Só a Guerra
Civil Espanhola, que ocorreu entre 1936 e 1939, se compara à crise irlandesa em
termos de inspiração para obras de arte de todos os tipos no século XX, isso se
nos restringirmos apenas a conflitos locais.
“Essa não é
uma canção de rebeldia. Até quando iremos cantar essa canção?”, berrou o cantor
Bono antes da execução de “Sunday Bloody Sunday” em um concerto do U2 em Red
Rocks, o anfieteatro natural nas rochas
interior do Colorado, nos Estados Unidos.
Uma das
canções mais politizadas de todos os tempos, o hino do U2 faz alusão ao
assassinato de 14 pessoas por tropas britânicas no dia 30 de janeiro de 1972 na
cidade de Derry, na Irlanda do Norte. Eram manifestantes católicos desarmados
que faziam uma passeata pacífica contra a violência político-religiosa que tomava
conta das duas Irlandas e do Reino Unido.
O retorno da
violência na questão da Irlanda, em 1967, pegou o mundo das artes em Lena efervescência,
e o rock entrou de cabeça na disputa de narrativas na guerra entre católicos republicanos
contra protestantes-unionistas-monarquistas. Astros irlandeses como Van Morrison,
Gary Moore, Thin Lizzy, Bob Geldof e seus Boomtown Rats e o próprio U2 não
passariam incólumes à violência, assim como artistas de outros gêneros, como
The Dubliners, The Chiedtains, Clannad, Enya e Sinéad O’Connor, entre outros.
“Sunday
Bloody Sunday” é apenas a mais eloquente e desesperada manifestação de repúdio ao
sectarismo político-religioso que dominou o mundo no século passado – e que
ainda causa pavor e terror nos dias de hoje.
Terra conflagrada
Povoada por
tribis de origem celta de vários lugares da Europa, a Irlanda era uma terra de
fim de mundo nos tempos de Jesus Cristo e pouca atenção despertava. Quando os
romanos ocuparam a Inglaterra nos primeiros séculos depois de Cristo,
esbarraram na ferocidade dos povos pictos e escotos na terra chamada de
Caledonia – atual Escócia – tanto que construíram uma barragem de pedra chamada
de Muro de Adriano, hoje um marco de fronteira natural entre Escócia e
Inglaterra.
Impedidos de
dominar o norte da Grã-Bretanha, os romanos partiram para o País e Gales e para
a Hibernia, o nome latino da Irlanda. Com a partida dos romanos no século IV,
Irlanda e Gales viveram em paz por algum tempo por estarem longe dos reinos
anglo-saxões da Inglaterra, sempre ocupados em guerras contra os vikings
escandinavos e as tribos guerreiras escocesas.
Os
dinamarqueses ampliaram o domínio de parte da Inglaterra entre os séculos VI e
VIII e ocuparam a parte leste da Irlanda, ilha que ainda era dominada por
resquícios de tropas romanas que permaneceram e que espalharam o Cristianismo
pelo local.
Dominação escandinava
A partir do
século IX, os dinamarqueses foram progressivamente deixando a Grã-Bretanha e a
Irlanda, dando algum tempo de paz paras as ilhas e propiciando que os reinos
anglo-saxões (eram seis) iniciassem um longo processo de unificação que
formaria a gênese da Inglaterra moderna a partir do século X.
No entanto,
uma crise de governabilidade e de sucessão na dinastia saxã mudou a história
das ilhas. Em 1066, o rei Haroldo tinha conseguido a duras penas juntar um
exército mal armado para conter as invasões escandinavas no norte do país. Esse
desgaste deixaram o sul vulnerável à invasão das tropas francesas do nobre
Guilherme, o Normando, que reivindicava o trono inglês por conta de casamentos
com princesas saxãs.
Com um
exército remendado e cansado, o rei Haroldo combateu os normandos na localidade
de Hastings, a meio caminho de Londres, e morreu ao lado de quase todos os seus
homens. Guilherme, o Normando, se tornou Guilherme, o Conquistador, o primeiro
rei inglês da chamada era moderna,.e quase que imediatamente voltou os olhos
para a Irlanda.
O processo
de ocupação inglesa foi lento, mas progressivo entre 1100 e 1400, chegando ao
ponto de a coroa inglesa dividir toda a ilha da Irlanda entre 790 famílias de
nobres ingleses e escoceses – muitos historiadores consideram essa a raiz
primordial do conflito generalizado envolvendo ingleses e irlandeses.
Colônia inglesa
Se a união
entre Inglaterra e Escócia ocorreu pacificamente, primeiro por ter o mesmo rei
0 Jaime VII da Escócia virou Jaime I da Inglaterra porque a rainha Elizabeth I,
sai prima, não deixou herdeiros – e depois pelo tratado de 1707, a Irlanda
simplesmente foi anexada e tratada como colônia. Foi expropriada de quase todas
as suas riquezas.
Os nobres britânicos
foram perdendo progressivamente o interesse pelos campos pouco produtivos
irlandeses, arrendados a camponeses pobres locais, mas a expropriação colonial
continuava, precarizando ainda mais a vida na ilha.
Os colonos
que ainda restaram decidiram se concentrar no norte, o Ulster, que ainda se
mostrava promissor em termos de perspectivas econômicas. Logo as seis
províncias do norte se tornaram uma região de maioria protestante e de
descentes de ingleses e escoceses. O ressentimento dos pobres habitantes do sul
só aumentava.
Fome e êxodo
A coisa
piorou muito com a Grande Fome da década de 1850, que gerou um êxodo de mais de
1,5 milhão de irlandeses para Estados Unidos, Canadá, Austrália e Reino Unido.
As estimativas dão conta de que outras 500 mil teriam morrido diante da falta
de comida. No começo do século XX havia mais irlandeses fora do que na ilha;
A rebeldia
finalmente conta dos espíritos insulares estimulados pelos imigrantes que se
estabeleceram na Costa Leste americana, que exportavam ideias republicanas e
financiavam levantes e partidos políticos na parte sul, conhecida como Eire –
Irlanda, em gaélico, a língua nativa.
A partir de
1880 começaram os primeiros distúrbios envolvendo os republicanos católicos e o
governo colonial inglês. Os confrontos longo descambaram para as guerrilhas e
para o terrorismo, desencadeando uma realçai brutal dos britânicos, com
milhares de prisões e execuções,
Algumas
práticas hediondas em tempos de guerras começaram a ser gestadas na Irlanda,
como campos de concentração e de tortura, logo expandias para a África do Sil,
na guerra dos Bôeres (1899-1902) entre os colonos holandeses e os
admiistradorres coloniais ingleses.
Guerra civil e contínua
Depois de
uma brutal repressão, os republicanos se recolheram no interior e tramaram o
retorno das hostilidades a paritr de 1910. Aproveitando a eclosão da I Guerra
Mundial (1914-1918), os irlandeses católicos do sul praticamente iniciaram uma
guerra civil, que culminou com a tentativa de golpe e e expulsão dos britânicos
na Páscoa de 1916.
Com muito
custo e com a devastação de Dublin, a capital, os britânicos contiveram o
levante, mas viram o nacionalismo explodir com as pesadas retaliações, com
prisões em massa e execuções. Os ingleses transformaram Eamon de Valera e
Michael Collins, presos, em mártires e líderes de expressão internacional.
Com a
situação fora de controle, os britânicos tentara, iniciar algumas negociações
de paz e libertaram os lideres, mas o efeito foi o oposto: o nacionalismo ficou
mais exacerbado e a guerra civil explodiu em 1919.
Entregando
os anéis para ficar com os dedos, os britânicos admitiram que não tinham mais
como controlar a situação e propuseram aos principais líderes um processo de
paz que culminaria com a independência progressiva do país, excetuando-se as
seis províncias do Ulster.
Longas e
tensas negociações ocorreram até que chegou-se a um entendimento de que a o
processo de independência duraria alguns anos – fato que provocou o rompimento
entre Collins e De Valera, os principais líderes. Valera achou que Collins
tinha aceitado fazer concessões demais, inclusive ai não exigir a unificação
imediata com o norte.
Independência
O rompimento
provocou nova guerra civil, dessa vez entre os irlandeses, em 1921, com Michael
Collins assumindo o governo como primeiro-ministro e, depois, como chefe
militar com plenos poderes.. Toda essa história está retratada, com alguma
fidelidade, no filme “Michael Collins – O Prelo da Lberdade”(1996)m de Neil
Jordan, estreado por Liam Neeson, Aidan Quinn, Alan Rickman e Julia Roberts.
Curiosamente,
uma tragédia precipitou os fatos e antecipou a independência. Voltando de uma
viagem a sua cidade natal, Cork, no centro da ilha, em meados de 1922, a
comitiva presidencial de Michael Collins foi emboscada em uma estrada vicinal.
Collns foi morto com um tiro na cabeça.
O choque do
assassinato foi tão grande que a guerra civil praticamente acabou no dia
seguinte., provocando a união de todos os republicanos em conflito após o
funeral do líder morto, que levou mais de 200 mil pessoas às ruas.
A Irlanda
ganha o status de independente, nos mesmos moldes de Canadá e Austrália, sendo
país integrante da Comunidade Britânica de Nações e tendo o rei inglês como chefe
de Estado. Esse status acabou em 1949, com a República da Irlanda, a parte sul,
totalmente desvinculada do Reino Unido.
Terrorismo
As
hostilidades voltaram em 1967 por conta de choques entre católicos e
protestantes radicais do Uster que reivindicavam a a exclusividade do território do norte para eles. Eles eram maioria,
mas não esmagadora, e criaram tensão com os muitos católicos que decidiram
permanecer no Ulster.
Foram dois
os períodos mais violentos da retomada da violência – entre 1969 e 1975 e entre
1978 e 1993, com o terrorismo aumentando e choques graves nos arredores de
Belfast e Londonderry. Membro da família real britânica foram alôs de ataques,
assim como a primeira-ministra Margaret Thatcher, que teve uma suíte de hotel
explodida em 1984 no litoral inglês – ela estava em um comício na hora da
explosão.
O período foi
tema de outro filme extraordinário, “Em Nome do Pai” (1993), de Jim Sheridan,,
estrelado por Daniel Day-Lewis, Pete Postlethwaite e Emma Thompson
Diante de
quase 30 anos de violência e impasse, o IRA aceitou negociar um cessar-fogo em
1996 mediado pela ONU e pelo presidente amerricano Bill Ciinton. Várias facções
protestantes foram convencidas a depor as armas e a engrossar as negociações,
que culminaram com os acordos de 1999 em que os católicos ganhara representação
no Parlamento norte-irlandês e, entre outros benefícios.
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