Uma banda que só existia no palco. Como isso foi possível por 22 anos? Os Ramones desafiaram qualquer lógica na música contemporânea. Sujos, mas nem tão malvados, e rudimentares ao extremo, conseguiram se tornar uma marca fortíssima dentro do rock que poucas bandas alcançaram.
Há 45 anos o quarteto entrava no estúdio para usar poucas horas, gastando meros US$ 6 mil, para inaugurar, em termos fonográficos, o movimento punk e revolucionar a história da música.
Seu primeiro LP, "Ramones", foi gravado em fevereiro de 1976 e lançado dois meses depois. Tinha 14 músicas rápidas e curtas — a duração do álbum é de pouco mais de 29 minutos.
Ramones não é só sinônimo de um estilo, o punk norte-americano, mas também a marca de um estilo de vida – retrô, conservador, saudosista, mas ao mesmo tempo visceral e intenso, com uma urgência que os próprios músicos demonstraram em vida.
Foram 22 anos de pauleira e som, de primeira, o tempo necessário para causar e ir embora – os três principais integrantes, Joey Ramone, Johnny Ramone e Dee Dee Ramone morreram jovens, ao redor dos 50 anos de idade - o baterista da primeira formação, Tommy Ramone, se tornaria produtor do próprio grupo e morreria quase duas décadas depois dos amigos, com mais de 60 anos.
Os improváveis Ramones subverteram a ordem natural das coisas: não era necessário ser um virtuose ancorado por um produtor de nome e dinheiro farto para agradar uma parcela do público cansada de plasticidade e artificialismo que começava a dominar o pop rock da época, em 1974, ano em que o quarteto tomou forma.
Foi preciso que um grupo com quatro moleques quase iletrados e que mal sabiam tocar aparecesse para combater a megalomania de mercado em vias de explodir.
"O grupo só funcionava no palco. Ali havia respeito total entre os integrantes e a música falava mais alto. Fora dele era outra coisa", escreveu Johnny Ramone em sua autobiografia, "Commando".
Típica banda que cresceu naturalmente do nada, ainda assim as relações internas entre os músicos eram frias e até mesmo distantes.
Ao contrário de quase todas onde os integrantes se juntam muito novos, não havia companheirismo, apenas a vontade de ser escutado e de ter as músicas executadas no rádio. Mal sabiam que mudariam a história da música. As personalidades não só não combinavam como colidiam.
Johnny era arisco, mandão e centralizador, como Malcolm Young no AC/DC. Era o chefe e quem conduzia a banda com mão de ferro, mantendo-a unida, ainda que de forma frágil.
Não bastasse isso, era conservador política e socialmente até a medula
óssea, uma curiosidade no meio do rock. Joey era introspectivo, libertário,
romântico e sonhador. Dee Dee era o espírito livre e rebelde. Tommy, o primeiro
baterista, era detalhista, observador e amparar as placas tectônicas em
movimento.
Na verdade, as coisas deixaram de andar bem fora dos palcos de vez ao final da década de 70, quando a liderança de Johnny começou a ser contestada por Joey e Dee Dee – os mais prolíficos compositores – na questão dos direitos autorais.
A briga foi feia, até que Joey conseguiu o que queria: as músicas, antes
creditadas a todos os integrantes, independente de quem fosse o autor, agora
teriam crédito individualizado, ou seja, o quem compôs assinaria com seu nome,
e sozinho, se fosse o caso.
O guitarrista Johnny defendia o crédito único para evitar diferença de remuneração acentuada entre os integrantes. Um fosso se abriu entre os membros da banda, que cresceu ainda mais no começo dos anos 80, quando Johnny assediou a namorada de Joey por um ano, até que conseguiu que ficassem juntos – Linda, a moça em questão, ficou ao lado do guitarrista até a morte deste, em 2004.
Inconsolável e irado com a "traição", Joey nunca mais conversou com o companheiro de banda, além de ter ameaçado abandonar o grupo. Não o fez, inexplicavelmente, mas passou os anos seguintes destilando seu ódio e sua aspereza contra os dois em diversas composições assinadas por ele.
A fama crescia, a influência sobre o mundo também, mas as vendas nunca passaram de apenas razoáveis. Os Ramones eram mais idolatrados e reverenciados do que consumidos. Eram mais invejados e incensados do que valorizados pelo mercado.
Foram as diversas tentativas de tornar a música mais acessível, e uma sequência grande de produtores de vários perfis tentou capturar a essência do quarteto e levá-la para as massas.
Para a nossa sorte, seja com uma parede de arranjos imposta pelo produtor Phil Spector ou a minimalista e crua produção de Tommy Ramone, o som nunca fugiu da aspereza e a urgência punk que sempre os caracterizou.
Até mesmo músicas descaradamente pop, como uma versão para clássico "Needles & Pins", não tinham como escapar da marca ramone.
O fim da banda, em 1996, lembrou ao mercado que ainda existia espaço
para a simplicidade com criatividade, ao contrário do grunge, de cinco anos
antes, uma mera chupação do punk rock setentista britânico e do ambiente
garageiro da mesma década.
Surgidos há 47 anos, os Ramones foram mais do que necessários para nos lembrar que a música simples é a base de tudo, e que a busca pela emoção pode muito bem ser alcançada com meros três acordes.
Ok, Steve Howe, guitarrista do Yes, é zilhões de vezes melhor qualquer coisa que todos os Ramones juntos, assim como os tecladistas Rick Wakeman (Yes) e Keith Emerson (Emerson, Lake and Palmer), ou mesmo o guitarrista Robert Fripp (King Crimson).
No entanto, a magia da simplicidade (ou tosqueira, como queiram) ramone
era contagiante porque era sincera e instintiva. Poucos foram os artistas que
conseguiram tal coisa, com tanta competência, na história da humanidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário