Flavio Leonel - do site Roque Reverso
Def Leppard e Mötley Crüe se apresentaram na noite da terça-feira, 7 de março, no Allianz Parque, em São Paulo. Para um público aquém do esperado, merecido e condizente com a carreira de ambas as bandas, os dois nomes gigantes do hard rock mundial entregaram bons shows, repletos de efeitos visuais interessantes e caprichados, além de uma qualidade sonora impecável.
Sem a chuva que vem marcando o verão paulistano em 2023 e que até caiu na cidade no período da tarde, o público não precisou se deparar com os contratempos climáticos que chegaram a ser temidos durante o dia e os grupos se apresentaram sem este empecilho.
Tradicionalmente recebendo públicos médios na casa de 45 mil pessoas desde a sua inauguração em 2014, o Allianz Parque, pela baixa procura de ingressos, recebeu as duas bandas com menos da metade de sua capacidade, que é oficialmente de até 55 mil pessoas.
Apesar da disponibilidade de ingressos para os quatro setores tradicionais de shows (Pista Premium, Pista, Cadeira Superior e Cadeira Inferior) desde o início das vendas, chamou a atenção logo de cara a ausência de público na Cadeira Superior, além de o Palco ter ficado praticamente no meio do campo do Allianz Parque, o que não era esperado por quem está acostumado a cobrir shows no local.
O palco no meio do gramado lembrou um pouco o cenário do ótimo show do Depeche Mode no mesmo local em 2018, com o detalhe que, naquela apresentação, o palco ficou ligeiramente um pouco mais à frente do meio campo e o público divulgado foi de 25 mil pessoas.
Nos shows de Def Leppard e Mötley Crüe havia, com certeza, menos gente que na apresentação do Depeche Mode, já que, além do espaço da Cadeira Superior estar vazio, havia também espaços livres nas curvas do setor de Cadeiras Inferiores.
Por sinal, apesar de o ambiente não estar lotado, com o palco adiantado para o meio do campo, quem entrou na Pista Vip pela Avenida Francisco Matarazzo (pelo lado esquerdo do palco de quem assiste ao show), teve momentos e sensações de aperto para se locomover. Do lado direito do palco, contudo, havia uma distribuição melhor, observada especialmente no show do Def Leppard.
Fatores e erros para um público abaixo do esperado e merecido
Tocar neste assunto nem sempre é algo fácil, mas muitas vezes necessário para que decepções não se repitam. Mas é sempre importante uma análise do histórico das bandas no País para escolher um local como a Arena do Palmeiras para receber duas bandas que nunca atingiram um público grande na capital paulista sozinhas.
O Def Leppard já havia tido uma experiência nada positiva com público nos Anos 1990. Para quem não sabe ou não se lembra, o grupo veio ao Brasil para passagens pelo Rio e São Paulo em 1997. A turnê em questão era do álbum “Slang”, que fugia um pouco do som que consagrou mundialmente a banda nos Anos 1980. O grupo tinha um show marcado para o Rio de Janeiro e dois para São Paulo.
A despeito de aquela ter sido a primeira vez da banda no País, a passagem por aqui foi considerada um fiasco histórico, como poucos vistos no Brasil. No Rio, o show reuniu apenas cerca de 250 pessoas. Em São Paulo, uma das apresentações precisou ser cancelada pela baixa procura de ingressos e a outra contou com um público muito aquém do desejado no saudoso Olympia.
Organizadores, banda, fãs e jornalistas nunca chegaram a uma conclusão final sobre o motivo daquele fiasco. Uns atribuem a vergonha passada ao fato de o grupo nunca ter passado pelo Brasil e a consequente falta de cultivo de fãs. Outros apontam o fraco álbum lançado como culpado.
O Def Leppard só chutaria este fiasco histórico para longe em 2016, quando tocou no ótimo festival São Paulo Trip. Na ocasião, em grande show, o grupo se apresentou para um público de cerca de 40 mil pessoas, com o detalhe de ter aberto para o headliner Aerosmith.
O Mötley Crüe, por sua vez, tocou em São Paulo uma única vez, em 2011, para um público que cabia no antigo Credicard Hall. Havia em 2023 toda uma expectativa em torno do retorno da banda depois do anúncio da aposentadoria, mas o público presente no Allianz Parque, que, por sinal, era de mais fãs do grupo do que do Def Leppard, não foi capaz de repetir cenários vistos nas turnês fora do Brasil.
O fato de os shows terem sido marcados para uma terça-feira à noite (o show do Mötley Crüe foi marcado para o ingrato horário das 19h30 numa cidade como São Paulo) foi citado por alguns como fator negativo. Mas, uma semana antes, também numa terça e com chuva forte, uma banda mais nova, como o Imagine Dragons, levou mais gente ao Allianz Parque, sendo a atração isolada principal, em show que começo no horário das 20h30.
O preço dos ingressos, num período no qual as pessoas ainda estão pagando as contas salgadas de início de ano, também foi apontado como fator. Nem mesmo a promoção de venda feita de “2 por 1” nas últimas semanas foi capaz de elevar o público de maneira significativa.
Dois dias antes dos shows, ainda era possível ouvir na maior rádio de rock paulistana promoções raras de sorteios de 3 ou 4 pares de ingresso, em vários programas, para a Pista Vip.
O fato é que houve fatalmente uma aposta dos organizadores num público maior do que aquele visto no Allianz Parque. Com o dólar ainda na casa dos R$ 5,00 (muito por conta ainda do nefasto governo anterior, da pandemia e da guerra na Ucrânia), também é muito importante entender como é difícil a vida de quem se prontifica a trazer atrações internacionais ao Pais. Com os cachês dos grupos na moeda norte-americana, o cenário é, por exemplo, muito mais desafiador do que nos tempos anteriores aos da pandemia.
Mötley Crüe traz a festa do hard rock
Decepções com público à parte, quem foi ao Allianz Parque presenciou bons shows de rock de dois nomes gigantes do hard rock mundial. Primeiro a tocar, o Mötley Crüe promoveu a festa do estilo e entregou aquilo que seus fãs de carteirinha almejavam.
Com um set list que abordou diversos momentos da carreira, a banda norte-americana trouxe uma série de hits que empolgaram o público.
O show marcou também a estreia no Brasil do guitarrista John 5. Ele substituiu o cofundador Mick Mars, que sofre de doença degenerativa há 40 anos e que anunciou aposentadoria em 2022.
Competente e talentoso, John 5 substituiu à altura Mick Mars e foi o destaque em qualidade musical entre os quatro músicos da banda, que começou a apresentação com a boa música “Wild Side”, seguida por “Shout at the Devil” e “Too Fast for Love”.
Há anos esperando o retorno do Mötley Crüe para São Paulo, público degustou cada momento do show com felicidade e empolgação.
Depois de “Don’t Go Away Mad (Just Go Away)” e “Saints of Los Angeles”, a banda trouxe mais peso com “Live Wire” e “Looks That Kill”, que estiveram entre as melhores execuções da noite.
Importante destacar o importante trabalho das duas backing vocals, que, além do apoio de voz, dançavam e davam um toque de “femme fatale” ao show, com muita sensualidade e alta performance.
Essa estratégia já havia sido vista no bom show que o Mötley Crüe realizou no Rock in Rio 2015, quando tocou na mesma noite do Metallica. Um ponto importante que foi visto no festival carioca não observado em São Paulo em 2023 foram as labaredas e efeitos pirotécnicos, tão marcantes em alguns dos momentos de impacto do show no festival fluminense.
Em São Paulo, tal qual o observado na turnê atual, os telões com efeito de alta qualidade fizeram o papel de prender a atenção do publico.
Após um solo de guitarra de John 5, o Mötley Crüe trouxe uma medley de sucessos do rock, que, entre outros hits, contou com clássicos, como “Helter Skelter”, dos Beatles, “Anarchy in the U.K.”, do Sex Pistols, e “Blitzkrieg Bop”, dos Ramones.
A agitação trazida pela série de covers deu lugar ao “momento-balada” com o clássico “Home Sweet Home”, que fez o Allianz Parque ser tomado por luzes de celulares, num efeito já tradicional e sempre bacana visto nos estádios e arenas.
A parte final do show foi mais uma sucessão de hits. “Dr. Feelgood” e seu peso tradicional, talvez, tenha sido a melhor execução da noite e “Same Ol’ Situation (S.O.S.)” retomou o clima de festa do show.
Um dos maiores sucessos da banda “Girls, Girls, Girls” contou com bonecas gigantescas como cenário do palco, mas o vocalista Vince Neil comprometeu um pouco a performance, em fato parecido observado em “Primal Scream”.
Importante destacar que o Mötley Crüe tocou várias músicas num ritmo mais lento do que o original, numa sacada positiva para o fôlego de Neil. No Rock in Rio de 2015, a dificuldade dele em algumas faixas havia sido o ponto negativo da apresentação. Em 2023, em São Paulo, esse problema só foi notado mesmo em “”Girls, Girls, Girls” e “Primal Scream”.
A faixa “Kickstart My Heart” fechou a festa do Mötley Crüe na Arena do Palmeiras. Bem executada, ela ajudou a deixar a boa impressão entre os presentes, que ouviram elogios dos integrantes da banda e promessas de retorno.
Def Leppard traz desfile de clássicos com entrosamento impecável
A despeito de a maioria do público no Allianz Parque estar com camisas do Mötley Crüe, não houve uma debandada na apresentação do Def Leppard. Ciente de o quanto o grupo britânico é importante na história do rock, a plateia presenciou um desfile de clássicos, acompanhando de um entrosamento impecável dos músicos.
Em vez de um hit histórico, a banda optou pela abertura do show com a música “Take What You Want”, do álbum mais recente “Diamond Star Halos”, lançado em 2022. Apesar de não ter o apelo das grande músicas do grupo, ela funcionou bem ao vivo.
Após a faixa, começou o show de clássicos, com “Let’s Get Rocked”, “Animal” e “Foolin'”, respectivamente dos álbuns “Adrenalize”, de 1992, “Hysteria”, de 1987, e “Pyromania”, de 1983 .
“Foolin'”, que havia sido inexplicavelmente deixada de fora no show no mesmo Allianz Parque em 2016, foi um dos pontos altos da apresentação de 2023, tanto pela performance como pela importância, qualidade e empolgação dos fãs, vendo um dos maiores hits do hard rock tocados ao vivo e com fidelidade sonora empolgante.
A apresentação seguiu com “Armageddon It”, do álbum “Hysteria” e “Kick”, do disco mais recente, que também funcionou bem ao vivo, até melhor do que a faixa de abertura.
Eis que surge no site a ultra balada “Love Bites”, que já chegou a ganhar versão ultra brega da banda brasileira Yahoo!, mas que tem seu lugar na história do rock. Você pode até achar a versão original também brega por conta da letra, mas toda a parte instrumental e os backing vocals clássicos de Leppard são eternamente primorosos. E essa faixa traz exatamente isso, não sendo diferente no Allianz Parque.
Única faixa do disco “Euphoria”, de 1999, “Promises” foi muito bem executada, mas poderia ser tranquilamente trocada por algumas das faixas mais clássicas do grupo.
Outra música do mais recente álbum, “This Guitar” fez o vocalista Joe Elliott aparecer com a guitarra e apresentar toda a lendária banda ao público no limite da plataforma que vinha direto do palco até o meio da Pista Vip. Com a exceção do baterista Rick Allen, todos executaram a bela e lenta faixa ali mesmo, num momento muito intimista e interessante do show, que contou, na sequência, com a balada “When Love and Hate Collide”, do disco de greatest hits “Vault”, em forma acústica.
De volta ao palco principal, o Def Leppard emendou uma série de faixas de sua fase áurea daquele momento até o final do show, mesclando músicas dos álbuns “High ‘n’ Dry”, de 1981, “Pyromania” e “Hysteria”, que são itens obrigatórios para os fãs de rock pesado.
Do “Hysteria”, “Rocket” fez os backings vocais clássicos do Def Leppard serem acompanhados pelo grupo no refrão, em mais um show de entrosamento dos músicos. Primorosa, “Bringin’ On the Heartbreak”, do “High ‘n’ Dry” trouxe emoção ao nível máximo ao Allianz Parque e mais uma aula da banda, que ainda emendou a boa instrumental “Switch 625”, do mesmo disco, e foi seguida pelo solo de bateria do guerreiro Rick Allen.
Depois da sempre emocionante “Hysteria” e já com o jogo ganho, o Def Leppard trouxe o hit “Pour Some Sugar on Me”, que fez o Allianz Parque inteiro cantar e vibrar, em mais uma amostra de qualidade de hard rock.
Do “Pyromania”, “Rock of Ages” manteve a qualidade estupenda do show no nível máximo, num momento de hits que já valia cada centavo do ingresso caro e que fazia os presentes na arena se sentirem indivíduos privilegiados por estarem ali presenciado o show de alta qualidade.
Do mesmo “Pyromania” e com um efeito maravilho no telão com as fotos de toda a carreira do grupo, o Def Leppard encerrou sua participação com “”Photograph”, prometendo retornar ao Brasil.
Quem viveu a noite do hard rock no Allianz Parque naquela terça-feira saiu de lá com a sensação positiva de ter visto dois bons shows de duas grandes bandas. A despeito dos erros e acertos da organização já citados neste texto, o balanço geral foi muito mais para o lado positivo.
O Roque Reverso foi solenemente ignorado pela assessoria de imprensa no credenciamento para a cobertura do show. Mas quem vive em São Paulo e tem amigos que amam apresentações de grandes bandas sempre conta com a chance de ir ao show até o momento dele começar. Descolamos ingressos na manhã da terça-feira, presenciamos boas apresentações e não deixaríamos de escrever um texto sobre isso para nossos leitores, por mais que algumas assessorias joguem incrivelmente contra a imprensa, em vez de ajudá-la.
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