos Filho, músico, matemático por formação e apontado como padrinho do "Come to Latin America".

"Uma das coisas que diferencia a arte da tecnologia é que esta sempre busca o perfeccionismo, enquanto a música é uma forma de expressão mais humana, onde podemos ousar ser nós mesmos, com nossas virtudes e erros", diz o executivo. "Por isso, decidi apoiar nossos jovens colegas músicos em seu processo de desenvolvimento, além de entrar na cena metal finlandesa", explica o gestor, que complementa: "A música é universal e conecta as pessoas".

Indo além da intenção de promover o desenvolvimento de novos e emergentes artistas e bandas finlandesas, Santos Filho conta como o estilo reflete em outros pontos da vida e do âmbito profissional: "Liderar uma banda e tocar em um palco colaborou muito com minha carreira no mundo corporativo. Estar conectado por um propósito comum, que é a forma como a música nos educa, pois é uma linguagem universal, permite que tudo isso seja aplicado à liderança de uma empresa, organização e/ou qualquer tipo de trabalho".

Outro nome ligado ao estilo e que atual com grande destaque na área da saúde, é Ville Vänni, que por anos integrou a importante banda Insomnium. O ex-guitarrista, que agora atua como médico-cirurgião, comenta: "Hoje o metal está em todos os níveis da sociedade; não é para a elite, nem para a classe média, nem para quem tem menos recursos. É algo enraizado e que faz parte da nossa cultura".

Por sua vez, o brasileiro Daniel Medeiros, hoje community manager da Supercell, empresa finlandesa de desenvolvimento de videogames, conta que quando jovem, sua banda favorita era HIM: "Fiquei sabendo que o HIM era da Finlândia, país conhecido pelo alto nível de ensino e qualidade de vida. Mais tarde, quando quis encontrar um emprego na indústria de videogames, a Finlândia imediatamente me veio à mente. Em outras palavras, se eu não estivesse inicialmente interessado na Finlândia por causa do HIM, e não soubesse que a Finlândia é um dos melhores países do mundo para se viver, eu nunca teria vindo trabalhar aqui", diz.

 

Um dia em que temos pouco a comemorar diante das ameaças fascistas


Índios com alvo na testa e nas costas. População LGFBTQIA+ perseguida com o aval do Estado fascista. Jornalistas e ambientalistas intimidados e ameaçados. Professores acuados apenas por relatar fatos e explicar o que está por trás da realidade tétrica. Mulheres vítima de estupro condenadas e achincalhadas apenas porque buscaram o amparo da lei em busca de um aborto legal.

A pior das distopias jamais poderia nos alertar sobre o desastre que cairia sobre este país e também sobre a nação mais rica do mundo. As trevas e o retrocesso, que de vez em quando chegam o poder, estão na iminência de serem varridos novamente para o ixo da história, mas não vão desaparecer sem provocar danos. 

Comunidades indígenas de todo o país estão em alerta por conta dos ataques diversos que vão sofrer depois das mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips. 

No desespero diante da iminente derrota nas eleições, os grupos fascistas que se alinham ao bolsonaristas estão desesperados e buscam garantir algum tipo de benefício ilegal nos estertores do governo asqueroso que acaba.

Os recentes conflitos entre polícias nojentas e grupos indígenas no Mato Grosso do Sul e em Pernambuco são apenas as faces mis visíveis do mundo fascista em desespero. E vai piorar.

 Os ataques a homossexuais e pessoas trans tende a aumentar até as eleições gerais. O salvo conduto para matar e agredir essa parcela da população tem data de validade e o muno bolsonarista de inspiração fascista sente que precisa destilar o seu ódio o mais rápido possível enquanto o "mentor" está no comando. 

Os ataques são persistentes, tanto física como na esfera legal, em tentativas diversas de desmantelar a legislação que protege e impede que o mundo degringole nas trevas.

Como se não bastasse o retrocesso evidente da civilização, as mulheres sofrem cada vez mais com o assédio e o desabamento de um sistema que, mal e mal, conseguia conter um pouco da violência a que são constantemente acometidas - feminicídio, agressões, violência sexual, estupros com espancamento, tentativas de impedimento de aborto legal...

A violência institucional a que foi submetida uma criança de 11 anos grávida vítima de estupro, assim como uma triz global de 21 anos, igualmente vítima do mesmo crime, expõe o tamanho do abismo moral e civilizatório a que nosso país está submetido. Não há o que comemorar neste dia 28 de junho, dia de celebração da comunidade LGBTQIA+.

No embate entre civilização e barbárie que se avizinha com as eleições gerais de outubro, as perspectivas contraditórias. Enquanto a vitória no primeiro turno do candidato de oposição é uma realidade, o desespero dos fascistas que estão no pode eleva a temperatura e faz supor que pode haver uma reação violenta dos derrotados.

Parece não haver mais condições para um golpe de Estado bolsolixo com o apoio dos militares, mas as possibilidades de uma crise mais grave e tensa envolvendo atos violentos e atentados contra as instituições são grandes a ponto de tumultuar de forma definitiva a vida política do país.

Quem perde, obviamente, são as comunidades mais vulneráveis - pobres que são assolados pela fome, índios, negros, pessoas LGBTQIA+ e aqueles que sempre estiveram na mira dos fascistas - artistas, jornalistas e todo o tipo de oposição.

Não há o que celebrar neste momento. Só dá para desejar algum tipo de guerra civil se houver alguma possibilidade concreta de trucidar e dizimar os fascistas que tomaram conta do governo federal. Não só isso: que haja a possibilidade concreta de eliminar esse tipo de ameaça definitivamente da vida cotidiana do Brasil.

Só haverá algum tipo de possibilidade celebração depois que o lixo fascista for derrotado nas eleições de outubro e que a ameaça violenta dessa gente nefasta for definitivamente eliminada, de todas as formas de nossas vidas. Até lá, é necessário, mais do que nunca, estar pronto pra a guerra em todos os níveis.

A melhor gravação de um show de The Who finalmente está disponível

Demorou 50 anos, mas finalmente aquele que possivelmente é o melhor show da banda inglesa The Who gravado chegou aos fãs e amantes de rock em geral. Inexplicavelmente, o grupo nunca se interessou em editar e lançar algum show da turnê norte-americana de 1971, de sua fase mais pesada e incluindo as canções do seu então melhor disco, "Who's Next".

O selo europeu Eat to the Beat, especializado em colocar no mercado CDs e álbuns triplos da série "Transmisson Impossible - Classic Broadcast  Recordings", recuperou uma obscura transmissão de rádio realizada na Califórnia e disponibilizou o áudio perfeito da apresentação de San Francisco daquele ano. O CD triplo foi relançado em junho.

The Who se recuperava de uma temporada estressante, emendando shows pela Europa no final de 1970 e a gravação da ópera-rock "Lifehouse", que sucederia o megassucesso de outra ópera-rock, "Tommy".

O compositor principal, o guitarrista e vocalista Pete Townshend, empacou em dado momento na história e não conseguia fazer com que os companheiros entenderem a história e o conceito de um mundo distópico fascista onde a música seria banida. 

A revolução seria iminente por meio de jovens que mergulhariam na música agressiva e disruptiva, a ser executada por uma banda revolucionária, The Who.

Considerado um argumento muito ambicioso, acabou travando quando Townshend não conseguiu termina a história a contento. Teve uma crise nervosa, foi parar no hospital e praticamente abandonou a história em abril de 1971.

O que já tinha sido gravado foi reunindo em "Who's Next", quase um catadão. Só que o material era genial e se tornou u melhor disco da banda e um dos melhores de todos os tempos no rock.

Aparentemente recuperado, Townshend quis testar o material ao vivo e a banda realizou uma esp´[ecie de ensaio aberto no dia 26 de abril daquele ano no Young Vic Theatre, em Londres, para cerca de mil convidados e amigos. 

O resultado, surpreendentemente, soou muito pesado e agressivo, embora não tenha agradado ao guitarrista por inteiro. No entanto, já indicava o caminho que banda enveredaria na turnê norte-americana.

E assim foi. Divulgando "Who's Next", a banda estava mais hard rock do que nunca, soando como um estrondo no palco, com os instrumentos no máximo volume, assim como os amplificadores. Naquele período, muitos garantem que  banda fez os seus mais importantes e melhores shows. Townshend nunca concordou.

A curiosidade é que nunca existiu um disco "pirata" ao vivo com qualidade mínima que registrasse algum show da época. 

O mais famoso bootleg da turnê, "Gutter Punks at Warehouse", tem qualidade de som bastante precária e foi gravado no Warehouse Tchoupitoulas St., em Nova Orleans, Louisiana, no dia 29 de novembro de 1971. O áudio não faz jus à fama que banda demonstrava, de estar fazendo os seus melhores shows.

Existe um outro bootleg, desta vez gravado em San Francisco, conhecido apenas como "San Francisco '71", muito procurado e disputado nos anos 90 e 2000, mas que traz áudio com qualidade ainda pior, quase inaudível.

Foi esse o show recuperado, finalmente, pelo selo Eat to the Beat, para a nossa sorte. Possivelmente é o melhor registro ao vivo do grupo, captado por meio de transmissão pelo rádio. É a apresentação de 13 de dezembro de 1971 em San Francisco, no Estados Unidos.

Três músicas, com o devido tratamento de áudio, apareceram em coletâneas nos anos 80 - "Rarities 1966-1972", "Who's Missing" e "Two's Missing". 

O maior destaque é "Baby Don't You Do It", clássico da soul music que ganhou uma versão hard rock, muito pesada, do Who, canção originalmente gravada por Marvin Gaye em, 1964 e que ganhou vez nas vozes de muita gente. Keith Moon (bateria) e John Entwistle (baixo) dão uma aula de condução rítmica pesada e transformam o que era um rhythm and blues em um hard rock poderoso.

"Bargain", do disco "Whos's Next", ganha novos arranjos, ficou mais enxuta e direta, sem, os teclados, e cresce em uma interpretação tensa e nervosa. "Goin' Down", de Don Nix, não aprece neste show.

O restante do show é uma explosão de energia, em volume altíssimo, virando do avesso canções  como "Naked Eye", "Magic Bus" e "Pinball Wizard", além de realçar o caráter dramático e pesado de hinos como "Baba O'Riley" e "Won't Get Fooled Again".

The Who toca com raiva, com a intenção de chocar, talvez como forma de soltar o que estava entalado desde as gravações do disco "Who's Next". Em "My Wife", de John Entwistle, Pete Townshend ataca a guitarra sem dó, tirando guinchos nos solos, sendo seguido pelo baixista, que extrai estrondos violentos do instrumento ultradistorcido. A gravação é um momento muito esperado por parcela expressiva dos aficionados por por rock e gravações piratas.

O show está no primeiro CD da versão do Eat to the Beat para The Who. O segundo CD traz na íntegra a apresentação do festival de Woodstock, em agosto de 1969, também nos Estados Unidos, mas aproveitando totalmente a gravação que o próprio Who liberou em 2019 por ocasião da celebração dos 50 anos do evento.

O terceiro CD, no entanto uma compilação de apresentações ao vivo entre 1965 e 1970 na Inglaterra transmitidos por emissoras de rádio oficiais e piratas. parte desse material já era conhecido por conta de lançamentos piratas diversos, mas outra parte nunca tinha sido editada em CD ou álbum. É um achado para os fanáticos.

segunda-feira, 27 de junho de 2022

O selo que revalorizou as gravações 'piratas' originadas de shows transmitidos pelo rádio

A internet foi o paraíso e a desgraça dos discos piratas das décadas de 60, 70 e 80 com a proliferação de gravações não autorizadas de todos os tios de artistas - de demos toscas, shows ao vivo e material de estúdio descartado. 

Por um lado, deu acesso quase ilimitado a todo o tipo de material, fazendo a festa dos fanáticos por um ou vários artistas que possivelmente jamais teria acesso a esse material se não tivesse muito dinheiro; por outro lado, por facilitar o acesso a esse material outrora raro, desglamourizou, digamos assim, o próprio conceito de "pirata" (ou bootleg, no termo em inglês), já que agora qualquer um pode ter acesso a tudo, acabando com a exclusivamente.]

Vários selos europeus se especializaram em editar em CD, e depois virtualmente, uma série de shows e raridades de bandas de rock desde 2005, desbancando as antigas "gravadoras" piratas italianas e russas, muito mais famosas e competentes do que as chinesas, que apenas reproduziam o que já existia no mercado.

Uma das mais ativas atualmente é a Eat to the Beat, que atua na Europa e que se utiliza de brechas legais em vários países para engordar a sua série "Transmission Impossibile - Classic Broadcasting Recording", tentando reeditar outra série de sucesso, desta vez autorizada e legal, a "King Biscuit Flower Power", nos Estados Unidos.

Esta série americana se originou de um programa de rádio que existiu por quase 15 anos nos Estados Unidos nos anos 70 e 80 e que fazia, com autorização das bandas e das gravadoras, transmissão ao vivo de shows de rock uma vez por semana - quando não era ao vivo, gravava e exibia uma semana depois em rede por todo o país. 

Nos anos 90, muitas dessas gravações viraram CD, envolvendo bandas como Humble Pie, Triumph, Blackfoot, GTR e muitas outras.

O selo Eat to the Beat segue a mesma linha aproveitando várias brechas legais, mas sem autorização de gravações e artistas, lançando sempre álbuns triplos, seja do mesmo show, de três shows diferentes (um em cada CD) e ou coletânea de várias apresentações em longos períodos.

O controle de qualidade é deficiente, já que a especialidade é buscar transmissões de rádio novas ou antigas, oficiais ou "paralelas", com som ruim e captação sofríveis. 

Muitas vezes a empresa, na cara de pau, chupa o áudio de vídeo de shows lançados em DVD ou no YouTube. Para os fãs, é o máximo; para os artistas, algo que gostariam de nunca ter lançado.

Peguemos o caso de The Who, que teve relançada a sua "versão" neste mês de junho. O primeiro CD é uma versão restaurada e raríssima daquele que possivelmente é o seu melhor registro ao vivo, gravado em dezembro de 1971 em San Francisco, no Estados Unidos.

O segundo CD traz na íntegra a apresentação do festival de Woodstock, em agosto de 1969, também nos Estados Unidos, mas aproveitando totalmente a gravação que o próprio Who liberou em 2019 por ocasião da celebração dos 50 anos do evento.

O terceiro CD, no entanto uma compilação de apresentações ao vivo entre 1965 e 1970 na Inglaterra transmitidos por emissoras de rádio oficiais e piratas. parte desse material já era conhecido por conta de lançamentos piratas diversos, mas outra parte nunca tinha sido editada em CD ou álbum. É um achado para os fanáticos.

No caso do blueseiro Stevie Ray Vaughan, o disparate foi além, existindo duas versões, uma om três CDs, outra com quatro, com apresentações inéditas em CD, mas já conhecidas por quem tem interesse em gravações de bootlegs.

Neste caso, o primeiro CD é uma apresentação ocorrida em Montreal, no Canadá, em 17 de agosto de 184; o segundo CD traz o show do Chicago Blues Festival (7 de junho de 1985); o terceiro disco registra a apresentação de Atlanta no dia 31 de dezembro de 1986.

Alguns especialistas consideram que os materiais de Prince, Frank Zappa e Eric Clapton são joias raras difíceis de encontrar em bootlegs, o que mostra que vale dar uma conferida nestes materiais. 

Até agora já são 85 lançamentos, com poucas repetições de artistas. A lista atualizada até o mês de maio pode ser encontrada clicando aqui.


 

Blues Brasil: diversidade e tradicionalismo se destacam nos trabalhos de Eric Assmar e Carla Mariani

O baiano Eric Assmar bebeu bastante no blues de Gary Moore no ótimo álbum "Home", recém-lançado. A mistura dos grooves britânico e brasileiro resultaram em um CD gostoso de ouvir, com os sotaques evidenciados e uma certa economia no virtuosismo.

Filho do também excepcional blueseiro Álvaro Assmar, Eric transforma simples canções em monumentos poderosos movidos a guitarras nervosas e pulsantes, quando não incandescentes, como na seminal "Heart of Mine", com uma levada à la Tom Petty, e abrasiva e especial "A Simple Man", onde as influências de Moore explodem.

O irlandês também deve ter inspirado a interessante "Childhood Days", onde os fraseados e os riffs despojados dão um tom mis intimista a uma canção que tinha tudo pra ser apenas básica. 

A guitarra vigorosa é o destaque no blues certeiro "It's My Own Blues" e surge alegre e faceira no reggae "Close to Me". Na instrumental "Abraço", o slide e os efeitos ajudam a dar uma cara mais "bossa nova" e o resultado é bem agradável.

A canção de destaque, no entanto, é a única cantada em português. "Ainda Existe Sol" tem uma pegada folk blues e uma interpretação bem brasileira e esperançosa, abrindo o horizonte pra dias melhores. Aliás, esse é o tom de toda a obra, que contrasta com terríveis dias que vivemos em nosso país. 

Houve espaço onda pra uma bela balada acústica da seara Joe Bonamassa em "Can Your Hear Me", delicada e sensível, quase gospel, com um violão bem timbrado e uma guitarra com slide em segundo plano que demonstra toda a bagagem musical extensa do músico baiano

Eric Assmar é jovem, mas já um veterano do blues nacional tipo exportação, em que nomes como Artur Menezes, Celso Salim, Igor Prado e de outros nomes estrelados da guitarra nacional. "Home" é um trabalho sensível e impressionante que deve agradar a puristas e fãs mais abertos a experimentações.

Carla Mariani é uma cantora santista que busca de seu som agora que lidera o CM Quartet. "Introducing CM Quartet" é um disco que se destaca nem tanto pela interessante coleção de temas, mas pelo excelente trabalho de guitarras e por ser um alardeado "primeiro álbum autoral de uma cantora de blues e country" do Brasil. É uma afirmação ousada e que precisa de uma checagem, mas que chama bastante a atenção.

Com uma produção bem simples e pouco polida, Carla manifesta bom preparo e bagagem para enveredar por um blues mais modernos, com em "Ain't Life a Bitch", quase um blues rock, e "My Way". 

A voz não é potente - precisa, inclusive, de uma melhor lapidação nos agudos -, mas a interpretação é correta e expressiva. Ela tem o domínio das ações, como em "Tax Money", um blues rápido e enérgico, e também na quente e rápida "Express Yourself".

Carla se sai melhor na dramática e tradicional "Refresh Your Heart", um blues mais pesado e expressivo, em que as guitarras elaboram uma "cama" sólida para que o mundo "desabe", quase esbarrando no desespero de um tango.

Se lhe falta a potência na voz, como a de Ida Nielsen ou Bidu Sous, ou a versatilidade de uma Bica Marchese, sobra-lhe inteligência para saber encaixar a sua voz em canções diretas e explosivas, como Crazy World", Nesta, que é ou country que se aproxima de um rockabilly, a cantora dá um show.

"Queria contar uma história e singles soltos, nesse caso, não contaria da forma que a história necessitava ser passada, pois seria fragmentada e sem sentido", diz Carla Mariani no material de divulgação do disco. 

Ainda aferrada a um certo tradicionalismo, preferiu não lançar singles como estratégia de divulgação. "Na minha opinião, um trabalho completo mostra quem somos e para onde queremos ir. O público do Blues e Country Rock gosta e sente falta de trabalhos com início, meio e fim."

O quarteto é composto por Carla Mariani, Yan Cambiucci (guitarrista e parceiro nas composições), Tanauan (baixo) e Heittor Jabbur (bateria), que costmam misturar influências que vão de  Etta James, Aretha Franklin, Ella Fitzgerald, Janis Joplin, Joss Stone, divas do blues e da soul music, a astros da country music, como Garth Brooks e Alan Jackson.

O álbum conta com diversas participações especiais como Vasco Faé (gaita na faixa “Tax Money”), Letícia Alcovér (pelo amor e backing vocals em “Landlord” e “Soul To Heaven”), Thais Ribeiro (piano em “My Way” e “Refresh Your Heart”), além de Lucas Degásperi, Carol Meles e Nathalie Rabelo (nos backing vocals em “Soul To Heaven”).

De uma forma bem humorada, ela tenta se apresentar como uma cronista de nosso tempo e tem uma visão bastante critica a respeito do atual "estilo de vida" dos jovens de classe média brasileiros - e muito disso está presente nas letras das dez músicas que compreendem "Introducing CM Quartet".

Baseado em sua própria experiência, Carla vê sua geração – de 30 a 40 anos – em uma posição completamente diferente dos pais dessa geração quando tinham essa mesma idade. 

"Antigamente a meta de vida, aos 30 anos, era já ter uma vida resolvida, com emprego fixo, casa própria e carro do ano", comenta a cantora. "Já a geração seguinte, a de hoje, preza mais pela qualidade de vida e por trabalhar em algo que realmente gosta, mesmo que isso gere uma instabilidade financeira."

A percepção está correta, ainda mais se observarmos que a crise econômica grave que vivemos desde 2016, aprofundada pela crise sociopolítica dos tempos Temer-Bolsonaro, praticamente inviabilizam qualquer sonho de estabilidade econômica de uma juventude que encara um desemprego monstro de quase 12% da população economicamente ativa, ou seja, quase 13 milhões de cidadãos. Já a fome, que voltou com força, avança sobre ao menos 35 milhões de habitantes. "Crazy World", de certa forma, aborda essa confusão.

"Nossa geração não tem perspectiva de conseguir uma vida financeira estável", diz a cantora, que inicia o álbum atribuindo a desvalorização do jovem aos políticos e aos altos impostos. "É a famosa história onde o rico fica cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre. Nossa geração sofre com as altas taxas de impostos, do dólar e inflação."

Dá para perceber também que o disco está impregnado de um saudosismo que soa um tanto deslocado, mas que faz sentido diante dos dilemas que os artistas, principalmente músicos, encaram em tempos de ultrainformação que domina as nossas vidas por conta da internet. 

O jeito de ouvir música hoje mudou, e nção necessariamente pra melhor, e isso transparece no álbum. "Hoje vivemos em uma era em que até ouvir música é perda de tempo (risos). Antigamente, nos sentávamos à frente de um rádio e ouvíamos música por horas a fio, chamávamos amigos para ouvirmos juntos e curtirmos lançamentos como se fossem verdadeiros eventos! Hoje, a maioria das pessoas não aprecia mais esse momento, pois junto a ele faz outras coisas ao mesmo tempo, perdendo aquela chance de reflexão, desvio mental dos problemas do cotidiano e se levar pelas melodias a um lugar especial. Não existe mais tempo para música! Sinto falta de músicas com letras inspiradoras, solos e melodias que saem do que hoje é considerado ‘normal’. Sempre me pergunto para quem estão escrevendo essas músicas de hoje?"

Entre os admiradores do novo trabalho de Carla Mariani está justamente Eric Assmar, que fez o seguinte comentário a respeito: "Achei esse álbum novo de uma maturidade notável em relação aos trabalhos anteriores e vejo uma ‘Carla’ talvez um pouco mais consciente de sua própria linguagem como artista."

Segundo ele, "a sonoridade rock nos arranjos que se casou muito bem com o timbre de sua voz mais presente. É um repertório que, com certeza, crescerá muito quando tocado ao vivo com a parte da improvisação que envolve os shows de blues".

  

‘We’ll Be Back’ é o primeiro single de álbum novo do Megadeth

 Do site Roque Reverso

O Megadeth lançou oficialmente o primeiro single de seu futuro álbum. “We’ll Be Back” é o nome da música, que ganhou um vídeo especial dirigido pelo brasileiro Leo Liberti e que contou com produção do compatriota Rafael Pensado.

“The Sick, The Dying… And The Dead!” é o nome do disco, cuja capa acompanha este texto, e que tem o dia 2 de setembro como data oficial de lançamento.

O álbum romperá um hiato de pouco mais de 6 anos sem um disco de inéditas do Megadeth e sucederá o elogiado e premiado “Dystopia”, que o grupo norte-americano de thrash metal lançou em 2016.



Serão 12 faixas no total neste 16º álbum de estúdio da banda, sendo que “We’ll Be Back” fecha o disco.

O retorno do Megadeth também acontece depois de um turbilhão de acontecimentos relacionados à banda depois do grande sucesso do disco “Dystopia”.

Desde 2016, sem contar a pandemia vivida por todo o planeta, houve o câncer na garganta do líder, vocalista e guitarrista do grupo, Dave Mustaine; a saída do baixista David Ellefson após um escândalo sexual; e o retorno do baixista James LoMenzo ao grupo, inicialmente para as turnês e depois de maneira definitiva.

Importante destacar que o baixo em “The Sick, The Dying… And The Dead!” foi gravado por Steve DiGiorgio, após a partes gravadas por Ellefson serem descartadas.

A produção do disco foi realizada por Dave Mustaine e Chris Rakestraw. Eles já haviam trabalhado em conjunto no “Dystopia”.

A gravação do álbum foi realizada nos estúdios de Mustaine em Nashville.

Thin Lizzy ao vivo na Austrália, na melhor forma, e com Gary Moore na guitarra

 O Thin Lizzy no auge é um dos grandes lançamento deste ano na área do classic rock. A Mercury Studios prepara um pacote especial que combina um documentário de 2020 sobre o vocalista e baixista do Thin Lizzy, Phil Lynott, com um concerto clássico de 1978 do lado de fora da famosa Sydney Opera House,na Austrália.

"Songs For While I'm Away é o documentário dirigido por Emer Reynolds e exibido pela primeira vez na BBC 2 no Reino Unido em outubro de 2020. Ele narra a vida e a música de Phil Lynott, utilizando imagens de arquivo, trechos de entrevistas do próprio músico. 

Como o documentário já é conhecido, o prato principal é o disco ao vivo que acompanha o pacote. O show é excelente, gravado na mesma época dos ótimos discos "Live and Dangerous" e "Live at Tower Theatre, Philadelphia 1977".

"The Boys Are Back In Town: Live At The Sydney Opera House October 1978" chega nas versões CD e DVD com altíssima qualidade imagens recuperadas e uma raridade por conta de ser um registro ao vivo da formação que tocou pouquíssimas vezes - Lynnot nos vocais e baixo, Gary Moore na guitarra solo, Mark Nauseef na bateria e Scott Gorham na guitarra base.

Já é a fase final do que se convencionou chamar de segunda fase do Thin Lizzy, a da consolidação e estouro, no mais puro hard rock britânico, mesmo contando com dois irlandeses na formação.

O repertório, afiadíssimo, é o que de melhor a banda produziu em seus quase 15 anos de trajetória. O hit "The Boys Are Back in Town" soa aqui mais pesado e rápido, assim como as míticas "Wait For An Alibi" e "Johnny Fox Metts Jimmy the Weed".

"Cowboy Song" está um pouco mais devagar, com o baixo mais à frente, enquanto a ótima "Bad Reputation", mais cadenciada, ganha dramaticidade com os duelos de guitarra de Moore e Gorham.

Lynnot também caprichou nas interpretações das duas grandes baladas daqueles tempos, "Don't Believe a Word", com o solo bluesy perfeito de Moore, e "Still in Love With You". É um daqueles discos ao vivo que servem de referência para começar a curtir a banda, já que é também uma coletânea, a começar pela abertura, "Jailbreak", uma canção do tipo arrasa-quarteirão, para abusar bem de um clichê.

O show de 1978 na Austrália não e inédito, pois tinha sido lançado em VHS, laserdisc e DVD. No entanto, ainda é considerado raro porque e praticamente desconhecido, tanto que o áudio foi remixado, trechos do vídeo foram restaurados e inclui cinco músicas adicionais do show que nunca estiveram oficialmente disponíveis.  

domingo, 26 de junho de 2022

Diário de Rio das Ostras 2022 - 4º dia


Texto: Eugênio Martins Júnior - do blog Mannish Blog
Fotos: Cezar Fernandes



Dois shows estavam programados para a Lagoa do Iriry no último dia, Tony Gordon e A Cor do Som. Assisti ao final do Tony Gordon e todo o show do A Cor do Som com plateia lotada. E de novo A Cor do Som quebrou a banca. Exceto pela inclusão de Palco ao repertório - parabéns Gilberto Gil que hoje completa 80 anos - foi o mesmo show. 

Mas com duas participações especiais, o Mu convidou o Erik Escobar, da banda do Tony, para uma dupla nos teclados e o Big Joe Manfra entrou pra solar ao lado do Armandinho - 6X0.

E no final, quando o Ari cantou Dentro da Minha Cabeça, o Tony Gordon subiu ao palco arrastando o Armandinho e o Ari e uma multidão pra fora daquele cercado que circunda a plateia de Iriry. O show acabou pra cima, como deve ser - 7X0. Uma lavada nas bandas gringas.
 
Se ano passado o festival recebeu Eric Gales, Roosevelt Collier e Jon Cleary, esse ano Blues Etílicos, A Cor do Som, Deanna Bogart e Big Joe Manfra e As Mulheres do Blues roubaram a cena.

Mais um - Frequento o festival de Rio das Ostras desde 2007 e nunca, ao longo desses 15 anos, presenciei uma confusão.

Já havia percebido que na edição anterior, realizada em novembro de 2021, além da tensão por estarmos saindo das restrições impostas pela pandemia de covid-19, a temperatura da disputa política já estava um pouco acima do normal.

Mas em 2022, ano de eleição, com o país exaurido por um governo de pessoas imorais, desonestas e incapazes de sentir empatia pelo próximo - e isso inclui a Câmara dos Deputados sob o comando de Arthur Lira -, foi muito pior. Esses quatro anos de desgoverno deixaram as pessoas mais exasperadas.

O último dia do festival, mesmo com a lagoa dividida por muitas bandeiras do PT e poucas do outro lado, escancarou a intolerância dos apoiadores de Bolsonaro.
 
Vi um homem intimidando uma senhora que estava com a bandeira do PT em frente ao palco. Ele teve de ser contido por outros presentes para não agredir a senhorinha.

Um garoto foi agredido atrás do palco após uma discussão. Novamente outras pessoas tiveram de intervir para que o rapaz não sofresse ferimento grave, já que o agressor não parava de apertar seu pescoço. Todas as pausas entre as músicas eram preenchidas com gritos de Fora Bolsonaro e ofensas mutuas entre os eleitores de ambos os lados.
 
Quem acompanha esse blog e a Mannish Boy Produções sabe que sou radicalmente contra esse governo. Por isso faço questão de colocar a minha opinião e reportar os fatos pelo meu ponto de vista.
E o festival de Rio das Ostras é realizado com recursos da Lei Rouanet e agora do Sesc Rio de Janeiro.

Portanto, quem estava ali curtia música com recursos públicos. Recursos esses, auditáveis e abertos a consulta pública nos sites governamentais, diferente da grana gasta pelas prefeituras de cidades do interior que pagam muito caro pelos artistas bolsonaristas, escândalo exposto recentemente pela mídia.

Ao longo de 20 anos esse festival se tornou o principal evento de jazz e blues do Brasil. E esse ano, os shows nas cidades de Búzios, Paraty, Rio das Ostras, Niterói e Paraty formaram o um circuito cultural empregando muitas pessoas, fomentando comércio e turismo locais e levando cultura para todos.
 
Portanto, há mais espaço para a intolerância. Não adianta cercear a cultura porque a inteligência sempre vai vencer a truculência. Os movimentos negros vieram para ficar, o movimento LGBTQIA+ veio pra ficar. As mulheres vão continuar sua luta contra a misoginia e os povos originários pelas suas terras. E todo esses Brasis se encontram na cultura e na música.
 
Nos últimos anos temos visto o desmonte da cultura e o desprezo pela educação por esse governo medíocre do Bolsonaro. Começou com o rebaixamento do Ministério da Cultura para Secretaria e vem ladeira abaixo. Esse ano tem eleição, e será a chance de revertermos isso.

Cerveja - Não bebi uma IPA decente em Búzios e em Rio das Ostras. Em Rio das Ostras bebi uma APA boa, apresentada pelo meu amigo Cezinha.
 
Em Paraty bebi uma Juicy IPA muito boa, mas era de Cunha. A cachaça foi abundante. Mas andar naquelas pedras foi de foder.
 
Esse ano me colocaram numa pousada em Rio das Ostras com o nome fofo: Meus Amores. Ótima. Familiar e tranquila. Se for ao festival em 2023 vou ficar lá.

Produção - O festival de Rio das Ostras só acontece com o empenho do time que trabalha lá há anos: Stênio Mattos, Ugo Perrota, Andrea, Juliana, Jefferson Gonçalves, Kleber Dias, Márcia Vilella, Jerubal e seu filho Marcos, Andrew, Mário, Letícia, Cezar Fernandes e toda a equipe da Like Produtora. Me desculpem se esqueci alguém.

Em 2022, além de assistir e reportar o evento, fui pra produzir os shows das Mulheres do Blues e ajudar na produção dos amigos da Blues Beatles.
 
Com As Mulheres do Blues fizemos Búzios, Paraty e Rio das Ostras. O show de Niterói foi cancelado e nem me perguntem o motivo porque também não sei até hoje.




Diário de Rio das Ostras Jazz e Blues 2022 - 3º dia

Eugênio Martins Júnior - do blog Mannish Blog
Fotos: Cesar Fernandes

Reconheço que não tenho dado a atenção devida às atrações do palco São Pedro e da Casa do Jazz, espaço criado dentro da cidade do jazz em Costazul.

Justifico com a falta de tempo. Pra mim é impossível acompanhar todos os shows. Há 15 anos, quando comecei a acompanhar esse festival eu conseguia enganar a canseira. Hoje, já não.

Meu critério de seleção é sempre escolher as atrações que batem com meu gosto musical, o ineditismo e aquelas que, por serem de outro país, serão mais difíceis de assistir em outra ocasião.
 
Mas vou colar aqui os grupos que passaram pelo festival esse ano nos dois espaços. Na Casa do Jazz, Bruno Pirozzi, Banda Tangerine, Back2Blues, Xandão Tavares, Mamooth Band, Paiol Sonoro, Tango Revirado Trio, Kilometro 50 com a participação de StephanVidal e Reubes Pess Band. E no palco São Pedro, Robson Farah, Micha Devellard e Ska Jazz Favela.

Meu terceiro dia no festival começou no palco da Lagoa do Iriry com a Big Joe Manfra Blues Band e Deanna Bogart. Basicamente o mesmo show do dia anterior, no Costazul, mas sem o solo monstro do Cláudio Infante.

 A Deanna estava adorando ficar no Brasil todos esses dias e a proximidade com o público a fez ficar mais solta ainda. A plateia retribuiu a gentileza fazendo o show esquentou.
 
Quando anunciou "Love and Attention", a turba mandou o tradicional Fora Bolsonaro. Ela, sem entender o que significava aquela gritaria respondeu: “Espero que seja uma coisa boa”. Era sim Deanna, era o povo se manifestando.
 
O show teve ainda a participação do Jefferson Gonçalves e da Caru de Souza. No final foi pra galera e se consagrou como a artista mais carismática de 2022.

A chuva e o vento deram as caras em Rio das Ostras. Perdi o Hook Herrera do palco da Boca da Barra e o primeiro show do Costazul, Tony Gordon.
 
Estava cheio de expectativa quanto ao show do Roberto Fonseca, um cara que sou fã há mais de uma década. Não sei, acho que a apresentação poderia ter rendido mais.
 
O público resistiu bravamente na chuva e poderia ter ganhado um show mais quente de jazz cubano. Foi basicamente o mesmo que havia apresentado em Paraty uma semana antes. Só que em Paraty não choveu. Coube como uma luva.
 
Não me leve a mal, o pior show que Roberto Fonseca pode fazer, e não foi o caso, é muito melhor do que qualquer show de sertanejo bolsonarista. E falando nisso, vi muito cidadão de bem rebolando a jaca e cantando “De Cuba Yo Soy” em Kachucha.

Ida Nielsen fez o show debaixo de chuva e não é que a baixaria groovadora da branquela dinamarquesa fez a galera dançar a valer? Não conhecia nada do trabalho dela, mas achei que fez bem o que se propôs. Quem viria depois teria de se virar pra esquentar a massa debaixo dos guarda chuvas e capas de plástico.

E quem veio depois foi da banda que misturou samba, chorinho, jazz, axé e batucada em um só balaio. E justamente por isso cumpriu o papel histórico de abrir a porteira – no bom sentido, não aquele outro - para os brasileiros no prestigioso Montreux Jazz Festival, em 1978, ela mesma, A Cor do Som.
Com Armandinho Macedo (guitarra baiana e voz), Mu Carvalho (teclados e voz), Ari Dias (percussão e voz), Fernando Nunes (substituindo o Dadi no baixo) e, ele de novo, Cláudio Infante (substituindo o Gustavo Schroeter na bateria em cima da hora), A Cor do Som foi matador.

É impossível tocar todos os hits em um só show. São muitos e não dá tempo porque os caras solam adoidado.
 
A chuva parou e A Cor do Som já entrou ganhando de 1X0 com relação aos outros shows. Engataram uma instrumental logo de cara com solo de Armandinho - 2X0 – e ainda todos se revezando na cantoria ao longo de todo o show – 3X0.

Armandinho conversa o tempo inteiro com o público, mas não fica falando groselha, ele explica o que cada música representa para a banda, quem a compôs e o que representa – 4X0. Foi assim antes de Frutificar, tema clássico instrumental que nomeou o disco.
 
Alternando com as instrumentais, seguiram-se Zanzibar, Abri a Porta, Beleza Pura, Swingue Menina, Zero. O Ari completou a festa fazendo a galera cantar em dançar com Dentro da Minha Cabeça – 5X0.

Gilberto Gil, 80 anos: a maior conexão entre rock e MPB

 Gilberto Gil é a maior conexão da MPB com o rock desde sempre. Mais do que Caetano Veloso e outros contemporâneos, soube entender a linguagem roqueira e mesclá-la a uma baianidade/brasileirismo como nenhum outro artista brasileiro tinha feito.

Seus 80 anos de idade quase coincidiram com os de Paul McCartney, e o colocam no patamar mais alto da cultura brasileira - não é à toa que ingressou na Academia Brasileira de Letras, uma indicação muito mais pertinente do que a da atriz Fernanda Montenegro.

Gil sempre valorizou a sua música muito mais do que as polêmicas ou os palpites alheios sobre qualquer coisa. Político sem ser partidário, realizou um trabalho passável como ministro da Cultura, ainda que estivesse desconfortável no cargo. 

Tinha visão de Estado, mais até que o próprio então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para o músico, a administração e o governo deveriam estar a serviço da cultura, e não o contrário. Passou por Brasília de forma digna e manteve a dignidade. Seu lugar é mesmo no palco.

Nunca foi unanimidade em nosso mundo, neste lado de cá: quando resolveu cantar "Punk da Periferia", foi tachado de oportunista e demagogo, quando na verdade deu visibilidade para uma cultura que ainda era underground naquele começo dos anos 80. 

Gil era rock, como eram Novos Baianos, Secos & Molhados e Raul Seixas, e abusava da batida rock em seu violão. O preconceito, naturalmente natural entre roqueiros mais radicais, não resiste a uma rápida e superficial avaliação de sua carreira. Pode-se ou não gostar de sua música ou de seu trabalho, mas ignorar o mergulho que ele sempre fez no rock é desonestidade intelectual.

Na lista dos 100 melhores discos da música brasileira da revista Rolling Stone Brasil, de 2007, estão lá "Expresso 2222" (1972),"Refazenda" (1975), "Refavela" (1977), "Gil & Jorge: Ogum, Xangô" (com Jorge Ben, 1975) e "Gilberto Gil" (1968). 

Os três primeiros citados estão encharcados de rock, misturados com uma brasilidade que o diferencia do conterrâneo Caetano Veloso, menos encantado com o ritmo.

Em plena ditadura militar, Gil conseguiu soar inovador e ágil, com algumas canções esbarrando nos limites da contestação. A guitarra soa minimalista em "Expresso 2222" em algumas canções; em "Refazenda", há sofisticação de arranjos e riffs bastante pertinentes que poderiam estar em qualquer disco de rock mais puro daquela década.

O amigo Mauro Ferreira fez um grande texto exaltando as 80 músicas que trazem o que de melhor Gilberto Gil fez. Tem muito rock dos bons...

Vinte anos sem John Entwistle, o maior de todos os baixistas do rock



John Entwistle foi o primeiro baixista a fazer um solo em uma canção rock. Ele nunca teve essa intenção, mas foi convencido pelo guitarrista Pete Townshend e pelo produtor Shel Talmy de que seria uma boa ideia brincar com isso naquele que se tornou o maior sucesso da carreira do Who, "My Generation". 

O genial baixista, o melhor do rock, morreu há 20 anos em em Las Vegas, aos 57 anos de idade, às vésperas de mais uma turnê do Who. Teve um ataque cardíaco potencializado pelo uso de cocaína.

Em uma entrevista à rádio BBC, de Londres, duas décadas depois do lançamento do single – na Inglaterra, no fim de 1965 –, Talmy disse que o Who era uma banda instintiva, orgânica e furiosa, e que só percebeu o tamanho do som do baixo de Entwistle no estúdio. 

"Eles tinham gravado 'I Can't Explain' antes, além de 'Zoot Suit' como High Numbers, mas foi em 'My Generation' que o som alto e pesado de John preencheu a sala. Ele era um verdadeiro guitarra-base, com sua técnica apurada, precisão e velocidade. Era óbvio que seria natural aparecer um solo de baixo com o volume lá em cima. Townshend teve a mesma impressão na hora em que percebi isso", disse o produtor.

O instrumentista do Who sempre desdenhou do título "melhor da história". Com seu jeito quieto e discreto, sempre foi modesto ao analisar sua carreira. 

Fã de jazz e de rockabilly, costumava dizer que não conseguia encontrar algo de novo em seu trabalho. Nem sequer conseguia identificar um estilo, quanto mais afirmar ter criado um. 

Quem desmitifica a questão é Glenn Tipton, guitarrista fundador do Judas Priest, amigo de Entwistle desde os anos 70 e que o teve como companheiro de banda em dois de seus trabalhos solo, "Baptizm of Fire", de 1997, e "Edge of the World", de 2003 – este último creditado a Tipton, Entwistle and Powell (Cozy Powell, baterista fantástico morto em acidente de carro em 1998).

"Se é consenso que o heavy metal pode ter nascido a partir dos riffs de guitarra pesados de 'You Really Got Me', dos Kinks, o baixo pesado surgiu com Entwistle na mesma época", disse o guitarrista do Judas Priest. 

O som vibrante, gordo e intenso de seu baixo representava uma mudança de postura e de modo de encarar o instrumento. 

Em uma banda sem guitarra-base, o peso e a melodia que Entwistle imprimia ao som do Who era muito mais do que ritmo, era uma verdadeira base", afirmou Tipton à revista Guitar World nos anos 2000.

A versatilidade e a genialidade de Entwistle às vezes incomodava Roger Daltrey, o cantor do Who, no palco. Não foram poucas as vezes que o vocalista brincava, mas dando o recado, quando o baixista fazia algum riff em músicas que requeriam tal procedimento. 

"Para que tantas notas ao mesmo tempo, John?", perguntava Daltrey, geralmente no começo ou no final de músicas como "Boris The Spider", "My Wife" ou "The Quiet One", todas de autoria do baixista. 

Os adjetivos são insuficientes para classificar a qualidade do trabalho de Entwistle, assim como era para o mago Jaco Pastorius, que morreu há 30 anos e era o craque do jazz.

O músico do Who era criativo, inovador e um dos grandes compositores do rock, mesmo sendo ofuscado pelo talento do companheiro de banda Pete Townshend – por isso é que foi o primeiro integrante do Who a engatar uma carreira solo com o excelente álbum "Smash Your Head Against the Wall", de 1971. 

Desde sua morte, apenas dois músicos contratados ocuparam o seu lugar – o estupendo galês Pino Palladino, que tocou também com Oasis e John Mayer, e o inglês Jon Button. (Ok, Greg Lake, de Emerson, Lake & Palmer e morto em 2019, participou de algumas gravações de estúdio da banda entre 2003 e 2004).

Talentosos e competentes, foram opções que satisfizeram as necessidades, mas nem de longe preencheram a lacuna de Entwistle, que era uma verdadeira avalanche sonora no baixo.

Há 45 anos, o último show de Keith Moon: um epílogo que não fez jus a sua genialidade


Muito já se disse a respeito do ator Robin Williams, que também era um dos comediantes mais celebrados e bem-sucedidos do cinema americano. Fazia rir como ninguém, apesar de sua vida depressiva e marcada por episódios bastante complicados, que culminaram em seu suicídio em 2014, aos 63 anos.

“Tears of the Clown” (Lágrimas de um Palhaço) intitula uma série de músicas dentro da música pop, entre elas uma do Iron Maiden (do disco “The Book of Souls) inspirada nele e dedicada a ele.

E bem que poderia ter sido inspirada e dedicada a outro notório palhaço que adorava fazer os outros rirem, mas nem sempre da forma mais bacana e lúdica.

Keith Moon, possivelmente o melhor baterista da história do rock, azucrinava, brincava, detonava e não parava quieto para tentar domar a hiperatividade e esquecer a solidão.

Moon, o Louco, da banda The Who, não era apenas força de expressão: ele agia como um louco e maníaco e fazia todo mundo crer que realmente tinha duas personalidades. Generoso, amoroso, brincalhão; perverso, maldoso, cínico, vingativo, ciumento e sabotador e autodestrutivo. Essa é a imagem terrível que fica quando se lê a biografia “Keith Moon – A Vida e a Morte de Uma Lenda do Rock”, de Tony Fletcher.

Diante das informações que lemos no texto, dá para imaginar como o transtornado músico estava vivendo em últimos meses - e como deve tr sido o martírio dele em seu último show, em 15 de dezembro de 1977, em Londres.

É evidente que não dava para cravar, na época, que seria o seu último show - morreria nove meses depois, em setembro de 1978, como consequência de uma overdose de medicamentos para combater o alcoolismo. No entanto, o atormentado baterista já dava sinais de que estava, no mínimo, desgastado e precisando de ajuda.

A última atuação de Moon em um palco de verdade foi gravada em vídeo e lançada em 2010 com o nome de "Live At Kilburn". É um epitáfio comovente, onde o baterista se esforça, dá o sangue e tenta reviver os seus melhores momentos, mas com pouca eficácia.

The Who chegava aos 13 anos de carreira com aquela formação - 15 desde que o núcleo de formara - em situação complicada, fora de forma e em crise criativa e de relacionamentos internos. 

Naquele dia, em Kilburn, em uma apresentação pra convidados e fãs mais dedicados, o quarteto buscava algum tipo de redenção, por mis que não admitisse. Foi um show meio "chutado", sem grande empolgação, com erros bobos além de conta e sem tanta dedicação.

O vocalista Roger Daltrey esteve quase impecável, mas o guitarrista Pete Townshend se mostra displicente e pouco preciso, deixando para o baixista John Entwistle a missão de manter tudo de pé lá atrás, driblando a inconsistência de Moon. 

O baterista tentava acompanhar a velocidade e a cadência dos companheiros, mas se mostra displicente, ora perdido. Não cometeu nenhuma atravessada atroz ou vergonhosa, porém estava em outra sintonia, longe da costumeira performance demolidora que costumava empurrar a banda.

Olhando em retrospectiva, Keith Moon fez apenas o suficiente em Kilburn para não tornar a apresentação um desastre. Era o que mais sentia falta das turnês, em um momento em que todos os integrantes buscavam alternativas para extravasar sua criatividade além de The Who.

Roger Daltrey estava firmemente convicto que se tornaria um astro de cinema, enquanto Pete Townshend tomava gosto por trabalhos solo e enveredava pela literatura. Já Entwistle nunca reclamou de ficar sossegado em casa remexendo nos arquivos da banda em busca de preciosidades pra futuros lançamentos.

Moon, afundado na bebida e nas drogas e jogando no lixo todos os tratamentos de reabilitação, tinha gravado um fracassado álbum solo - "Two Sides of the Moon", em 1975 - e ainda não aceitava a separação e divórcio da esposa, Kim. 

Depois das filmagens do longa-metragem "Tommy", também em 1975, e do fim, da turnê americana do mesmo ano, ficou à deriva. Só sobrou o álcool como companhia, seja em casa ou nas intermináveis noites pelos clubes noturnos de Londres. Para piorar, suas finanças pessoais, por conta dos gastos exorbitantes e desperdícios diversos, estavam no fundo do abismo.

Não deveria ter sido o último show de Keith Moon e nem deveria ser tão desleixado. Era uma pessoa em busca de ajuda séria - por mis que, na verdade, recusasse qualquer tipo de auxílio. Precisava de atenção, muito mais do que já tinha e menos do que necessitava. 

Mergulhado no tédio e na falta de perspectivas, e sem a ajuda dos companheiros, também em crises emocionais e/ou profissionais, Moon pedia socorro. Foi ouvido em parte, mas não da forma que necessitava.

Na emblemática canção "Won't Get Fooled Again", talvez a melhor de todos os tempos e o ápice de Pete Townshend como compositor, o guitarrista muda alguns compassos e segue uma trilha um pouco diferente do normal. 

Moon tenta fazer o de sempre, com um certo esforço adicional, e evita as mirabolantes viradas que caracterizam a canção. Parece mais cansado e menos esfuziante, em um esforço enorme para manter a concentração. Nada parecido com o vulcão de energia do Monterey Pop Festival, de 1967, ou da série mágica de shows na Inglaterra no primeiro semestre de 1970, registrada em parte no disco maravilhoso "Live at Leeds".

O esforço é louvável, Keith Moon recupera, aqui e ali, alguns momentos brilhantes, mas o cansaço mental predomina, e a banda se mostra pouco à vontade em quase duas horas de show. Exausto como se tivesse corrido uma maratona, o baterista parecia entorpecido ao final da apresentação, com cara de quem estava consciente de que as coisas não foram tão bem.

Se a ultima imagem é que fica, então Moon passou a ideia de que era um instrumentista ultrapassado e esgotado, em fim de carreira e pouco propenso a alterar o estado das coisas.

No meses seguintes, Moon continuou enfiando o pé na jaca, intempestivo, ciclotímico e com o humor oscilante, mas alguma coisa mudou. Já não estava mais disperso e displicente, e mostrou isso no estúdio, durante as gravações do disco "Who Are You", de 1978, lançado um mês antes de sua morte.

Ainda apresentava algumas dificuldades no estúdio antes inimagináveis, como na jazzística "Music Must Change" e na eletrônica "905", só que compensava com um certo brilho nos olhos de quem curtiu bastante voltar às gravações.

Também estava empolgado com o projeto do filme "The Kids Are Alright", uma espécie de documentário sobre a banda cm base em compilações de vídeos feita por um ardoroso fã.

A fita teria como ponto alto a exibição de dois "videoclipes" ao vivo de "Baba O'Riley" e "Won't Get Fooled Again", em registro de palco feito no começo de 1978 no Shepperton Film Studios, em Londres, com a presença de pouco mis de 400 espectadores - convidados, funcionários do local e do próprio filme.

Keith Moon continuava na vida de excessos e chegou ás gravações em estado lastimável, mas se transformou quando se sentou no kit de bateria. Recuperou a aura de indomável e tocou bem como há muito não o fazia, tanto que colaborou muito para que a banda fizesse a melhor performance ao vivo de "Won't Get Fooled Again" de sua história. O solo final de bateria é estupendo.

Em muitos aspectos, dá para dizer que essa performance o redimiu do quase fiasco de Kiburn meses antes, e poderia até enganar os menos informado a respeito do futuro da banda. Parecia que havia uma chance séria de recuperação do louco baterista.

Bem que ele tentou ficar longe dos excessos nos últimos meses de vida, mas as recadas eram muitas. Em um tratamento alternativo, digamos assim, passou a tomar remédios contra o alcoolismo - sem parara de beber. Não tinha como dar certo.

Em 7 de setembro de 1978, esteve presente na estreia de um filme sobre Buddy Holly, em Londres, produzido e financiado por Paul McCartney. Na festa, não bebeu as quantidades industriais que costumava beber, mas incomodou alguns convidados com falas inconvenientes e desconexas. 

Acabou indo embora cedo - ironicamente, a última pessoa com quem conversou foi Kenney Jones (ex-Faces e Small Faces), que viria a substituí-lo no Who um ano depois. 
Acreditando em milagres, abusou do remédio antiálcool alternativo, como se fosse fácil curar  doença com comprimidos. Tomou um monte deles e sofreu uma overdose durante a madrugada. Foi encontrado morto, na manhã seguinte,  pela namorada sueca.
 
O gênio da bateria morreu aos 32 anos de idade quando ensaiava uma recuperação artística mesmo que se recusasse a tratar a doença. Kilburn foi a derradeira visão de um baterista genial longe de sua forma, mas não fez jus à genialidade e ciativiade de Keith Moon.

Luiz Carlini, a 'guitarra do rock brasileiro', faz 70 anos

 Luiz Carlini gosta de coisas simples e nada rebuscadas, ao contrário de sua música elegante e imponente. Gosta de ser apresentado apenas como "guitarrista de rock". Da Pompeia. De São Paulo. Do Brasil.

O guitarrista paulista costuma negar, mas se sente confortável dentro do "cargo" de lenda. Aos 70 anos de idade, continua esbanjando categoria e vê uma paulatina redescoberta de sua obra pela repercussão variada de artistas e fãs de rock surpreendidos com seus trabalhos mais recentes.

As suas sete décadas de vida vêm acompanhadas de um documentário sobre a carreira - foi um dos destaques da 14ª edição do In-Edit - Festival Internacional de Documentário Musical - neste mês de junho, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.

"Luiz Carlini - Guitarrista de Rock", de Luiz Carlos Lucena, não tem grandes arroubos de criatividade - é uma sequência de depoimentos do músico e de amigos/admiradores em longo panorama de sua vida e seus trabalhos. 

Mas é um dos grandes nomes da MPB que resume bem, por mais exagerado que tenha sido, a importância de Carlini para a música brasileira. 

"É um parceiro para toa a vida, um cara que é excelente músico e que melhora tudo. É um dos maiores guitarristas vivo, e provavelmente um dos melhores do mundo", decretou Guilherme Arantes, hoje vivendo na Espanha. Não é à toa que integra a banda do tecladista e cantor, quando esta toca no Brasil.

O ótimo "A Desordem dos Templários", o mais recente disco de Arantes, conta com as guitarras frenéticas e encharcadas de sentimento de Carlini, que desliza os dedos por fraseados de inspiração blues em um trabalho que é quase uma peça de rock progressivo de extremo bom gosto.

Das vielas e ladeiras da Pompeia no começo, acompanhando os amigos Sergio Dias (Os Mutantes) e Oswaldo Vecchione (Made in Brazil), entre outros, até a passagem pela banda Tutti Frutti (que serviu de suporte para Rita Lee nos anos 70), Carlini fez história como um estilista, um instrumentista que construiu um nome por conta da excelência na criação de riffs e na explosão sonora nos solos.

Pelas suas contas, participou de mais de 400 discos com cantores e músicos, como Barão Vermelho, Titãs, Radio Taxi, Vanguart, Filipe Catto, Marcelo Nova, Supla, Erasmo Carlos e Lobão, entre outros nomes brasileiros.  

O brilhantismo com a guitarra nas mãos também se estende ao estúdio, já que é um celebrado produtor musical, assinando obras importantes do rock e da música brasileira. O ouvido privilegiado já transformou a carreira de tanta gente que é impossível listar.

Certa vez, em conversa informal com este jornalista do Combate Rock, disse se sentir envaidecido quando alguém lhe diz que seu nome é sinônimo de guitarra de rock n Brasil, mas que isso não pode definir a sua carreira e seu eventual legado.

"Tive o privilégio de fazer rock em uma terra onde o rock não é a principal coisa da música", disse Carlini. "Sou o que sou graças a um ambiente fervilhante de cultura e de extrema criatividade, em que tantos outros músicos podem ser considerados como a 'guitarra rock do Brasil'. Gosto do reconhecimento, mas me considero inserido em um contexto muito maior. É gratificante."

Não consigo parar de chorar: o meu rock não alivia a fome

Tiago Rodrigues - em depoimento a Marcelo Moreira

 Não existe musica ruim. Existe música, e sempre tem alguém que quer escutar. Há sempre alguém que se dispõe a dedicar minutos a algum tipo de manifestação artística, e a música é a que recebe a maior atenção porque é a resposta é imediata.

Posso dizer que nunca deixei de receber atenção, seja no bar. seja na calçada. Acho que produzo alo diferente, que chama a atenção, sempre no rock and roll, que é a minha paixão.

Nunca passei fome, mas foi por pouco. Várias vezes a família ficou no limite. Não posso jamais deixar de admirar o esforço do meus pais, dentro dos limites da pobreza, em evitar a falta de comida. Havia comida, por mais dificuldades d que tínhamos, e isso nos empurrou para a frente.

No entanto, não foram poucas as vezes em que pedíamos e não recebíamos, por absoluta impossibilidade financeira. Quantas vezes passei vontade de tomar um sorvete ou uma latinha de guaraná. Muitas vezes não dava...

Tudo isso faz tempo. Era um tempo idílico, mas difícil. A escola era um refúgio, mas ainda assim complicado porque a escassez era uma constante em uma família pobre em que uma mãe costurava o dia inteiro e um pai se desdobrava em dois empregos como porteiro.

A educação musical só veio graças a uma igreja evangélica, que fornecia o ensino e os instrumentos - a contrapartida, infelizmente, era a doutrinação religiosa e o dogmatismo, mas disso é possível se libertar - e foi o que aconteceu comigo e minha irmã.

Foi na igreja que aprendi a tocar guitarra e teclado e a ter noção do que significa solidariedade acima da caridade. O rock, por mais irônico que seja, veio por meio da religião, e foi dessa forma que aprendi que a fome não tem hora e não tem rótulo precisa ser saciada e debelada.

A igreja ficou para trás, a vida seguiu em frente, mas a solidariedade jamais me abandonou. Quando percebo que o mundo piorou demais em 2022 e que os índices de pobreza explodem em um mundo onde há fartura, a sensação de fracasso inunda a minha vida de forma inerente.

Minhas banda de rock nunca foram para a frente, mas a dupla com minha irmã baixista e guitarrista me mantém na música. faz cinco anos que mantemos uma pizzaria delivery em um bairro da periferia da zona norte. Ganhamos o suficiente parta nós e para sustentar um pequeno projeto assistencial pra alimentar algumas famílias.

Hoje são 33 milhões de pessoas no Brasil que passam fome. são 13 milhões de desempregados. A vida piorou demais por conta da pandemia agravada por um governo federal incompetente e incapaz de elaborar uma política econômica minimamente decente para minimizar o sofrimento de uma população que vê esvair a sua renda. É um governo que odeia os pobres.

Não me tornei um músico profissional pleno, mas consegui que me arte amadora propiciasse algum conforto e alguma possibilidade de amenizar o sofrimento de quem passa fome. Ajudei demais algumas ONGs que distribuem comida nas madrugadas frias de São Paulo. 

Já ajudei o padre Julio Lancelotrti a distribuir comida na zona leste de São Paulo. Parece que estamos enxugando gelo, mas ainda assim continuamos, porque é inconcebível que alguém passe fome ou ue tenha de "morar" na rua. 

Toco Beatles, Rolling Stones, Mutantes, Paralamas, Legião, e faço uma pizza bem razoável, mas n~çao consigo não chorar quando vejo reportagens na televisão retratando o aumento e a piora da fome na cidad de São Paulo. Há dez, quinze anos, não era assim e parecia que havia um futuro.

Hoje o futuro que existe cai até amanhã, sempre na dependência de uma doação ou de haver mais comida do que o normal no lixo das casas e dos restaurantes.

Talvez nunca seja o suficiente o que fazemos para amenizar a fome, mas a questão é que precisamos de um futuro, precisamos de uma perspectiva. Não a temos, infelizmente. Eu quero parar de alimentar necessitados, seja por respeito, seja por uma questão básica de evolução.

Eu quero parar de exaltar o padre Julio, porque quando isso acontecer é sinal de que a fome diminuiu e que o número de sem teto diminuiu ou sumiu.

Eu queria parar de chorar todas as vezes em que a polícia massacra as pessoas na Cracolândia. Eu queria parar de chorar quando uma criança pede esmola ou vende balas a R$ 1. 

Eu queria parar de chorar quando as crianças empurrar de lado um instrumento musical porque precisam sair correndo pra ajudar a mãe a conseguir um resto de comida de amanhã.

No livro "Quarto de Despejo", a escritora Carolina Marina de Jesus (1914-1977) descreve o desespero de acordar rodas as manhãs, na antiga favela do Canindé, na zona norte de São Paulo, sem saber se conseguiria alimentar os três filhos pequenos com o que conseguisse vender dos papéis e latas que recolhesse das ruas e dos lixos.

Sessenta anos depois, as coisas estão piores, em situação mais desesperadora em várias cidades do país. Minha guitarra chora, assim como eu, e as perspectivas são as piores possíveis, por mais que um governo diferente, e melhor, possa ser eleito.

Não consigo parar de chorar.

sexta-feira, 24 de junho de 2022

O blues inovador de Filippe Dias

 Filippe Dias é um daqueles músicos batalhadores que topam tocar o tempo todo. O paulista apaixonado por blues, soul e rhythm and blues leva seu som refinado e seus fraseados limpos e elegantes para a rua, por exemplo, e adora. Tinha espaço cativo na avenida Paulista, em São Paulo, aos domingos, perto de uma das saídas da estação Trianon-Masp do metrô, quando a via é interditada para lazer.

Sem rodeios, permanecia com seu trio o dia inteiro, alternando versões eletrizantes de clássicos do blues e do rock e suas composições do até então único trabalho autoral, o EP "Borderline". Com sets de 35 a 40 minutos, juntava uma aglomeração de respeito em todas as entradas.

E então veio a pandemia de covid-19 trancando todos em casa. A solução foi investir nas lives, nos shows intimistas gravados e nas composições do que viria a ser "Dias", seu primeiro álbum.

O investimento de tempo e recursos, com tempo de sobra para refletir e burilar, resultou em um trabalho estupendo. Detalhista e instrumentista de bom gosto, não economizou na hora de despejar todas as suas influências.

O blues rock que tanto chamou a atenção dos aficionados na avenida Paulista e nos vídeos da internet explode já primeira música, "Don't Bother Calling", encharcada de feeling e com uma guitarra chorosa e bem timbrada. Difícil não lembrar do norte-americano Joe Bonamassa e do inglês Danny Bryant.

"Don't You Hear (Your Poor Lover Calling)?" segue a mesma toada, mas desta vez o blues remete ao groove negro dos norte-americanos Eric gales e Gary Clark Jr. A guitarra deliciosa e manhosa se esparrama por riffs tortuosos, com um solo portentoso que traz mais referências - Warren Haynes, do Gov't Mule.

Na sequência a coisa desacelera, mas fica ainda melhor no longo e dramático blues "Brother, Brother", com uma pegada de Neil Young no começo e depois descambando para uma sequência de riffs dramáticos e climáticos em quase dez minutos de extremo bom gosto.

O tom muda em "You Don’t Know How it Feels", que tem arranjos que deixariam Marvin Gaye orgulhoso. É uma canção simples, uma balada soul precisa e que traz elementos de "Fool", outra balada, que está no EP de estreia de Dias. 

O bom gosto permanece em "Turn the Lights On", agora um rhythm and blues "maneiro" e moderno, com arranjos sutis e bem encaixado. A guitarra ao estilo soft jazz é o ponto alto. E o jazz predomina nos arranjos de "Give It Time", bem anos 70, com um órgão Hammond que faz toda a diferença.

"Stitching Out Love" retoma o rhythm and blues setentista esbanjando talento e sofisticação em mais uma balada, enquanto que "We Went to the Moon" investe em um clima sessentista à la Beatles. é a menos blues e menos impactante - tinha de haver uma assim entre tanta coisa legal. O efeito de banjo em uma das sequências de cordas é uma boa sacada.

A grande surpresa do álbum "Dias" foi reservada para a trilogia de encerramento, com canções mais acústicas e diferentes, cantadas em português e passeando pela folk music e MPB. É o ápice do bom gosto, como na sequência de abertura da instrumental "Decolagem", com um piano suave e delicado que lembra bastante as suíte de cunho erudito de Emerson, Lake & Palmer.

O piano faz a emenda perfeita para "Singularidade", que esbanja delicadeza em uma letra romântica, que ganha uma interpretação comovente embalada por arranjos de cordas expressivos - é quase o encontro da bossa nova com o compositor norte-americano George Gershwin. Os temas orquestrais do finbal são igualmente belos.

Falta a guitarra, já que se trata de um disco de guitarrista e vocalista? Falta, mas quem se importa com isso diante da beleza da canção e dos arranjos? Por acaso alguém sentiu falta de guitarra e bateria em "Eleanor Rigby" ou "She's Leaving Home", dos Beatles? Longe de fazer qualquer comparação indevida, o princípio é o mesmo.

O violão entra imediatamente ao final, na emenda com a canção seguinte, "Barquinho", que envereda mais ainda por um clima de bossa nova, mas de inspiração new bossa, digamos assim - aquela que recauchutada com competência por bandas inglesas dos anos 80. 

É um desfecho inusitado para um disco de blues, mas que exalta a versatilidade e o ecletismo de um instrumentista e compositor de altíssimo calibre. "Dias" é um disco imenso, daqueles que redimem e elevam o espírito. Uma curiosidade: o single lançado no começo do ano, "Till I Get Her Back Again", ficou de forma, de forma inexplicável...

Produzido, gravado e mixado por Amleto Barboni, ótimo guitarrista de blues que também assina os arranjos orquestrais, "Dias" foi masterizado por Brian Lucey (Doyle Bramhall II, The Black Keys, e Arctic Monkeys), em Los Angeles.

Em declarações ao site da rádio 89 FM, de São Paulo, Filippe Dias explicou que existe um certo conceito que perpassa toda a obra, ainda que as músicas sejam diversificadas e diferentes.

"Eu comecei a ver que todas as músicas que eu fazia, de alguma maneira, estavam ligadas com questões de relacionamento, mas sobretudo com as coisas que se desenvolvem dentro de um período de tempo", disse o guitarrista.

Dessaa forma, percebeu que tudo estava conectado a um período de mudanças. "Estava rolando um link das coisas que escrevia com as mudanças que estavam acontecendo. A partir disso, tive a ideia de que esse disco poderia falar do tempo, da impermanência das coisas, e de como elas se transformam e a gente se transforma junto."




https://www.youtube.com/watch?v=r9DsdBwTmjc

https://www.youtube.com/watch?v=gbdL6Hzfjcw

'Dehumanizer', 30 anos: a terceira chance perdida pelo Black Sabbath

 Com a grande chance desperdiçada em 1982, ninguém mais apostava no Black Sabbath, que capengava cm discos apenas razoáveis e um cantor esforçado, mas que emulava Ronnie James Dio. Tony Martin foi o grande responsável por manter a banda em pé e na ativa depois dos fracassos de Ian Gillan, Glenn Hughes e Ray Gillen nos vocais.

Os discos da era Martin non final dos anos 80 são bons, mas longe da genialidade de um "Volume 4" ou "Heaven and Hell". As vendas eras fracas e o dinheiro, escasso, enquanto o prestígio caía sem parar. Os gigantes agora abriam festivais para bandas novas e, frequentemente, ruins.

Sem medo de praticar injustiças e traições, Tony Iommi finalmente deu o sinal verde para que empresários negociassem a volta de Ronnie James Dio após a intermediação do baixista Geezer Butler. Ele e Dio tinham feito as pazes em 1989 e o baixista até deu uma canja em um show solo do vocalista.

Para lembrar: Dio substituiu Ozzy Osbourne em 1979 no Black Sabbath, gravou dois ótimos discos e um ao vivo, mas os egos colidiram e a briga com o guitarrista Tony Iommi e o baixista Butler foi feia. Dio e o baterista Vinny Appice deixaram o Black Sabbath em 1982, antes do lançamento de "Live Evil".

Não foi uma negociação fácil. Dio ainda tinha muitas mágoas e, por mais que a carreira solo estivesse perdendo um pouco do fôlego, ainda assim dava para seguir em frente. 

Enquanto isso, o vocalista Tony Martin e o baixista Neil Murray ficaram sabendo que estavam demitidos sem serem avisados oficialmente, em um constrangimento geral que nunca preocupou Tony Iommy.

Foram duas conversas sérias entre o cantor e o guitarrista. Pareciam ter acertado os ponteiros no final de 1991 e assim, no começo de 1992, veio a bomba: a encarnação do Black Sabbath do começo dos anos 80 estava de volta, com gravação de novo álbum e turnê mundial - que começaria no Brasil no meio do ano.

As aparências engaram por pouco tempo. Dio começou a rever sua participação quando soube que o baterista seria Cozy Powell, amigo de Iommi e com longa carreira em grandes bandas. Os dois tocaram juntos no Rainbow, de Ritchie Blackmore e não se deram bem.

Havia um impasse, que foi resolvido pelo acaso. Powell era apaixonado por carros velozes e equitação. Durante o lazer em uma hípica, na Inglaterra, o cavalo que montava se desequilibrou e o derrubou. Pior, caiu em cima dele. Powell fraturou a bacia e ficaria imobilizado por meses. 

Como negócios são negócios, Iommi substituiu o (ex-)amigo e teve de se render à pressão de Dio: chamou Vinny Appice para o projeto, meio a contragosto.

Velha química

O entrosamento no estúdio voltou rapidamente e Dio se tranquilizou com achegada de Appice. E "Dehumanizer", o disco, surpreendeu pela extrema qualidade e pelo gás com que os quatro encararam o projeto - mais uma vez com a participação, como músico de apoio, de Geoff Nicholls, tecladista/guitarrista e baixista.

O disco vendeu muito bem, embora menos do que o esperado, mas recolocava o Black Sabbath de volta ao jogo dez anos depois do desastre na mixagem de "Live Evil", que causou  separação.

Dio se comportou bem e topou mudar a forma de escrever as letras - diminuiu a fantasia e o terror, investindo mais em temas mais atuais à época, como a tecnologia e ameaças políticas. "Computer God", o primeiro single, teve execução maciça em emissoras de rádio, assim como "Time Machine", que acabou incluída na trilha sonora do filme "Wayne's World" ("Quanto Mais Idiota, Melhor")

São duas canções fortes e muito pesadas, onde os riffs nada ficam a dever a clássicos dos discos "Heaven and Hell" (1980) e "Mob Rules" (1981). "Computer God" impressionou por conta da introdução tribal de bateria e pela letra quase apocalíptica. "Timer Machine" era veloz, quase thrash metal, com um trabalho vocal ótimo.

Outros destaques do álbum era a densa "I" e a dramática "After All", com seus riffs estupendos e um solo bem bacana que elevava a canção a alto patamares.

Em termos musicais "Dehumanizer" tinha tudo para recuperar parcialmente o prestígio da banda e poderia ter sido um ponto de recuperação dos bons tempos do começo dos anos 80. No entanto, Ozzy Osbourne e Tony Iommi se uniram para estragar todos os planos. 

A turnê pelos Estados Unidos caminhava para o final e a banda foi surpreendida pela decisão de OPzzy de anunciar a sua "aposentadoria" da música. Para isso, faria dois grandes concertos de "despedida" na Califórnia em novembro de 1992 com alguns convidados, entre eles os antigos companheiros de Black Sabbath. Surpreendentemente, Iommi e Butler aceitaram, assim como o semiaposentado Bill Ward, o baterista original.

 Furioso, Dio encontrou a desculpa que precisava para pular fora. Recusou-se a participar da festa e anunciou que estava saindo da banda, obrigando o Black Sabbath a recorrer aos favores de Rob Halford, que tinha saído do Judas Priest.

O Black Sabbath tocou nos dois dias logo antes da banda de Ozzy, para encerrar as noites trocando quatro músicas com o antigo vocalista. - tudo isso virou um CD duplo ao vivo.

Reunião da formação clássica e uma nova banda

Como todos sabem, a aposentadoria de Ozzy não durou nem dois anos, tanto que em 1995 ele fechou o Monsters of Rock de São Paulo. Inacreditavelmente, Black Sabbath chamou novamente Tony Martin para cantar nos álbuns "Cross Purposes" (1994) e "Forbidden" (1995), discos apenas razoáveis e que tiveram pouca repercussão.

Diante de tanta confusão, era inevitável que alguém propusesse uma reunião da formação clássica do Black Sabbath, já que Ozzy saíra da aposentadoria. O cantor exigiu que Iommi repartisse os direitos sobre o nome da banda e então uma turnê americana, com shows posteriores na Europa, foram marcados para 1997, que renderam o CD duplo ao vivo "Reunion", que continha duas músicas inéditas gravadas em estúdio.

Também de forma surpreendente, as coisas correram bem até 2005, quando Ozzy comunicou que retomaria a carreira solo e que dificilmente se reuniria com a banda antes de 2008 ou 2009.

Essa decisão coincidiu com a preparação de uma coletânea do Black Sabbath da fase Dio. O cantor já tinha reatado a amizade com Geezer Butler novamente que fez a ponte com Iommi para que os três compusessem três músicas novas para a coletânea.

Não demorou muito para que os três anunciassem um novo retorno daquela formação, com o mesmo Vinny Appice na bateria. O problema era o nome: Ozzy vetou o uso de Black Sabbath, obrigando a alteração para Heaven and Hell, ou seja, uma banda nova com cheiro de 30 anos atrás (na época).

Entre 2007 e 2009 o grupo lançou um disco e estúdio e outro ao vivo e, aparentemente, as coisas seguiam nos trilhos, por mais que relatos de jornalistas e prestadores de serviços informassem que havia um clima estranho quando da passagem deles pelo Brasil em 2009. 

Quis o destino que, desta vez, a interrupção da terceira encarnação ocorresse por motivos de saúde. Dio descobriu um câncer no estômago e as atividades foram paralisadas. O tratamento durou apenas quatro meses, e o cantor morreu em abril de 2010, aos 67 anos de idade.

"Dehumanizer" foi um álbum importante, pois quase fez renascer a mística dos gigantes do heavy metal. Mais uma oportunidade desperdiçada em um momento em que o metal estava acossado pelo grunge e precisava, mais do que nunca, de um retorno triunfante de um nome forte. Fez história não pela sua qualidade, mas porque representou nova oportunidade perdida.



Jazz, blues e afins: a sutileza e a densidade de Stefano Moliner e Charles Soulz

Em pleno desenvolvimento de mais uma edição do In-Edit - Festival Internacional de Documentários Musicais -, onde a ordem é  curtir música para ver e ouvir, alguns artistas estão se especializando muito que podemos dizer que é "música para ouvir e sonhar". O maior expoente é o blueseiro Edu Gomes, de São Paulo, que também compõe canções do espectro new age.

Dois outros estão trilhando esse caminho no jazz e n rock progressivo e cometeram dois álbuns extraordinários: o paulista Stefano Moliner e o carioca Charles Soulz.

Moliner é um respeitadíssimo baixista com atuação na capital paulista e no ABC (Grande São Paulo). Lançou seu segundo disco, "Apotheosis", em que o jazz de vanguarda se mistura com tendências progressivas com resultados ótimos.

Antigo músico de heavy metal em São Paulo, com passagem pela ótima banda Acid Storm nos anos 80 e 90, migrou progressivamente pata o jazz e a MPB clássica, tornando-se referência no Estado. "Comecei com heavy metal, depois fui mudando para o rock progressivo, depois para Milton Nascimento, Jobim até chegar no jazz. Essa alteração foi uma escalada natural, talvez em busca sempre de novas cores”, contou Moliner em entrevista ao site Cuco Station.

"Quando ouvi John Coltrane pela primeira vez senti nele toda a paixão que há no rock, junto à toda profundeza e 'infinitude' que sempre busquei e que sequer sabia ser possível existir, foi amor pleno", concluiu.

"Apotheosis"  é um olhar diferente para diversos sentimentos e sensações. Guarda muita semelhança com os trabalhos do guitarrista Edu Gomes, só que também avança para o lado experimental com extremo bom gosto.

Com o sexteto que o acompanha afiado, passeia por diversas linhas de jazz e estabelece altos padrões de linguagem em linhas de baixo instigantes, como na faixa-título, que curiosamente tem o nome em português, "Apoteose".  Há muitas boas ideias em frases rápidas e pegajosas, mas o tom é de experimentalismo como se fosse uma grande jam session.

Por ser um disco de baixista, o instrumento está proeminente, mas não domina os ambientes. Os espaços são preenchidos por ótimos riffs de guitarra e saxofone, como na delicada "Estrela da Manhã" ou na enigmática "Naturante".

"Anima Mundi" trafega por um lado mais tradicional e progressivo, com algumas frases mais exuberantes e até agressivas para mergulhar no mundo oriental nas ótimas "Pralaya" e "Maitreya Namaskar", com óbvia inspiração na cultura indiana.

Com produção simples, mas eficiente, "Apotheosis" consegue um raro equilíbrio entre a ousadia e o bom gosto, tanto nos timbres como nos ataques e linhas melódicas. Como condutor das ações, o baixo de Moliner soa denso, preenchendo os espaços de forma a não "castrar" a criatividade do sexteto.

Charles Soulz Project é um dos nomes em alta do rock brasileiro desde o ano passado, quando lançou "Split Mind", seu melhor disco até então. O tecladista, compositor, produtor e multi-instrumentista coloca agora no mercado uma versão instrumental do álbum, reforçando a primeira impressão: é um trabalho extremamente bem feito e qualificado.

É metal progressivo na essência, mas como é um disco conceitual os detalhes logo explodem nas caixas de som. Com a participação de mais de 20 músicos, não é exagero dizer que há semelhanças, em termos de estilo, com o projeto alemão Avantasia ou com o brasileiro Souspell.

No trabalho original o personagem principal é Rhode, que perde os pais em incêndio na própria casa. A cada faixa – sete no total –, o ouvinte conhece um pouco mais da personalidade do protagonista e os fatos que estão por trás da tragédia que tirou a vida de seus pais.

"Split Mind", a música que intitula a obra, tem mais de 20 minutos e pode perfeitamente ser associada a grandes momentos do Dream Theater, por exemplo, como a memorável faixa "Metropolis". 

É um trabalho de fôlego, com várias passagens e mudanças de andamento que tiram o fôlego do ouvinte. No instrumental, e um trabalho de tal densidade que surpreende em todos os sentidos. 

Se as participações especiais de vocalistas dão um colorido magnífico na obra original, as versões instrumentais ressaltam o caráter mais dramático da história como se fosse uma trilha sonora de um grande filme. 

Guitarras e teclados duelam de forma inteligente e talentosa, conduzindo as ações e mesclando as partes mais agressivas e as mais cadenciadas, obtendo resultados muito interessantes, principalmente em "Borderline" e "Digital Kingdom".

Com mais de 20 anos de carreira, Soulz tocou por muito tempo na banda Imago Mortis, que teve seu auge no começo dos anos 2000 - ainda é integrante d abanda. Foi parte imprescindível no álbum "LSD" (2018), o melhor da carreira do Imago Mortis.