É um novo tipo de blues, embora nem tão novo assim. As mulheres procuraram novidades para revitalizar o gênero com ideias diferentes baseadas em guitarras bem timbradas e temas diversos nos últimos três anos cinco anos e cinco delas se destacaram no período.
A inglesa Joanne Shaw Taylor ganhou novo fôlego e subiu de patamar com a ajuda do mestre Joe Bonamassa na produção; Annika Andersson e sua banda ousam um pouco mais ao investir no blues rock; e a texana Jackie Venson aposta em experimentalismos e mergulho em outros gêneros.
– Joanne Shaw Taylor é mais uma boa artista britânica a mergulhar na cultura americana de raiz e colher bons resultados, seguindo os exemplos bem-sucedidos de Eric Clapton, Van Morrison e U2, entre outros. Isso é resultado direto do trabalho com o maior nome do blues da atualidade, o guitarrista onipresente Joe Bonamassa, que resolveu se aventurar como produtor.
A guitarrista inglesa coloca na praça seu terceiro álbum desde 2021 – um deles ao vivo – e esbanja bom gosto na escolha do repertório e dos timbres de guitarra mais limpos.
Para os puristas e fãs mais radicais, a notícia não é boa. O som está mais pop e caindo para a country music em “Nobody’s Fool”, o recém-lançado disco.
“Won’t Be Fooled Again” é o maior exemplo desse direcionamento, e cm direito a uma participação muito especial de Bonamassa, de novo participando da produção. É uma canção pop pura, bem feita e bem executada, com um show de Bonamassa nos dois solos.
É curioso esse direcionamento sabendo que Bonamassa produziu o disco anterior da musicista inglesa, cm dos dois caindo de cabeça no blues americano de raiz, em um discaço. O direcionamento pop e country era um antigo anseio de Joanne, que nunca negou a admiração por uam série de artistas americanos.
“Just No Getting Over You” (Dream Cruise) é o retrato dessa admiração, em que passeia pelo cancioneiro pop com arranjos de extrema qualidade que jogam a música para cima e para frente em um country soul de primeira qualidade.
“Nobody’s Fool”, a canção, tem delicadeza e sofisticação na medida certa, seja na guitarra acústica que serve de base seja na guitarra manhosa e cheia de efeitos que ressalta a melodia.
No baladão country conduzido por piano e violoncelo (blo trabalho de Tina Guo) “Fade Away” Joanne se aproxima do gospel em clima intimista, enquanto que “Then There’s You” volta a ressaltar a delicadeza da interpretação em um ambiente mais controlado.
“Runaway” flerta com o folk com suas guitarras acústicas e um baixo distorcido que dá um outro aspecto a uma canção bonita e meio displicente, que destoa de certa forma das outras canções.
Outro convidado de peso abrilhanta o álbum – Dave Stewart, ex-Eurythmics, transforma em um pop classudo “Missionary Man”, que cairia muito bem na vo de Aretha Franklin. Sem os excessos na produção, Stewart domina tudo e imprime m aspecto de soul music em alguns arranjos.
Inusitada é a participação de Carmen Vandenberg, guitarrista da banda Bones e ex-colaboradora de Jeff Beck. Ela dá um colorido diferente para a acelerada “Figure It Out”, uma gema pop de inspiração oitentista. É uma canção simples e eficiente, a melhor desde curioso álbum, que tem todos os ingredientes da cultura roqueira britânica.
Por fim, temos a canção que talvez seja a marca registrada do álbum. “New Love” é um achado pop que remete ao que de melhor os grupos femininos dos anos 60 produziram, com coros e segundas vozes cativantes, e uma linha mellódica grudenta e alto astral.
Se alguém queria blues, é melhor ir buscar disco anterior, “The Blues Album”. Assim como outras guitarristas e cantoras de blues rock, como a australiana Orianthi, opção por mudanças não atendeu a necessidades artísticas de mercado, mas pura e simples vontade de explorar novos mundos. Embute riscos, mas as recompensas são gratificantes. Mais uma vez Taylor fez um grande trabalho.
– Há bandas que transformam o estúdio em playgound e se divertem para valer naquilo que na maioria das vezes é trabalho, e dos pesados. Gov’t Mule é um exemplo e isso transparece no resultado final de um álbum.
Essa impressão também é verdadeira m relação à cantora Annika Andersson, que consegue resgatar um clima festivo de anos 70, bem ao estilo da baixista e cantora Suzi Quatro- a postura e a voz lembram muito essa diva dos anos 70.
“Playing in a Rock’n Roll Band” é creditado a Annika Andersson & The Boiling Blues Band, mas estamos falando mesmo e de rock poderoso e fervoroso, daqueles gostoso de ouvir em uma tarde ensolarada romandon uma boa cerveja.
Indo com muita facilidade do blues ao hard rock, a banda equilibra peso e feeling com muita qualidade e competência, ou seja, é uma legítima banda de boteco, como podemos ver no boogie contagiante “Every Little Thing”.
O hard come solto em “Hold Me One More Time”, enquanto o blues escorre com leveza e suavidade em “Learnt” e na purista “Do I Move You”, que é um daqueles temas de fazer chorar os durões da vida.
Os teclados são um show à parte, especialmene quando os timbres de órgão Hammond entram em cena, como em “Tonight”, “Old faithful” e “Going Out With a Bang”. O hard rock se apresenta na pesadas e vigorosas “Playing in a Rock’n Roll Band” e “She Will Take Your Love”.
Para encerrar, um blues arrasador e que demole as paredes, ao estilo de Gov’t Mule e Stevie Ray Vaughan. “Sweating in My Kitchen” é escorregadia, malemolente, manhosa e extremamente prazerosa de ouvir. Um encerramento ótimo para um disco bacana e surpreendente.
– Jackie Venson é uma guitarrista texana que é muito talentosa e versátil. Ignora padrões e conceitos e grava o que quer da forma que quer, ao estilo da baixista esplendorosa Esperanza Spalding.
“Love Transcends” é um disco de blues, mas é tão versátil e tão surpreendente que pode perfeitamente ser considerado uma obra experimental com tantos recursos utilizados.
‘Rollin’ On”, por exemplo, é uma beleza de blues movido a guitarra e piano, escorrendo feeling por todos os poros. “See What You Want” é um blues pesado e eficiente, daqueles que tiram sorrisos dos taciturnos.
Com o instrumento semiplugado, ela dá um show de interpretação nas ótimas “On Step Forward” e “Til This Pain Goes Away”, com dedilhados precisos e fraseados invejáveis, feitos com tanta facilidade que chega a irritar.
“Always Free”, seu maior hit, ganha uma versão mais contida e sossegada, o que realça a sua condição de extraordinária intérprete. negra como Jimi Hendrix, é frequentemente comparada a ele, o que a lisonjeia, mas nem tanto por cnta do excesso de obviedade na comparação.
Seja como for, ela não pode negar a influência, assim como a de outro gênio, Eric Gales, principalmente na grooveada canção “Cover My Eyes”, que contém um solo extraordinário de guitarra com um timbre diferente e instigante.
E tem também funk, daqueles de fazer Sly Stone se orgulhar. “Fall of the USA” tem um balanço irresistível, com fraseados cativantes e riffs ganchudos que ganham a adição de uma linha de baixo de responsabilidade.
O funk permanece na faixa-título, mas com um groove mais voltado para o rock, com uma guitarra mais passada e ousada, que permeia a canção como uma cama aveludada para a voz estonteante de Jackie Venson.
O disco está menos pesado do que os anteriores, mas é o mais intenso e diversificado. É a melhor versão da guitarrista texana, em todo o seu esplendor.
– Som despretensioso, curioso e muito agradável. Diane Adams acertou de novo ao lançar uma coleção de canções fortes e pesadas, mas sem avançar o sinal – ou seja, é pesado, mas nem tanto, sendo acessível na medida certa.
Diane & The Deductibles é uma típica banda de hard rock do Meio Oeste norte-americano, que absorve influências diversas e evita cravar uma sonoridade única. Passeia pelo hard californiano, mas festivo, incorpora o suingue texano e o som mais áspero da Costa Leste.
Foi assim no bom álbum “Two” e ficou ainda melhor no recente “Three Feet Six Apart”. Está um pouco mais pesado, só que o blues também aparece com mais frequência e o resultado é bem interessante.
A banda é recente, mas os músicos são veteranos e muito experientes. A formação tem Diane Adams (vocais e guitarra, ex-Studio Singer), Cliff Rehrig (baixo, ex-Air Supply), Robert Sarzo (guitarra, ex-Hurricane), Keith Lynch (guitarra, ex-colaborador de Bill Ward, baterista do Black Sabbath) e Ronnie Ciago (bateria, ex-Riverdogs).
Como tudo na banda é equilibrado, os vocais de Diane se destacam pelo comedimento. nada de excessos e nem de virtuosismo. A ideia é que ressaltar a qualidade das boas canções e acentuar o tom bluesy do do grupo. seu timbre vocal lembra em alguns momentos Natalie Merchant (ex-10.Maniacs) e Beth Hart.
Curiosamente, a abertura do disco, com “Let’s Live”, remete aos bons momentos do Whitesnake dos anos 70, com seus riffs bacanas de guitarra e vozes dobradas.
“Say What You Mean” traz a banda de volta ao cenário ianque com um groove característico do hard americano. É onde Diane se sai melhor com uma variação de tipos vocais que são cehios de referências.
Não é um disco dedicado a hits, mas se tem um que se encaixa no conceito é “Hold On”, uma canção pop na medida certa sem perder a pegada roqueira. Os arranjos de guitarra tornam o ambiente bastante agradável a ponto de lembrarmos aqui de Stevie Nicks e os melhores momentos do Fleetwood Mac dos anos 70.
“Darkness” e ‘”Never Say Goodbye” são outros estaques do álbum. As guitarras dominam, mas Diane Adams consegue imprimir o acento pop mais acessível e torná-las cativantes sem descambar diretamente para o pop.
Vale uma menção a “Next Breath”, talvez a mais acelerada e roqueira, e aqui há nítida influência do cantor americano Bob Seger. É rock dos bons e muito bem feito.
– Rory Block é uma guitarrista de blues de raiz, da mesma estirpe de Bonnie Raitt e Susan Tedeschi. Toca muito, mas nunca superou aquilo que se pode chamar de timidez artística, que ela mesma chama de discrição necessária para tocar a vida. Toca blues e adora ocar por aí, mas sem que a fama “atrapalhe” a sua vida.
É uma opção, mas devemos lamentar, de certa forma, que trabalhos de qualidade lançados em mais de três décadas tenham um alcance penas nacional nos Estados Unidos, quando ela deveria ser ovacionada em todo p mundo.
“Ain’t Nobody Worried – Celebrate Great Women Songs” é o novo disco recheado de grandes canções passenado pelo blues, pela folk music e pela country music, em canções próprias e versões bem arranjadas. E dá-lhe violão com bottleck deslizando pelas cordas (tubinho de vidro ou de aço, no dedo mindinho da mão que digita no braço do instrumento).
O clássico “I’ll Take You There” de Mavis Staples e The Staples Singers, por exemplo, ganhou uma versão notável, que rejuvenesceu a canção, que é um clássico soul dos anos 60.
As homenagens às divas negras dos anos 60 permeiam todo o álbum, em arranjos semiacústicos de raro bom gosto. Gladys Knight ressurge em todo o seu esplendor em uma versão deliciosa para “Midnight Train to Georgia”, com uma sensibilidade extraordinária.
O conceito do álbum é realmente de homenagem, sem conotações feministas ou de qualquer tentativa de empoderamento feminino – e não haveria problema se houvesse. É que a leveza das execuções das músicas nos leva a outro direcionamento. É para celebrar, como na ensolarada versão de “My Guy”, de Mary Wells: violão econômico e seu firulas, deixando que a doce voz de Rory Block conduza a melodia.
A ótima Tracy Chapman é exaltada em seu maior clássico, “Fast Car”, em uma versão muito reverente e próxima à original.
A mesma coisa ocorre com outro clássico mundial, “You’ve got a Friend”, da imensa Carole King, mas a situação muda em “Dancing in the Street”, de Martha and the Vandellas, que ganha uma versão mais quente, ainda que reforce um climinha de ingenuidade sessentista. Ficou muito bom.
Como um álbum de versões é muito interessante por se tratar de uma artista versátil ae muito talentosa que não se limitou apenas ao básico e tradicional. São quase 40 anos de carreira que fizeram uma diferença enorme na gravação e na escolha do repertório.