Julio Verdi - do blog Ready to Rock
Existe quase que um pragmatismo que a música-rock instrumental brasileira (e mundial) oferece um cardápio de difícil digestão auditiva, dada talvez à complexidade de arranjos, à conjunção de estilos e a priorização por vezes de longas execuções de passagens solo dos instrumentistas.
Felizmente, nos deparamos com diversos álbuns desse segmento que soam maravilhosamente acessíveis e deliciosamente consumíveis, se assemelhando (e até superando) a trabalhos de bandas, digamos, convencionais. É o caso do disco “10 Anos!”, da banda Medusa Trio, de Santos (SP).
A banda, formada atualmente por Milton Medusa (guitarra), Fábio Ferreira (baixo e backing vocal) e Luis Pagoto (bateria), lançou também em 2020 um single com as faixas “Peso Pesado” e “Milhas Azuis”.
Além do Medusa Trio, Milton participa ainda de vários projetos musicais, além de ter um trabalho solo, sobre os palcos do Brasil. O baixista Fernando Tavares foi quem registrou o contrabaixo do álbum e do single, e eventualmente, participa de shows do trio.
O álbum “10 Anos!” apresenta uma belíssima coesão nos caminhos sonoros das faixas apresentadas, passeando por várias tendências, rock, fusion, jazz, MPB. São 10 faixas, sendo que uma é uma releitura de “Trem Azul”, do compositor e cantor Lô Borges.
O disco abre com “Sábado de Sol”, levada por uma melodia alegre. Cozinha prática e linhas (licks/solo/dobras) de guitarra cativantes. Na sequência, “Ondas Rolando o Mar” onde um saudável acento pop dá base para uma levada de licks no melhor estilo Satriani.
“Guitarras Brasileiras” abre com um fraseado suave semiacústico na intro, ganha boa dose de peso, alternando momentos mais tranquilos e densos. A seguir, “Anos 70”, com sua levada swingada. Encontro do blues com o fusion.
Incursões de elementos de jazz em algumas passagens da bateria. Um breve tempo para um bem colocado solo de baixo. “O Blues do Rock” – Riffão encorpado (no melhor estilo Zeppelin), com a cadência do blues-rock como diz o título. Deliciosamente intensa.
“Libertadora”, na sequência, vem com uma bateria precisa abre a faixa, que flerta com um hard mais moderno, com uma brecha para um breve aceno de cordas ao prog-AOR. Depois, “Ganhar e Perder”, única faixa com vozes do álbum, a cargo de Willie de Oliveira (ex- Rádio Taxi). Até por isso tem uma certa faceta de sua ex-banda, soando com um agradável hard-pop.
“6 Cordas e Muitas Alegrias”, como o título já fiz, uma homenagem à guitarra, com solos de gente que é história pura do rock brasileiro, Robertinho do Recife, Sérgio Hinds e Mozart Mello e André Christóvam. Um belíssimo encontro do Medusa com seus e nossos heróis da música brasileira.
A seguir, “Trem Azul”, versão instrumental para música de Lô Borges, onde o trio foi muito feliz nos arranjos. Com certeza Lô aprovou com louvor. E pra fechar o trabalho, “Blues do Medusa”, faixa que já havia sido inclusa no EP da banda de 2009, a faixa lida com os solos em vários campos durante toda sua execução.
O Ready bateu um papo com Milton Medusa, que nos contou um pouco da trajetória da banda e suas produções.
Ready to Rock - O Medusa Trio lançou seu álbum “10 Anos!” em 2017. Hoje a banda já conta com 16 anos de estrada. Como foi essa trajetória da banda até agora?
Milton Medusa - Bem, a banda começou através de um convite do SESC de Santos para fazermos uma temporada num projeto instrumental e isto não foi algo planejado. Então, tudo foi acontecendo naturalmente e posso dizer que o nosso início foi acima da média, pois logo participamos por duas vezes do Programa do Jô, na Rede Globo, e daí seguimos sempre com o trabalho instrumental e acompanhando artistas renomados, em paralelo. Tocamos com Xandra Joplin, Wander Taffo, Frejat, Serguei, Percy Weiss, Mozart Mello e Willie de Oliveira, entre outros.
RR - As faixas do disco “10 Anos!” foram compostas ao longo dos anos ou próximo da gravação?
MM - Cerca de cinco composições e a versão para “O Trem Azul’, de Lô Borges, já tocávamos em shows há alguns anos e o restante foi criado na pré-produção do álbum, que se iniciou oito meses antes da gravação do álbum.
RR - A variação do repertório do álbum, explorando vários caminhos da música rock (blues, fusion, hard) eu diria ser o ponto forte do disco. Você como compositor de todas as faixas, tem algumas que gosta preferencialmente?
MM - Obrigado por essa observação! Esta variação para nós também é natural, pois gostamos da dinâmica que isto nos dá, tanto nos shows quanto no álbum. Além disso, como autor das faixas, não gosto de ficar limitado à uma única vertente e ainda tem o fato de tocarmos em diversos projetos diferentes, com o trio ou não, o que conta muito neste ponto. Claro, como autor, gosto de todas, mas a minha preferida é a música “Libertadora”, pois me representa muito e foi composta numa fase de mudanças na minha vida particular, sendo que na parte musical penso ter conseguido reunir elementos de hard e progressivo que gosto muito.
RR - Você conseguiu a participação de simplesmente uma constelação de músicos do Brasil no álbum. Robertinho do Recife, Sérgio Hinds e Mozart Mello e André Christóvam. Como foi feito os convites e a reação deles?
MM - É verdade e isso é um motivo de muita satisfação! Todos estes artistas são músicos que admiro há décadas e tenho a felicidade de ter me relacionado com eles de alguma forma, ao longo deste tempo. Mozart e André foram meus professores de guitarra; o Hinds é parceiro em alguns projetos e eu participei de alguns shows de Robertinho de Recife, em 2016. Quis valorizar esta contribuição coletiva e compus uma música chamada “6 Cordas & Muitas Alegrias”, com partes distintas para cada convidado, de acordo com as suas principais características. Vale citar que o tecladista Fernando Cardoso (ex-Violeta de Outono), tocou o órgão Hammond em algumas faixas e na “Ganhar e Perder”, que é a única música cantada do álbum, temos o vocal do nosso velho parceiro Willie de Oliveira (ex-Rádio Táxi) e Daril Parisi (ex-Platina), nos backing vocals.
RR - A banda lançou em 2020 um EP com as faixas “Peso Pesado” (soa mais atrevida e pesada, dentro do fusion-prog) e “Milhas Azuis” (experimental, melodic-fusion). Há planos para um novo álbum do trio em breve?
MM - Muito legal suas observações novamente! Este EP foi gravado momentos antes da pandemia e quebrou a sequência natural de lançamento, com divulgação e shows. Então, fizemos poucos shows presenciais e queremos tocar mais ao vivo antes de voltar ao estúdio, ainda neste ano, se Deus quiser.
RR - Eu pude ver o show da banda recentemente no SESC. As músicas do álbum ganham uma vida sutilmente mais forte ao vivo. Como você vê essa diferença?
MM - Essa diferença se dá por sermos um power trio e algumas dobras que fazemos em estúdio, tem que ser compensadas com uma execução mais vigorosa ao vivo. A nossa proposta é realmente essa, de tocar forte e pesado ao vivo, respeitando os arranjos e dinâmicas de cada composição.
RR - Falando em show, como tem sido as apresentações da banda pós pandemia, e como o grupo se virou durante ela?
MM - Tem sido uma alegria reencontrar os nossos amigos nos shows e fazer novas amizades, também! Creio ser um momento de celebração, após tantas perdas e privações que tivemos. Fizemos o que foi possível neste período, vendendo merchandising e trabalhando muito em aulas e cursos. Também participamos de alguns editais de fomento à cultura, juntos ou individualmente.
RR - O Medusa já se apresentou no Programa do Jô. Como foi aquela apresentação e quais frutos a banda colheu com ela?
MM - Logo no nosso primeiro ano de atividade, surgiu o convite para acompanharmos a saudosa Xandra Joplin em shows e no Programa do Jô, na Rede Globo de Televisão. Com o sucesso desta apresentação, o próprio apresentador nos convidou para retornarmos e apresentar o nosso trabalho próprio, fato que até hoje é um grande cartão de visitas e nos deu muita credibilidade para prosseguir na estrada, em diversos projetos ao longo destes anos. Em outubro de 2007, aparecemos por duas vezes em rede nacional neste programa, o que era algo raro!
RR - Como você sente o interesse pela música instrumental no Brasil?
MM - Costumo dizer que todos gostam de boa música independentemente de estilo e é só ter oportunidades para comprovar isto. Temos um circuito pequeno e restrito, mas acho que o legal seria mesclar mais o instrumental com bandas consagradas, por exemplo. Fizemos o show de abertura do Ira!, em 2018, no SESC Birigui com o ginásio lotado (1.300 pessoas) e fomos muito bem recebidos. É um caminho trabalhoso, mas gostamos muito do estilo e seguimos em frente.
RR - Você, enquanto músico, participa de vários projetos, formações, e acompanha muitos outros músicos. O Medusa Trio é sua banda prioritária?
MM - Sim. É a minha prioridade. Acontece que quando iniciei o projeto, já tinha uma carreira bem sucedida como músico, seja tocando em bailes e eventos, violão e voz ou acompanhando cantores (as) e continuo nesta atividade paralelamente, na medida do possível.
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