Flavio Leonel - do site Roque Reverso
O Ghost passou por São Paulo e trouxe na quinta-feira, 21 de setembro, show de qualidade e candidato para entrar na lista dos melhores de 2023. Para uma plateia empolgada e vibrante que lotou o Espaço Unimed, a banda sueca liderada pelo vocalista Tobias Forge mostrou que continua sua escalada nítida para a ampliação de seu sucesso, mais abrangente e capaz de conquistar públicos diversos.
Com cenários impecáveis e bem trabalhados, além da qualidade dos músicos, o grupo saciou uma multidão barulhenta e conhecedora, em sua maioria, de cada detalhe do repertório apresentado na casa de shows da zona oeste paulistana.
As músicas escolhidas contemplaram os cinco álbuns da carreira do Ghost e boa parte dos EPs da banda, que veio ao Brasil para tocar apenas em São Paulo pela turnê de divulgação do seu disco mais recente. “Impera” chegou aos fãs em março de 2022 e sucedeu o álbum “Prequelle”, de 2018.
O show do dia 21 de setembro trouxe repertório quase idêntico ao executado um dia antes, na quarta-feira, 20, na apresentação extra realizada no mesmo local, também com lotação máxima do Espaço Unimed.
Ironicamente, o show extra aconteceu antes da apresentação original, cujos ingressos se esgotaram rapidamente. Foram 8 mil pessoas em cada um dos dias para ver a banda sueca, o que mostrou a força atual dos liderados por Tobias Forge.
Abertura do Crypta
De maneira diferente da planejada, só houve banda de abertura na quinta-feira, com as já consolidadas meninas do Crypta. Na quarta-feira, apesar da expectativa pela apresentação do grupo nacional de death metal, o show foi cancelado por problemas de logística relacionado à montagem do palco do conjunto musical sueco.
O cancelamento decepcionou o público da quarta-feira, interessado em contemplar uma das bandas brasileiras de maior repercussão no cenário mundial do heavy metal atualmente.
Na quinta-feira, mantendo as performances recentes de apresentação elogiada por crítica e público no Brasil e no mundo, o Crypta causou boa impressão entre os fãs de uma banda com sonoridade diferente e era assunto nas rodas de conversa antes da subida ao palco dos comandados por Tobias Forge,
O público do Ghost
Chamou bastante a atenção da reportagem a parcela de jovens do público do Ghost. De maneira diferente da que costuma ser observada na cena atual do hard rock e das várias vertentes do heavy metal, havia uma participação maior de pessoas com menos de 25 anos do que a comumente vista em shows de grandes dinossauros do rock pesado.
A devoção destes mesmos fãs também não deixou de ser percebida. Desde as filas gigantes que se formaram já no período da tarde, tanto da quarta-feira como da quinta-feira, em volta do quarteirão do Espaço Unimed, até as vestimentas e maquiagens caprichadas para ficar em sintonia com o Ghost, foi bastante animador presenciar que uma banda de rock pesado formada na primeira década deste Século XXI conta com um público capaz de dar o suporte necessário para uma carreira que tem tudo para continuar seguindo dentro do sucesso.
Em tempos nos quais o rock vem perdendo adeptos da juventude para estilos mais comerciais e de qualidade discutível, é importante que exista um nicho considerável de pessoas para acompanhar uma banda que não pertence ao conjunto de grupos formados nas décadas de 70, 80 e 90 do século passado.
Por mais que o veterano Metallica ainda consiga trazer novos fãs à sua base sólida e seja ainda o grande símbolo de maior sucesso comercial no rock pesado, é importante ter novos grupos com um público tão fanático e envolvido com a obra da banda preferida.
Na quinta-feira, no Espaço Unimed, era possível encontrar garotas vestidas de freiras, além de garotos com vestimentas de padre, papa e até de frade. Tudo sempre acrescentado de maquiagens ao estilo iconoclasta e conceitual do Ghost.
A sensação é a de que a banda sueca consegue despertar entre os seus seguidores comportamentos e devoção semelhantes aos que o lendário KISS gerou no cenário do rock nos Anos 70 e 80 do século passado.
O show
A apresentação do Ghost começou com “Kaisarion”, do álbum “Impera”. Assim que a banda surgiu no palco, a reação ensurdecedora da plateia fez o Espaço Unimed tremer.
O calor gigantesco, gerado pela soma do local lotado com a ineficiência já clássica do ar-condicionado do Espaço Unimed, ficou em segundo plano. E todas as atenções ficaram voltadas para Tobias Forge & Cia.
Mas foi com o hit “Rats”, do disco “Prequelle”, de 2018, que a festa do Ghost tomou proporções maiores, levando o público aos primeiros sinais de êxtase da noite – e eles se repetiriam várias vezes a partir dali.
“From The Pinnacle To The Pit”, do álbum “Meliora”, foi a faixa que fez o set list da quinta-feira ter sido diferente do observado na noite anterior, quando “Faith”, do “Prequelle”, havia sido tocada.
Após o Ghost executar “Spillways”, também do “Impera”, foi a vez de trazer algo mais pesado e denso para o Espaço Unimed.
Os fãs mais ligados ao heavy metal tradicional foram então contemplados com a ótima “Cirice”, que tanto sucesso fez com o caprichado clipe de divulgação. Com riffs matadores executados por uma banda bem entrosada, a faixa foi um dos pontos altos de todo o show no quesito qualidade.
Se, no Rock in Rio de 2013, o Ghost foi alvo de críticas pelo “excesso teatral” e pela “falta de pegada” numa noite repleta de bandas pesadas e que teve como headliner nada menos que o Metallica, o ano de 2023 traz o grupo num momento que sabe dialogar com o rock mais pop, sem deixar o peso de lado.
Depois de manter os riffs em “Absolution”, do “Meliora”, a banda tocou nada menos que o clássico “Ritual” e foi impossível segurar o pescoço na parte mais pesada e empolgante da canção, que também trouxe momentos com o público pulando em sintonia, como mandam as cartilhas dos bons shows de rock.
Com três músicas seguidas que agitaram o público fortemente, foi a vez de o Ghost diminuir o ritmo, sem perder a qualidade. Na mais lenta “Call Me Little Sunshine”, do álbum novo, o público cantou junto com Tobias, que veio trajado de Papa Emeritus, no visual clássico que marcou a mente dos amantes do rock and roll quando o grupo surgiu, impactando o estilo musical. Mais um grande momento do show!
A plateia já estava ganha antes mesmo de o grupo subir ao palco, mas a qualidade do show, incluindo aí os cenários, valia cada centavo gasto para ver o Ghost. Chamou a atenção, por exemplo, o capricho dos vitrais de igreja, lembrando o cenário do Iron Maiden quando a banda costuma tocar “Revelations”.
Com tudo a seu favor, o Ghost encontrou espaço para trazer músicas dos primeiros álbuns. “Con Clavi Con Dio”, do disco de estreia “Opus Eponymous”, veio primeiro.
“Year Zero”, do segundo álbum, “Infestissumam”, veio logo após “Watcher in the Sky”, do disco novo. E chamou a atenção pela sonoridade pesada e pela letra lembrando o ser das profundezas.
No início da parte final do show, o Ghost trouxe, numa tacada, só as faixas “He is”, “Miasma” e “Mary on a Cross”, em três momentos distintos. Todos foram capazes de empolgar a plateia, tanto pelo vocais mais pop, mas com elevada qualidade, de “He is” e “Mary on a Cross”, como pela performance teatral diferente que trouxe a simulação de uma reanimação por defibrilador de um papa que acorda tocando saxofone.
“Mummy Dust”, do “Meliora” e “Respite on the Spitalfields”, do álbum novo, encerraram a primeira parte do show, sendo que esta última, talvez, tenha sido a única da apresentação que deixou a plateia um pouco menos participativa.
Na volta para o bis, o Ghost trouxe três hits que bombaram com clipes muito bem feitos: “Kiss the Go-Goat”, “Dance Macabre” e “Square Hammer”.
Com essa trinca, o Espaço Unimed, elevou o nível de empolgação à faixa máxima e a felicidade dos fãs presentes já era palpável.
Durante toda a apresentação, foi possível constatar o mesmo tipo de felicidade por parte da banda, numa apresentação no qual a sintonia com o público foi fundamental para a entrega de um show de alta qualidade.
O saldo final da apresentação do Ghost foi visto nas filas gigantescas para a compra das camisetas oficiais do grupo e de copos comemorativos do show. Todos pareciam querer levar para casa alguma lembrança daquela noite memorável em São Paulo.
As duas apresentações concorridíssimas na capital paulista reforçaram a condição da banda de grande expoente do rock pesado, capaz de conquistar públicos com hits.
Se Tobias Forge e seu grupo mantiverem a receita, o caminho natural do Ghost numa futura apresentação no Brasil, mais precisamente em São Paulo, será uma arena no estilo Allianz Parque. Depois do que foi visto no Espaço Unimed, seria este o caminho mais natural e adequado para shows futuros da banda por aqui. Essa é a torcida de quem gosta do bom e velho rock and roll e de grandes shows do estilo.
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