sexta-feira, 23 de agosto de 2024

A sofrida e violenta história da Irlanda inspira grandes canções

 

Só a Guerra Civil Espanhola, que ocorreu entre 1936 e 1939, se compara à crise irlandesa em termos de inspiração para obras de arte de todos os tipos no século XX, isso se nos restringirmos apenas a conflitos locais.

“Essa não é uma canção de rebeldia. Até quando iremos cantar essa canção?”, berrou o cantor Bono antes da execução de “Sunday Bloody Sunday” em um concerto do U2 em Red Rocks, o anfieteatro natural nas rochas  interior do Colorado, nos Estados Unidos.

Uma das canções mais politizadas de todos os tempos, o hino do U2 faz alusão ao assassinato de 14 pessoas por tropas britânicas no dia 30 de janeiro de 1972 na cidade de Derry, na Irlanda do Norte. Eram manifestantes católicos desarmados que faziam uma passeata pacífica contra a violência político-religiosa que tomava conta das duas Irlandas e do Reino Unido.

O retorno da violência na questão da Irlanda, em 1967, pegou o mundo das artes em Lena efervescência, e o rock entrou de cabeça na disputa de narrativas na guerra entre católicos republicanos contra protestantes-unionistas-monarquistas. Astros irlandeses como Van Morrison, Gary Moore, Thin Lizzy, Bob Geldof e seus Boomtown Rats e o próprio U2 não passariam incólumes à violência, assim como artistas de outros gêneros, como The Dubliners, The Chiedtains, Clannad, Enya e Sinéad O’Connor, entre outros.

“Sunday Bloody Sunday” é apenas a mais eloquente e desesperada manifestação de repúdio ao sectarismo político-religioso que dominou o mundo no século passado – e que ainda causa pavor e terror nos dias de hoje.

Terra conflagrada

Povoada por tribis de origem celta de vários lugares da Europa, a Irlanda era uma terra de fim de mundo nos tempos de Jesus Cristo e pouca atenção despertava. Quando os romanos ocuparam a Inglaterra nos primeiros séculos depois de Cristo, esbarraram na ferocidade dos povos pictos e escotos na terra chamada de Caledonia – atual Escócia – tanto que construíram uma barragem de pedra chamada de Muro de Adriano, hoje um marco de fronteira natural entre Escócia e Inglaterra.

Impedidos de dominar o norte da Grã-Bretanha, os romanos partiram para o País e Gales e para a Hibernia, o nome latino da Irlanda. Com a partida dos romanos no século IV, Irlanda e Gales viveram em paz por algum tempo por estarem longe dos reinos anglo-saxões da Inglaterra, sempre ocupados em guerras contra os vikings escandinavos e as tribos guerreiras escocesas.

Os dinamarqueses ampliaram o domínio de parte da Inglaterra entre os séculos VI e VIII e ocuparam a parte leste da Irlanda, ilha que ainda era dominada por resquícios de tropas romanas que permaneceram e que espalharam o Cristianismo pelo local.

Dominação escandinava

A partir do século IX, os dinamarqueses foram progressivamente deixando a Grã-Bretanha e a Irlanda, dando algum tempo de paz paras as ilhas e propiciando que os reinos anglo-saxões (eram seis) iniciassem um longo processo de unificação que formaria a gênese da Inglaterra moderna a partir do século X.

No entanto, uma crise de governabilidade e de sucessão na dinastia saxã mudou a história das ilhas. Em 1066, o rei Haroldo tinha conseguido a duras penas juntar um exército mal armado para conter as invasões escandinavas no norte do país. Esse desgaste deixaram o sul vulnerável à invasão das tropas francesas do nobre Guilherme, o Normando, que reivindicava o trono inglês por conta de casamentos com princesas saxãs.

Com um exército remendado e cansado, o rei Haroldo combateu os normandos na localidade de Hastings, a meio caminho de Londres, e morreu ao lado de quase todos os seus homens. Guilherme, o Normando, se tornou Guilherme, o Conquistador, o primeiro rei inglês da chamada era moderna,.e quase que imediatamente voltou os olhos para a  Irlanda.

O processo de ocupação inglesa foi lento, mas progressivo entre 1100 e 1400, chegando ao ponto de a coroa inglesa dividir toda a ilha da Irlanda entre 790 famílias de nobres ingleses e escoceses – muitos historiadores consideram essa a raiz primordial do conflito generalizado envolvendo ingleses e irlandeses.

Colônia inglesa

Se a união entre Inglaterra e Escócia ocorreu pacificamente, primeiro por ter o mesmo rei 0 Jaime VII da Escócia virou Jaime I da Inglaterra porque a rainha Elizabeth I, sai prima, não deixou herdeiros – e depois pelo tratado de 1707, a Irlanda simplesmente foi anexada e tratada como colônia. Foi expropriada de quase todas as suas riquezas.

Os nobres britânicos foram perdendo progressivamente o interesse pelos campos pouco produtivos irlandeses, arrendados a camponeses pobres locais, mas a expropriação colonial continuava, precarizando ainda mais a vida na ilha.

Os colonos que ainda restaram decidiram se concentrar no norte, o Ulster, que ainda se mostrava promissor em termos de perspectivas econômicas. Logo as seis províncias do norte se tornaram uma região de maioria protestante e de descentes de ingleses e escoceses. O ressentimento dos pobres habitantes do sul só aumentava.

Fome e êxodo

A coisa piorou muito com a Grande Fome da década de 1850, que gerou um êxodo de mais de 1,5 milhão de irlandeses para Estados Unidos, Canadá, Austrália e Reino Unido. As estimativas dão conta de que outras 500 mil teriam morrido diante da falta de comida. No começo do século XX havia mais irlandeses fora do que na ilha;

A rebeldia finalmente conta dos espíritos insulares estimulados pelos imigrantes que se estabeleceram na Costa Leste americana, que exportavam ideias republicanas e financiavam levantes e partidos políticos na parte sul, conhecida como Eire – Irlanda, em gaélico, a língua nativa.

A partir de 1880 começaram os primeiros distúrbios envolvendo os republicanos católicos e o governo colonial inglês. Os confrontos longo descambaram para as guerrilhas e para o terrorismo, desencadeando uma realçai brutal dos britânicos, com milhares de prisões e execuções,

Algumas práticas hediondas em tempos de guerras começaram a ser gestadas na Irlanda, como campos de concentração e de tortura, logo expandias para a África do Sil, na guerra dos Bôeres (1899-1902) entre os colonos holandeses e os admiistradorres coloniais ingleses.

Guerra civil e contínua

Depois de uma brutal repressão, os republicanos se recolheram no interior e tramaram o retorno das hostilidades a paritr de 1910. Aproveitando a eclosão da I Guerra Mundial (1914-1918), os irlandeses católicos do sul praticamente iniciaram uma guerra civil, que culminou com a tentativa de golpe e e expulsão dos britânicos na Páscoa de 1916.

Com muito custo e com a devastação de Dublin, a capital, os britânicos contiveram o levante, mas viram o nacionalismo explodir com as pesadas retaliações, com prisões em massa e execuções. Os ingleses transformaram Eamon de Valera e Michael Collins, presos, em mártires e líderes de expressão internacional.

Com a situação fora de controle, os britânicos tentara, iniciar algumas negociações de paz e libertaram os lideres, mas o efeito foi o oposto: o nacionalismo ficou mais exacerbado e a guerra civil explodiu em 1919.

Entregando os anéis para ficar com os dedos, os britânicos admitiram que não tinham mais como controlar a situação e propuseram aos principais líderes um processo de paz que culminaria com a independência progressiva do país, excetuando-se as seis províncias do Ulster.

Longas e tensas negociações ocorreram até que chegou-se a um entendimento de que a o processo de independência duraria alguns anos – fato que provocou o rompimento entre Collins e De Valera, os principais líderes. Valera achou que Collins tinha aceitado fazer concessões demais, inclusive ai não exigir a unificação imediata com o norte.

Independência

O rompimento provocou nova guerra civil, dessa vez entre os irlandeses, em 1921, com Michael Collins assumindo o governo como primeiro-ministro e, depois, como chefe militar com plenos poderes.. Toda essa história está retratada, com alguma fidelidade, no filme “Michael Collins – O Prelo da Lberdade”(1996)m de Neil Jordan, estreado por Liam Neeson, Aidan Quinn, Alan Rickman e Julia Roberts.

Curiosamente, uma tragédia precipitou os fatos e antecipou a independência. Voltando de uma viagem a sua cidade natal, Cork, no centro da ilha, em meados de 1922, a comitiva presidencial de Michael Collins foi emboscada em uma estrada vicinal. Collns foi morto com um tiro na cabeça.

O choque do assassinato foi tão grande que a guerra civil praticamente acabou no dia seguinte., provocando a união de todos os republicanos em conflito após o funeral do líder morto, que levou mais de 200 mil pessoas às ruas.

A Irlanda ganha o status de independente, nos mesmos moldes de Canadá e Austrália, sendo país integrante da Comunidade Britânica de Nações e tendo o rei inglês como chefe de Estado. Esse status acabou em 1949, com a República da Irlanda, a parte sul, totalmente desvinculada do Reino Unido.

Terrorismo

As hostilidades voltaram em 1967 por conta de choques entre católicos e protestantes radicais do Uster que reivindicavam a a exclusividade  do território do norte para eles. Eles eram maioria, mas não esmagadora, e criaram tensão com os muitos católicos que decidiram permanecer no Ulster.

Foram dois os períodos mais violentos da retomada da violência – entre 1969 e 1975 e entre 1978 e 1993, com o terrorismo aumentando e choques graves nos arredores de Belfast e Londonderry. Membro da família real britânica foram alôs de ataques, assim como a primeira-ministra Margaret Thatcher, que teve uma suíte de hotel explodida em 1984 no litoral inglês – ela estava em um comício na hora da explosão.

O período foi tema de outro filme extraordinário, “Em Nome do Pai” (1993), de Jim Sheridan,, estrelado por Daniel Day-Lewis, Pete Postlethwaite e Emma Thompson

Diante de quase 30 anos de violência e impasse, o IRA aceitou negociar um cessar-fogo em 1996 mediado pela ONU e pelo presidente amerricano Bill Ciinton. Várias facções protestantes foram convencidas a depor as armas e a engrossar as negociações, que culminaram com os acordos de 1999 em que os católicos ganhara representação no Parlamento norte-irlandês e, entre outros benefícios.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário