segunda-feira, 14 de setembro de 2020

O 'novo normal' com lives e drive-ins é pavoroso e coloca o futuro em xeque

 Marcelo Moreira


O novo normal será bem longe de um boteco para tomar uma cerveja, dentro de um carro para tentar assistir a um espetáculo ou no conforto anódino e insípido de um sofá ou poltrona para ver uma inútil e desanimadora live qualquer.

Esse futuro tira o sono de muitos artistas e promotores de espetáculos. Se toda uma cadeia desmoronou por conta da pandemia de coronavírus, não há perspectiva de que tenhamos algo muito alentador pra substituir o que foi perdido. 

Na verdade, não há nada que possa substituir a emoção de assistir in loco a uma apresentação qualquer, mesma que seja na rua.

Se há quem fique feliz com o resgate de uma tradição sepultada há décadas - ainda bem -, como no caso dos drive-ins, outros apostam que tais formas de "espetáculos distanciados" vão corroer a essência da arte, acabando com qualquer interatividade.

As lives acabaram sendo um paliativo, mas estão longe de proporcionar algo realmente válido em termos de aproveitamento cultural e educativo. 

Da mesma forma que estudantes perdem muito nas aulas por meio de computador e celulares, o público deixa de absorver o que a arte tem de mais valioso, que é a troca de energias entre artistas e espectadores. Até que ponto este distanciamento vai destruir a arte?

Qual é o sentido de ver um show de metal dentro de um carro, em um drive-in? Como sentir a intensidade de um riff de guitarra ou um solo, daqueles tão pesados que parecem um soco na cara? Curtir isso dentro de um carro? No máximo sentir o baixo pulsante dar uma tremedinha no vidro...

Primeiros a sentirem o impacto devastador da covid-19 e, certamente, os últimos a se recuperarem da crise gigantesca, os profissionais do segmento de cultura, artes e entretenimento não conseguiram ainda traçar estratégias viáveis de negócios pós -pandemias ou alternativas de remuneração que ao menos garantam alguma subsistência.

De forma triste, mas compreensível, empresários do setor já admitem que drive-ins em estádios de futebol, com ingressos muito caros, e as lives sobreviverão por muito tempo. É uma distopia assustadora.



Para a maioria dos artistas que se arriscaram em lives, as que deram certo, ou seja, que arrecadaram algum dinheiro substancial estiveram ligadas a patrocínios de grandes empresas. Ou seja, só grandes nomes conseguiram se dar bem nessa história.

É o caso da empresa Diventi, que disseminou esse recurso, torando a live um produto estratégico para artistas e marcas. Em parceria com a Ambev, promoveu o "Circuito Brahma Live", com mais de 250 eventos realizados e mais de 500 milhões de visualizações, segundo as duas empresas. A quase totalidade desses números se referem a artistas da área sertaneja.

"Os números reforçam a relevância do sertanejo. Além dos recordes de visualização, esse novo formato de mídia com as lives entregou um volume considerável de doações, além de altíssima conversão e engajamento para marcas", aponta Gui Marconi, sócio e diretor de conteúdo da Diverti.

Segundo ele, a Diverti movimentou em três meses mais de R$ 20 milhões entre patrocínios, ativações, cachês e contratação de influenciadores digitais. Ame, Riachuelo, Movida, Minerva, e Shoptime estão entre as marcas parceiras que, junto à Diverti e à Ambev, também apostaram nas transmissões ao vivo.

Infelizmente, a qualidade da música foi o que menos contou na definição dos agraciados, algo nada surpreendente neste tipo de iniciativa e de mercado.

A Diverti também divulgou uma pesquisa própria de mercado sobre o comportamento do consumidor durante a pandemia. E um dado chama a atenção: 56% dos participantes pagariam para assistir a um evento de forma online.

Marconi afirma que a rentabilização é um caminho a ser avaliado, ao mesmo tempo em que a abrangência do conteúdo transmitido gratuitamente é exponencial. "Ainda há muito a ser explorado dentro deste novo universo. Vai ser interessante desbravar o que temos pela frente."

Convenhamos, não é um futuro animador. O mesmo público que despreza os artistas novos e se recusa  apagar por CDs e livros é o mesmo que admite pagar por esse tipo de evento digital insípido, inodoro e incolor, ao mesmo tempo em que não se importa em desembolsar muito, mas muito dinheiro para ver artistas internacionais populares - e ruins - nacionais e internacionais ao vivo.

Os hábitos de consumo do brasileiro que supostamente aprecia e frequenta e aprecia espetáculos diz bastante sobre o estado de coisas atual, antes e depois da pandemia.

É a cultura desprezada em tempos bolsonaros - e não é à toa que o nefasto presidente conta com amplo apoio entre sambistas e sertanejos. Entre os roqueiros, lamentavelmente, também não é pequeno.

Mesmo em pouco tempo, quatro meses, o estrago feito pelo vírus na economia mundial é colossal. Não deu tempo para estudar direito o que fazer e como se virar diante de tamanho desafio.

O que podemos perceber é que, pelo que estamos vivenciando hoje, não há perspectivas factíveis e dque deem algum alento para a cultura, arte e entretenimento em um futuro próximo.

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