Marcelo Moreira
Era previsível que desinformação e preconceitos se juntassem nas abordagens dos principais veículos de mídia na questão das investigações das bandas de black metal brasileiras envolvidas com o nazismo. Nem mesmo o bom jornalismo d TV Globo escapo
O programa “Fantástico”, do dia 26 de janeiro, abriu a reportagem sobre o tema com “O som do ódio” para classificar a “música violenta adotada por bandas de heavy metal vinculadas a grupos neonazistas”.
A reportagem mencionava várias investigações que acabaram com grupos neonazistas, centrando na prisão de um cidadão de Almirante Tamandaré (PR), que disseminava conteúdo nazista, em especial música black metal de várias bandas brasileiras.
Mesmo que a própria matéria trouxesse depoimento de um professor universitário especialista em sociologia que estuda o fascismo e é fã de metal dizendo que é errado associar as duas coisas automaticamente – nazismo e black metal – o estrago estava feito.
Esse subgênero do metal e “subsubgêmero” do rock é brutal e violento, mas associá-lo ao ódio político, ideológico e social é um enorme equívoco – e acontece de forma deliberada por seres execráveis e de caráter deformado, que abusam da desinformação e da ignorância. Existe uma raiva intrínseca, mas de forma conceitual, contra dogmas e toda as religiões.
Claro que tudo isso foi ignorado pelo “Fantástico”, que forçou a barra para reforçar o caráter “violento” do heavy metal e suas variantes. Ficou caracterizado que o tal do “black metal é o som do ódio e do preconceito”.
O som do ódio? O black metal, assim como o rock, surgiu para contestar e incomodar. É uma variante mais extrema do heavy metal, com mais agressividade que death metal, investindo contra as religiões e doutrinas de comportamento, principalmente contra o cristianismo.
A banda inglesa Venom, meio sem muita intenção, criou a vertente com o lançamento do álbum “Black Metal”, fazendo uma música feroz, velos, agressiva e muito pesada, blasfemadora, repulsiva, revolucionária e, dependendo do ponto de vista, vanguardista.
Como acontece em muitos segmentos das artes, da cultura e da política, o black metal foi apropriado no final dos anos 80 por grupelhos e seitas escandinavas que eram nacionalistas e anticristãs. Usaram o black metal como trilha sonora e veículo de expressão.
Muitos dos adeptos destes grupelhos era músicos simpatizantes do fascismo e de variados graus de nacionalismo. Os neonazistas aproveitaram e se infiltraram nos grupelhos e politizaram a coisa toda.
A partir de então, a violência política e social tomou conta, com espancamentos, agressões e depredações – na Noruega, igrejas foram queimadas entre 1990 e 1993. Foi neste ano que a situação fica fora de controle, com assassinatos entre músicos e radicais rivais.
Um dos crimes que colocou as forças de segurança da Noruega no encalço dos radicais envolveu dois membros da banda Mayhem. O líder, Euronymus, era uma espécie de mentor intelectual de muitos desses radicais e acabou assassinado por Varg Vikernes, recém-saído da banda e criador do Burzum.
Vikernes foi condenado e cumpriu pena de 20 anos em presídio. Hoje está livre, mas continua tocando no Burzum e espalhando lixo fascista m sua música.
Mesmo com desbaratamento dos radicais escandinavos, a peste se espalhou pela Rússia, pela Polônia, pela Grécia e pela Alemanha, inicialmente, e o black metal foi adotado por neonazistas como trilha oficial, ao lado de vertentes mais pesadas do punk..
No Brasil, esse lixo parecia estar restrito a meia dúzia de idiotas, mais por ignorância do que por convicção. Entretanto, desde 2019 se multiplicam células neonazistas no Brasil – a Abin (Agência Brasileira de Informações) e a Polícia Federal já identificaram mais de 50 em operação.
Como se viu na operação em Almirante Tamandaré (PR), há uma certa organização entre esses dejetos humanos, com a produção, divulgação e distribuição de música black metal feita por bandas com integrantes simpatizantes do nazismo.
É mais um caso de apropriação cultural e política de termos ou estilos para fins escusos. É um processo semelhante ao que ocorreu com a camisa amarela da sagrada seleção brasileira de futebol, sequestrada pela extrema-direita fascista (redundância!) do país.
É compreensível que haja escorregadas e que a fama do black metal – trilha sonora do ódio e da extrema direita – se sobressaia. Contudo, é preciso mais rigor na divulgação desse tipo de informação para que isso não esteja a serviço dos extremistas e dos disseminadores de fake news.
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