terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Mesmo longe do brilho, Uriah Heep ousa tocar com paixão e vontade em novo CD

 O guitarrista inglês Mick Box costuma dizer que ele e sua banda, Uriah Heep, são um dos maiores sobreviventes do rock, seja pela longevidade, seja pela série de problemas e tragédias enfrentadas nos últimos dez anos, entre elas as mortes de dois integrantes, o baixista Trevor Bolder e o baterista Lee Kerslake.

Com poucos, mas bons álbuns neste século, o quinteto parecia se equilibrar entre a busca incontrolável pela relevância e a resistência física e artística. 

O que será que um grupo que beira os 55 anos de existência tem a mostrar - isso, é claro, não sendo os Rolling Stones ou The Who?

"Chaos and Colour", o mais recente álbum de inéditas, oferece algo que tem se tornado raro no mundo do rock, e, em especial, no rock clássico: paixão e vontade de tocar.

Não é melhor que os dois anteriores, mas mantém a chama acesa para a criação artística. Os cinco músicos claramente se divertiram ao gravar o disco.

Nunca é possível dizer que se trata de um álbum descompromissado, mas a expressão pode ser aplicada no sentido de que foi criado e gravado, provavelmente sem grandes pressões. Com 55 anos de carreira, parece improvável que um nome dessa grandeza tenha de se submeter a qualquer tipo de exigências.

É um trabalho que exala alto astral, uma certa positividade, quase ensolarado, ainda que não tenha um grande destaque entre as músicas, em um trabalho que soa parecido com os anteriores.

"Save Me Tonight", que abre o álbum e que possivelmente é a melhor do trabalho, é forte e pesada, mas os teclados de Phil Lanzon amenizam a coisa, em m tema que fala de redenção e de superação.

Ótimo compositor, Lanzon toma conta de um pedaço do CD, como vinha fazendo desde 2010, dividindo os holofotes com o guitarrista Mick Box.

Se não há solos ou riffs memoráveis de guitarra, sobra competência e inteligência para fazer com rock and roll. É um álbum agradável e com bom gosto, e é inacreditável que Bernie Shaw continue cantando alto e forte de um jeito que surpreende para um quase setentão.

É o caso na boa "Hurricane", aquela que pode ser a mais pesada do disco e com o refrão mais cativante, ou na singela e delicada "One Nation, One Sun". "Silver Sunlight" e "Age of Changes" também agradam por seu aspecto festivo e temas ligados ao meio ambiente e/ou mais introspectivos. 

Dificilmente "Chaos and Colour" figurará em listas dos melhores do ano, mas certamente cumprirá o seu papel de oferecer boa música e um pouco mais "vintage" m época em que todas as canções de bandas novas parecem quase iguais, processadas pela mesma "máquina" e sem aquele toque de paixão que nos acostumamos a escutar nas bandas clássicas.

Músico brasileiro se une a cantora holandesa para um novo projeto de metal

Um dos grandes nomes do metal nacional está trabalhando com uma estrela em ascensão do metal europeu - uma cantora que tem a sua origem na música pop holandesa. Alex Vorhees, nome que mantém a instituição Imago Mortis desde sempre, reforçou os laços com Ivana Van der Veen (também conhecida como Ivana Raymonda Van der Veen) em uma colaboração que já dura alguns anos. A moça pretende cair no heavy metal.

Os dois trabalharam na canção "Fear Vs. Me", que ganhou um videoclipe muito bem feito pela diretora brasileira Gabby Vessoni, que já trabalhou com nomes importantes do metal nacional e também canta na banda carioca Fleesh, que mantém ao lado do marido, o multi-instrumentista Celo Oliveira.

A música é uma mistura de gótico, doom-metal e ao shoegaze, tndo a participação de mais um brasileiro na produção, o músico e compositor Bodão Arte Nula. O vídeo será lançado no dia 10 de fevereiro no Roadie Crew Online Festival.

 Ivana é um produto da era dos vídeos na internet e ficou famosa aos 14 anos, em 2007, quando gravou seu primeiro clipe musical. na carreira, até agora, gravou 12 CDs e 9 produtos visuais entre DVDs e Bly-rays.

Ela já se aventurou por vários estios musicais, inclusive pela música sertanejo-brega brasileira, com uma versão esquisita de "Pura Sedução", cantada em um português cheio de sotaque, em versão de 2012. Não ficou muito bom...

Na mesma toada pop romântico quase brega estão versões de canções em inglês, como "I'll Love You Forever", de David K. Williams, onde se sai um pouco melhor, adotando um padrão vocal muito parecido com o de Candice Night, vocalista da banda Blackmore's Night. 

Entretanto, se queria entrar no heavy metal, Alex Vorhees é o cara certo. Com a banda Imago Mortis, em quase 30 anos de trajetória, tornou-se referência nacional nos segmentos doom metal e heavy tradicional, tendo trabalhado algum tempo também com a banda Dust From Misery. Seu trabalho mais aclamado é justamente o mais recente com o Imago Mortis, "LSD". Além de cantor e compositor, é também um requisitado produtor musical.
 
Os dois artistas se conheceram por meio de um concurso internacional, o ArtistSignal, em 2015 e colaboraram com o clipe da música "To Cast a Shadow". Desde então, Alex já compôs músicas para cinco álbuns, entre eles o mais recente, "Duality", lançado em 2022.  

O heavy metal ainda é nosso, mas não é só nosso

 Está durando muito mais do que imaginávamos, e ainda buscamos um caminho para retomar um mínimo de rentabilidade na música - e, enquanto isso, o rock pena para recuperar o protagonismo que um dia já teve o mundo todo.

Em uma era em que quase tudo ficou de graça no jornalismo, na cultura e na música por conta das mudanças tecnológicas, a sobrevivência ficou mais difícil em um ecossistema que está mais competitivo e que insiste em praticamente não remunerar o artista ou os produtores de conteúdo.

A eventual recuperação do mercado e do rock passa, inexoravelmente, pela renovação do público, principalmente em nichos como o heavy metal.

A dificuldade é atrair a atenção do jovem do século XXI - e fazer com que ele entenda a importância da cultura, que ela tem um custo e que, mais do que tudo, merece mais atenção do que os meros 30 segundos que costumam dedicar às músicas - qualquer uma. A geração tik tok precisa (re)aprender a desfrutar e curtir a música, assim como um bom livro.

No mundo em que quase tudo ficou de graça, é praticamente impossível fazer com que jovens e nem jovens percebam o valor de bens culturais e saibam de sua importância para a sociedade.

Em termos mais específicos, é interessante observar que bandas novas ( em tão novas assim) estão atraindo um público maior do que esperado em festivais de metal no Brasil e na Europa desde o ano passado.

A questão surgiu em um texto publicado no portal Wikipedia a partir de uma percepção de um de seus responsáveis, Daniel Dystyler, que milita no mudo musical há 40 anos. 

A partir de um comportamento manjado e nojento de tiozões metaleiros de plantão contra uma jovem repórter - "você conhece alguma música da banda de sua camiseta? Cite três delas", vociferou o imbecil patrulheiro -, o empresário constatou que, nos recentes festivais ocorridos no Brasil, havia mais público nos palcos de bandas do século XXI do que nas bandas clássicas, com mais de 30 anos de carreira.

A conclusão é discutível ao afirmar que o rock e o metal não são mais dos "tiozões" arrogantes de meia idade que se acham donos da cena e guardiões do legado do santo gênero musical. O metal, agora, seria das novas gerações, que seriam menos preconceituosas e mais abertas a inovações e influenciadas variadas.

É uma percepção valida, ainda que restrita a apenas alguns festivas recentes no Brasil, mas não toca em uma questão crucial: são gerações mais jovens que têm outros hábitos de consumo - na verdade, a maioria não tem hábito de consumo de cultura. O mundo virou uma grande roda gigante de entretenimento. 

Maneskin e Greta Van Fleet ainda conseguiram algum destaque ultimamente, mas é insuficiente para estancar a decadência que assola o rock desde o começo do século.

Sem consumo e sem a valorização da música como produto estamos fadados a chafurdar em um imenso underground sem grandes perspectivas, com predomínio de grandes plataformas de streaming sem compromisso com a cultura e sem a obrigação de remunerar decentemente artistas de todos os calibres.

Enquanto ainda patinamos em busca de um modelo minimamente decente de remuneração e de reinvestimento no rock, o rap e o sertanejo continuam avançando no estabelecimento de indústrias ou modelos de negócio mais estáveis e sustentáveis.

Desde a implosão da indústria fonográfica, no começo do século XXI, há uma busca frenética por uma nova forma de tornar rentável, de alguma forma, o mercado da música, sem que os artistas fiquem cada vez mais dependentes dos shows. 

Em qualquer tentativa de criar novos modelos, a premissa é sempre a mesma, partindo mesmo ponto: o artista é o último a ser remunerado e a ser considerado. As remunerações escandalosas de tão ínfimas praticadas pelas plataformas de streaming são o maior exemplo deste mundo selvagem e sem consideração por quase nada.

Os "tiozões do metal" continuam não ajudando ao desprezar a molecada e querer estabelecer uma "reserva de mercado", como se fosse possível carimbar um "selo de pureza" nos aficionados, tal qual a lei alemã de pureza da cerveja.

"O heavy metal é nosso", dizem esses idiotas. Não é e nunca foi. Sempre foi de todos, e também nunca foi de ninguém, ainda mais nestes tempos em que quase tudo ficou e graça e a cultura perdeu muito de seu valor agregado - quase todo, no verdade.

O metal ainda é nosso, mas nunca foi só nosso, para nossa felicidade. Que haja uma nova onda de amantes do rock e do heavy metal é auspicioso diante de várias constatações, mas ainda é insuficiente.

 O jeito atual de consumir música e cultura e ainda não abrange de forma significativa o rock e suas necessidades e os novos headbangers terão de observar as novas formas de consumo para dar alguma sustentabilidade ao mercado para os clássicos ainda se mantenham e assem o bastão aos novos artistas, sob risco de o rock afundar ainda mais no underground. 

Greta Van Fleet, Maneskin, Boogarins e Black Pantera não serão suficientes para segurar a onda se novas ideias e novos modelos de negócio não surgirem. E isso deverá estar atrelado, obrigatoriamente, a uma mudança de mentalidade dos jovens em relação ao consumo de cultura.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Transatlantic encerra as atividades e marca o fim de uma era no rock progressivo

A ressurreição do rock progressivo no século  XXI tem data para terminar. O projeto que resgatou o estilo de um beco sem saída anunciou que vai encerrar as atividades assim que o próximo álbum for lançado em fevereiro.

O Transatlantic, supergrupo de progressivo, foi muito mais do que todos os seus integrantes imaginavam. Uma reunião de amigos multinacionais meio que despretensiosa tornou-se uma 
potência progressiva a ponto de gerar uma crise no Dream Theater, banda superstar do prog metal, que culminou com a saída do baterista Mike Portnoy.

A música do quarteto é fantástica e encerra todos os ciclos depois de 25 anos de grandes turnês mundiais, com direito a uma passagem pelo Brasil em 2014.

Além de Portnoy, ex-baterista do Dream Theater, o Transatlantic tem Neal Morse (teclados e guitarra, ex-Spock's Beard), Pete Trewavas (baixo, Marillion) e Roine Stolt (guitarra, Flower Kings), com o auxílio luxuoso nas turnês de Daniel Gildenlow (Pain of Salvation) e Ted Leonard (Thought Chamber) nas guitarras de apoio.

"The Final Flight: Live At L’Olympia" foi gravado em 2021 durante a turnê de suporte do álbum "The Absolute Universe", o quinto álbum de estúdio. Um grande epitáfio para um projeto importantíssimo dentro do rock progressivo.

Lançado em fevereiro de 2021, The Absolute Universe foi apresentado em dois formatos alternativos: um disco abreviado de 64 minutos conhecido como "The Breath of Life", e uma peça complementar intitulada "Forevermore", que acrescentou mais quatro canções, com a duração de uma hora e meia. Embora os fundamentos de ambos fossem partilhados, cada formato apresentava letras e música independentes um do outro.

"Desde o início desta banda tocamos por três horas, por isso estivemos todos habituados”, comentou o baterista Mike Portnoy no material de promoção do mais recente isco ao vivo. "Acho que encerramos um ciclo extremamente prolífico. Fizemos coisas inimagináveis e estamos completamente surpresos com a proporção que o Transatlantic tomou."

Como sempre, o novo produto será editado e lançado em CD e DVD, que foi filmado por Paul Green (que também filmou a sua “Whirld Tour 2010: Live in London”), e mixado por Rich Mouser. Será  disponibilizado em edição especial CD triplo +Blu-ray Digipak (com som surround 5.1) e uma edição Gatefold 180g em LP quádruplo, com obras de arte de Thomas Ewerhard e fotografias de Nidhal Marzouk.

É uma notícia ruim o fim do Transatlantic, mas, por outro lado, faz todo o sentido em relação ao que os quatro poderiam apresentar além do que já fizeram. Em recente passagem pelo Brasil, Portnoy comentou que achava difícil superar o que eles tinham feito em "The Absolute Universe". "É uma obra tão complexa e tão satisfatória que não consigo enxergar como avançar. São mais de 20 anos de uma amizade intensa e que rendeu coisas maravilhosas."

O Transatlatic foi uma das coisas mais extraordinárias que o rock produziu neste século. Extrapola a simples questão de rótulos. É rock progressivo? Totalmente, mas é muito mais do que isso. São cinco álbuns que são verdadeiras obras de arte.

Com o fim deste ciclo, a agenda de Portnoy fica mais amena, embora ele afirme que continuará com o Sons of Apollo (hoje sua banda principal com Jeff Scott Soto e Billy Sheehan), com o Winery Dogs (com Sheehan e Richie Kotzen), com o Flying Colors (com Neal Morse e Steve Morse, ex-Deep Purple) e com a banda solo de Neal Morse.

Genocídio indígena: os espelhos continuam mostrando um mondo muito doente

 "Eles invadiram nossas terras, devastaram nossa comida e nos expulsaram. E ainda quiseram nos culpar pelas tragédias por mais de cem anos." Este é um trecho dos mais contundentes do livro "Enterrem Meu Coração na Curva do Rio", de Dee Brown, escritor e funcionário público americano que se tornou um do mais respeitados pesquisadores da cultura indígena norte-americana no século XX.

Nunca um escritor americano tinha mergulhado tão fundo no genocídio nativo nos Estados Unidos, o que lhe causou transtornos e ódios eternos de políticos conservadores e militares de todas as patentes. Além de corajoso, Brown incomodava porque era índio, descendentes de tribos sioux.

Bandas de rock de origem indígena usaram algumas das ideias de Brown em suas músicas, como o Blackfoot e a Indigenous. 

No Brasil, a gravíssima e criminosa crise ianomâmi de 2023 se encaixa perfeitamente na premonitória canção "Índios", da Legião Urbana, onde os indígenas "receberam espelho e viram um mundo doente", além de "serem atacados por serem inocentes!"

Os jornalistas Sonia Bridi e Paulo Zero, da TV Globo, estiveram na terra ianomâmi e produziram uma devastadora reportagem sobre a fome dos índios e o "projeto genocida" de extinguir aquela e outras etnias dos povos originários.

 Um projeto de cunho fascista e higienista gestado a partir do golpe parlamentar contra a ex-presidente Dilma Rousseff e que seguiu acelerado nos governos Michel Temer e, principalmente, do nefasto Jair Bolsonaro. Sonia Bridi escreveu isso com todas as letras nas redes sociais. O impacto foi tão grande que a tragédia tinha claros sinais de genocídio orquestrado como se fosse um projeto de "extinção".

A foto que ilustra esse texto ´mostra Sonia carregando um bebê ianomâmi desnutrido em um momento em que todos os braços era necessários para embarcar os doentes em helicópteros e, depois, desembarcá-los e levá-los ao hospital

A foto é uma das mais impactantes e devastadoras de todas as tragédias que se abatem sobre esse país infeliz e corrupto por natureza. Explicita uma carga imensa de solidariedade, de devoção aos direitos humanos e até de redenção diante do crime humanitário. 

No entanto, por outro lado, explicita como a nossa sociedade é cruel, insensível e caprichosa ao ignorar deliberadamente políticas higienistas e desumanas, eivadas de corrupção e de apoio ao crime organizado.

O semblante do rosto de Sonia Bridi traduz toda a aflição e desespero que a crise humanitária em Roraima está provocando no mundo inteiro. A expressão do rosto da jornalista com mi de 45 anos de carreira explicita a agonia de alguém que jamais tinha visto algo parecido em terras brasileiras.

É um fracasso como sociedade e como nação aspirante a um mundo desenvolvido que parece cada vez mais distante à medida que o século XXI avança. 

A ambição de permanecer entre as dez maiores economias do mundo continua, mas a fome insiste em atrapalhar os planos de sucessivos governos federais, entre os quais o recém-empossado, de Luiz Inácio Lula da Silva.

O retrocesso moral, ético, ideológico e administrativo nos quatro anos de Jair Bolsonaro é tão absurdo e asqueroso que serão necessárias pelo menos duas gerações de brasileiros para consertar os estragos que o golpe parlamentar de 2016 provocou. 

A tragédia ianomâmi é um crime hediondo contra a humanidade. Sem anistia! Sem perdão!

P.S.: Nunca o som de bandas brasileiras de metal com temática indígena, como Arandu Arakuaa e Miasthenia  foi tão necessário como agora.

domingo, 29 de janeiro de 2023

Paul Di'Anno no Brasil: uma celebração em meio a uma busca por dignidade

O cantor inglês Paul Di'Anno sempre se orgulhou de suas raízes punks e de seu passado como membro de gangues em algumas cidades do mundo. "Sou fruto do meu passado e o fato de ter cantado no Iron Maiden não é algo que me define ou que me paute", disse ao Combate Rock em uma de suas passagens por São Paulo, em 2011.

Quem poderia imaginar que a primeira voz de verdade do Iron Maiden teria de encarar mais de uma vez a cadeia por causa de envolvimento com briga de gangues em Los Angeles e por suspeita de fraude na previdência britânica?

Di'Anno é um sobrevivente e um alma livre - ou radical livre, como ele mesmo se definiu certa vez. São memoráveis as três temporadas longas em que morou em São Paulo apadrinhado por fãs incondicionais do Maiden pelos integrantes mais cascudos da torcida corintiana Gaviões da Fiel. Viva rápido e desfrute o agora, como sempre dizia nas noitadas regadas a todo tipo de bebida na Londres o final dos anos 70.
 
Ele sabia que a vida cobraria caro pelos excessos e pelo estilo de vida solto, sem censura e sem porto. Sobreviveu, mas tentou dar um nó na vida e no tempo, e acabou enquadrado pela realidade. 

Quase septuagenário, obeso e vítima de uma série de problemas físicos, quer provar a si mesmo que consegue reviver alguns de seus melhores momentos nos palcos mesmo em uma cadeira de rodas. 

Tenta convencer a si mesmo de que seu carisma permanece intacto e que ainda ´capaz de reger multidões. Neste ponto, tem uma trajetória corajosa e digna de reverência como a de outro ex-cantor Iron Maiden, Blaze Blayley. Entretanto, as semelhanças param por aqui.

Depois de penar muito com a falta de sucesso em projetos como Battlezone, Killer e uma carreira solo errática com músicos brasileiros ao logo dos últimos 30 anos, parecia que Paul Di'Anno teria de tomar decisões corajosas depois de sair da prisão na Inglaterra. A voz estava longe de seus melhores dias e o joelho direito inviabilizava turnês e shows mais simples. Era hora de parar e cuidar da saúde.

A vaquinha mundial para a cirurgia no joelho angariou recursos e ele, enfim, se livrou de uma praga que o acometia há 20 anos. Para comemorar, uma turnê exaustiva de dois meses pelo Brasil em 2023.

Seriam 32 apresentações por todo o país com o suporte das bandas Noturnall e Electric Gypsy, que se revezariam como bandas de apoio. Um empreendimento de risco, mas quem se importou? Era Paul Di'Anno, do Iron Maiden, um músico calejado e experiente em andanças pelo Brasil desde os anos 90. O que poderia dar errado?

A saúde de Paul, é claro. A primeira apresentação do cantor, em Fortaleza (CE),  apresentou uma série de problemas técnicos e evidenciou que Di'Anno estava em precárias condições físicas e quase sem voz. Foram apenas sete canções e a retirada do palco, reclamando dos microfones, do retorno e da banda de apoio, que ensaiou exaustivamente, mas sem o cantor.

Dois dias depois, em Recife (PE), as coisas melhoraram. Menos problemas técnicos, a voz dele um pouco melhor e mis potente e a banda um pouco mais entrosada. Não foi uma maravilha, segundo os relato de quem assistiu, mas esteve longe do desastre cearense.

Fãs de todos os tipos questionam a pertinência de submeter  músico a tamanha prova de fogo apesar de sua saúde frágil de eventuais excessos etílicos e as enormes quantidades de cigarros. 

Com mobilidade reduzida, se locomove e canta em cadeira de rodas, além da inseparável bengala que usa desde 2010, pelo menos. Quem teve a ideia de submetê-lo a uma turnê de 32 shows em menos de 60 dias em um aís continental? 

Paul Di'Anno é um sobrevivente e um herói para parcela expressiva dos amantes do metal no mundo. Sua força de vontade e carisma são suficientes para mantê-lo no imaginário popular e eternizá-lo por seu heroísmo.

A persistência em continuar na estrada é comovente mesmo que sua saúde e fragilidade física iniquem o contrário, como se pode entender nesta reportagem do site IgorMiranda.com ouvindo os produtores da turnê, que relatam alguns dos problemas que estão ocorrendo nesta visita de Di'Anno a Brasil.

Justamente por ser um herói é que Di'Anno deveria ser preservado e "blindado" de sua teimosia. Uma turnê menor e mais equilibrada, com melhores condições de conforto e segurança para um artista idoso atrelado a uma cadeira de rodas? Claro que sim, mas agora não vem ao caso.

A responsabilidade agora é oferecer o máximo de dignidade possível a uma lenda que pretende continuar se arrastando nos palcos para manter seu legado vivo. Ela não precisa disso, mas faz questão disso. Então é hora de apontar as falhas, mas sem cancelamento, e de tornar viável o giro dentro de condições aceitáveis.

Ele merece isso, e nós merecemos isso também, para que possamos nos divertir e celebrar uma das figuras importantes do heavy metal. Que a comovente trajetória recente de Di'Anno seja inspiradora e consiga fazer de uma eventual última turnê por aqui uma enorme celebração. Precisamos garantir isso para ele. Por ele. E por nós.

https://igormiranda.com.br/2023/01/paul-dianno-produtor-turne-brasil-explica-fiasco/

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Pantera na berlinda: os perigos de cancelamentos e condenações perpétuas no rock

 Faz quase dez anos que os lamentáveis fatos ocorreram, mas parece que só agora pesou na consciência de alguns - ou será que foi tão insuportável assim a pressão das redes sociais?

A banda Pantera, reformada e transformada em um "tributo" com doi.s dos integrantes originais, foi "desconvidada" de três festivais na Alemanha e na Áustria no próximo verão europeu. 

O motivo: uma saudação nazista e o grito extremista e supremacista "White Power" durante um show da banda Down no interior dos Estados Unidos e 2014. Que fez a palhaçada foi o cantor Phil Anselmo, que ficou 12 anos no Pantera entre 1988 e 2000.

Sem convencer, Anselmo alegou que estava bêbado e que era apenas uma "brincadeira". Vídeos dos fato lamentável circularam muito na época e continuam circulando consequências previsíveis para o cantor e seus projetos.

Boicotes sempre existiram e são legítimos. São armas fortes nas democracias e costumam mudar políticas públicas e sociais, além de forçar revisões de patrocínios e investimentos, entre outras coisas. Num mundo do século XXI, com uma força descomunal - e perigosa - das redes sociais, o boicote é uma arma poderosa.

O que incomoda no caso do Pantera, mas do que a batida discussão "separação de obra e artista, é um certo oportunismo em relação ás bússolas morais que imperam de tempos em tempos. 

O Pantera foi contratado no ano passado pelos festivais alemães e o austríaco. Por que só agora houve os cancelamentos dos shows? Será que houve esquecimento?

Por que o boicote ocorreu só agora, depois que Anselmo rodou a Europa e o mundo desde 2014 com os projetos Down e Phil Anselmo & The Illegals, inclusive com passagens pela Alemanha? Antes os gestos não incomodavam?

Phil Anselmo convive com as recriminações e críticas pelo gesto nazista desde então, com variados graus de intolerância. Quando tocou em São Paulo, em dezembro passado, houve tímidos protestos de roqueiros inconformados com a sua presença em um festival e em um show ao lado do Judas Priest.

Houve reiterados pedidos nas redes sociais para que pessoas conscientes não financiassem racistas, fascistas e extremistas, em uma campanha legítima e necessária de conscientização. Não surtiu efeito, pois as apresentações do Pantera ajudaram a lotar os dois eventos.

Os fãs da banda e de Anselmo reclama, com certa razão, de ma certa "perseguição", já que, aparentemente, o deslize não teria se repetido e que o cantor várias vezes se desculpou e sempre disse que nunca compactuou com ideias fascistas ou supremacistas.

Para quem não se lembra, o guitarrista inglês Eric Clapton vomitou asneiras no palco em 1976 contra a imigração no Reino Unido, investindo contra negros caribenhos e africanos, além de indianos e paquistaneses. 

A reação foi tão violenta e contendente que ele virou inimigo do movimento punk e "inspirou" uma campanha forte antirracista. Não foram poucas as vezes em que ele se desculpou, alegando que estava bêbado no palco. Mesmo sendo um negacionista das vacinas, nunca mais fez manifestações racistas e xenófobas em público.

A pergunta que fica e que vai além da separação da obra e artista: como dosar o nível de boicote e cancelamento? Como evitar as "condenações perpétuas"  deslizes do passado, por mais que sejam graves?

O guitarrista norte-americano Ted Nugent, "patriota", ultradireitista e fervoroso apoiador da disseminação de armas, é um ídolo do público conservador, mas cansou de ter shows boicotados e cancelados por conta de suas posições políticas. Até hoje paga por suas falas racistas - das quais se orgulha - e tem sua presença vetada em muitos lugares.

Neste caso, qualquer boicote é justificado, já que Nugent continua manifestando suas posições asquerosas e reprováveis. Mas e no caso de quem se desculpou, tentou se redimir e, aparentemente, não foi reincidente eis posturas nos erros e na lamentáveis posturas? esses devem ser banidos de forma perpétua, sem nenhum tipo de perdão?

Dependendo do nível de radicalismo, não há resposta conclusiva. Jornalistas americanos que cobrem rock garantem que Anselmo é preconceituoso e que mantém simpatias a grupos supremacistas desde sempre.

Já especialistas em história do Pantera e fãs incondicionais defendem o cantor afirmando que a bobagem de 2014 foi coisa de bêbado e nunca mais se repetiu - ao menos publicamente, o que seria um argumento para que as execrações públicas cessassem.

No Brasil os boicotes são recorrentes no rock, em especial a artistas que manifestam em posturas de direita e extrema-direita. Recentemente, a banda paranaense Semblant abriu mão de abrir o show da banda holandesa Epica em São Paulo, em dezembro passado.

O motivo foi uma forte campanha contra a banda por conta de um vídeo publicado pela vocalista Mizuho Lin reclamando da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial de 2022.

Ela desdenhou dos protestos dos bolsonaristas criticando-os por não terem "feito nada" para evitar o resultado, insinuando que comportamentos golpistas teriam de ter sido adotados antes do fim da eleição. 

Conhecidos por publicamente apoiarem Jair Bolsonaro, os integrantes da banda não esperavam uma reação tão forte. Desistiram da apresentação e chegaram  dizer que a vocalista estava "afastada" por tempo indeterminado. 

Ninguém legou muito a sério essa medida, e, como era esperado, ela foi reintegrada menos de um mês depois. Entretanto, algumas portas se fecharam em vários locais do Brasil para a Semblant.

Para evitar esse turbilhão de críticas a ponto e afetar a credibilidade da banda, o Shaman deixou de existir. Três integrantes anunciaram publicamente que estavam fora depois que o baterista Ricardo Confessori, apoiador de Bolsonaro e de ideias extremistas, destilou uma série de xingamentos preconceituosos e homofóbicos contra um antigo fã nas redes sociais.

A ira do baterista surgiu depois de compartilhar fake news e de manifestar apoio aos terroristas que invadiram e vandalizaram as sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, em Brasília. Os outros três integrantes temiam que a banda ficasse marcada como antidemocrática e apoiadora do fascismo.

Raimundos e Ultraje a Rigor também sofreram, de alguma forma, com cancelamentos e boicotes por conta da ade  são ao bolsonarismo ou a ideias conservadoras que se chocam com a essência do rock e do comportamento roqueiro.

No caso brasileiro, a coisa vai muito além da polarização entre esquerda e direita. Por mais que seja estranho admitir, não há como condenar um roqueiro por ser conservador e ser política e economicamente de direita. O problema é quando o conservadorismo extrapola para o extremismo cego e ignorante, mergulhando na profunda burrice, como é o caso do bolsonarismo.

Não se trata mais de direita ou esquerda: é um confronto entre civilização e barbárie, entre conhecimento e ignorância, entre democracia e autoritarismo, entre liberdade e fascismo.

A cada manifestação contrária a Phil Anselmo crescem os argumentos a favor de seu cancelamento, já que nazismo e fascismo são intoleráveis. 

O Combate Rock é totalmente democrático, antifascista e antirracista e Phil Anselmo há muito não conta com o apreço de nossa equipe, embora parte dela ainda respeite demais o que o Pantera realizou entre 1988 e 2000.

Entretanto, a discussão é premente e necessária para que evitemos condenações definitivas e perpétuas de quem errou, mas que se redimiu ou que tenta se redimir. É um debate difícil e, aparentemente, inconclusivo, mas pertinente para que não cometamos injustiças para sempre.

Geoff Tate resgata o metal dos anos 80 em São Paulo

 Nelson de Souza Lima - especial para o Combate Rock

Geoff Tate é um sobrevivente. A palavra foi uma das mais usadas durante o show que o ex-vocalista do Queensryche fez em São Paulo. Fácil entender o porquê ao vermos o que Tate passou nos últimos meses. 

O cantor passou por uma delicada cirurgia no coração, em junho de 2022, que o obrigou a se afastar dos palcos e interromper compromissos profissionais. Inclusive os shows agendados no Brasil em setembro do ano passado, dentro da “Empire 30th Anniversary Tour”, foram remarcados.

A turnê celebra os 30 anos de “Empire” (1990), um dos álbuns mais aclamados do Queenryche, nos áureos tempos em que integrou o grupo de Seatle, de 1982 a 2012. Além disso, o vocalista fez questão de enaltecer o fato de que todos os que estavam ali no TMH sobreviveram ­a implacável pandemia de Covid-19.

Aos 64 anos, recém-completados no dia 14 de janeiro, Tate, ao contrário de muitos de seus pares oitentistas soube preservar a voz. O timbre continua forte e a performance ao vivo não deixa a bola baixar mesmo quando tem que alternar entre graves e agudos - sem exageros tratando a afinação com os devidos cuidados. 

A rápida tour brasileira passou, além de São Paulo, pelo Rio (cujo show foi substituído por um set acústico num pub da Lapa carioca para 50 felizardos) e em Limeira, interior de São Paulo.

O público estava ávido por essa apresentação que, além de “Empire”, teve outro ótimo álbum, “Rage For Order” (1986) também tocado na íntegra. Em bom futebolês, o cara já entrou com o jogo ganho, pois quem estava ali já conhecia o repertório e queria cantar junto com o ídolo.

E os fãs efusivos não fizeram feio. Apesar de não lotar a casa recebeu um bom público e quem foi conferiu um excelente show. Claro que nem tudo é perfeito: num momento a bateria parecia um pouco mais alta, em outro não se ouvia direito o solo da guita, ou ainda quando o mic parecia sumir de repente. Mas nada disso comprometeu e Tate e sua banda competente mostraram um espetáculo de alto nível.

Os gaúchos da Marenna abriram os trabalhos. Liderado pelo vocalista Rodrigo Marenna, o quinteto fez uma competente apresentação e sua sonoridade alternando hardão oitentista, metal tradicional e pitadas de AOR agradaram os poucos presentes.

Ladeando o vocalista estão os ótimos Mauro Caldart (guitarra), Bife (baixo), Arthur Schavinski (bateria) e Luks Diesel (teclados) que com o perdão da brincadeira cumpriram bem o papel de “boi de piranha”, pois a banda de abertura, invariavelmente, toca pra poucas testemunhas, dá uma equalizada no equipo e equilibra os amplis. Quem viu o Marenna sacou que os caras têm potencial para ir longe, ultrapassar as fronteiras e buscar carreira internacional. Ponto pros gaúchos.

Por volta das 22h as luzes do palco se apagaram e a galera delirou com o show que iria começar. Mas, a expectativa só aumentou, já que não se sabe se intencional ou não demorou mais uns dez minutos pra começar. Aos poucos a banda entrou. Primeiro o batera Danny Laverde e o baixista Jack Ross, o tecladista brasileiro Bruno Sá. Na sequência os guitarristas Kieran Robertson e Alex Hart, seguidos por Tate, ovacionados com furor.

Tocando o repertório de “Rage For Order” na primeira parte do show o sexteto mandou “Walk In The Shadows”, “I Dream In Infrared” e “The Whisper”. Todas executadas com competência, com a banda mostrando os arranjos o mais próximo possível das versões em estúdio.

Como Tate ainda se cerca de cuidados em virtude da cirurgia se movimentava bem de um lado ao outro do palco, mas sem arroubos de energia. 

O agito ficou por conta do guita Kieran Robertson que chamava o público toda hora pra bater palmas e cantar junto. Desnecessário dizer que o público respondeu. 

Como dito lá no começo Tate a todo momento agradecia os fãs pelo carinho e retribuía com muitos “I Love You”. Gente fina o cara. “I Will Remember” encerrou o set de “Rage For Order”. A banda deixou o palco para um intervalo de quase meia hora.

De figurino novo o sexteto voltou, com fôlego recarregado para “Empire”. O disco é o maior sucesso comercial do Queensryche, rendeu disco de platina triplo nos Estados Unidos, além de chegar ao 9º lugar no Top 200 da Billboard em 1991 e tendo no repertório “Silent Lucidity”, uma das maiores power ballads do metal.

“Best I Can” abriu o set na segunda parte do show e em “The Thin Line”, Geoff Tate mostrou alguma desenvoltura no saxofone. Confesso que me esforcei pra ouvir o sax. Não sei se tava baixo ou tô com algum problema de audição. Melhor deixar pra lá.

O ápice de “Empire”, sem dúvida, é “Silent Lucidity” que fez enorme sucesso no Brasil, integrando inúmeras coletâneas de baladas românticas e, salvo engano, até trilha de novela. Geoff Tate se surpreendeu com o coral dos fãs e retribuiu com gestos de agradecimento.

Após “Anybody Listening?” o grupo deixou o palco para voltar em seguida para um encore com “Eyes Of a Stranger”. Um show inesquecível deste lendário vocalista que fez por merecer todo o carinho e empolgação dos fãs.

SET LIST – Geoff Tate – Tokio Marine Hall – 20/01/2023

Parte 1- Rage For Order

1- Walk In the Shadows
2- I Dream In Infrared
3- The Whisper
4- Gonna Get Close to You (Dalbello Cover)
5- The Killing Words
6- Surgical Strike
7- Neue Regel
8- Chemical Youth (We are Rebellion)
9- London
10- Screaming in Digital
11- I Will Remember

Parte 2- Empire

12- Best I Can
13- The Lin Line
14- Jet City Woman
15- Della Brow
16- Another Rainy Night (Without You)
17- Empire
18- Resistance
19- Silent Lucidity
20- Hand On Heart
21- One and Only
22- Anybody Listening?

Encore
23- Eyes Of a Stranger

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Maravilhosa caixa resgata o melhor do Thin Lizzy ao vivo

A mais poderosa máquina de fritar cérebros. Era assim que um saudoso jornalista brasileiro amante do classic rock classificava o Thin Lizzy, poderoso (então) quarteto irlandês de hard rock dos anos 70. "Fiquei uns cinco minutos conversando com a estátua dele, em Dublin, e disse obrigado umas dez vezes. Ninguém entendeu nada."

Para muita gente é incompreensível a devoção que a banda liderada por um irlandês negro nascido na Inglaterra e filho de pai brasileiro despertava. Era a paixão? A fúria? A malícia? A malandragem? O suingue bluesy? O peso? O baixo pulsante e energético?

Tudo isso por de ser resumido em "Live and Dangerous", o primeiro ao vivo do Thin Lizzy, lançado em 1978 e que costuma dividir a preferência como o melhor disco ao vivo de todos os tempos no rock com "Live at Leeds", de The Who, e "Made in Japan", do Deep Purple.

Nos 45 anos que marcam o lançamento do estupendo álbum, os curadores do espólio da banda colocam no mercado mais uma edição de luxo - na verdade, superluxuosa, com o disco ampliado da edição de 2018 e mais seis shows, na íntegra, que serviram de base para a edição original. 

São simplesmente oito CDs com algumas das melhores performances que a banda fez, tocando furiosamente em Londres em Toronto, no Canadá, em apresentações gravadas em 1977.

A turnê era de suporte aos LPs "Jailbreak", "Johnny The Fox" e "Bad Reputation", uma trinca que representa a melhor fase da banda fundada no final de 1969 em Dublin pelo baixista Phil Lynott.

Nascido em Birmingham, na Inglaterra, filho de pai negro que a mãe jurava ser brasileiro, Lynott chegou à capital irlandesa pouco depois de chegar ao mundo. Era uma pessoa do mundo, mas poucos nativos conseguiram incorporar a alma gaélica com tanta intensidade quanto aquele ser humano gentil, delicado e dedicado. Não é á toa que ganhou uma estátua em um importante cruzamento em Dublin, algo que provavelmente nem os integrantes do U2 conseguirão.

Como um quarteto, o Thin Lizzy era uma potência sonora de peso e melodia embalada por um baixo vigoroso, gordo, grudento e pesado. Era o auge de uma trajetória acidentada, mas pavimentada com muito esforço e talento. 

As tensas relações entre os membros - Lynott, os guitarristas Brian Robertson e Scott  Gorham e o baterista Brian Downey - ainda eram suportáveis e ajudaram a incendiar as concorridíssimas apresentações. Esse é o ambiente registrado em todos os oito CDs que compõem essa maravilhosa caixa. 

A versão expandida de 2018, com 75 minutos, já era maravilhosa e ampliava o conceito de como fazer um show explosivo e demolidor sem grandes recursos ou equipamentos extraordinários. "live and Dangerous" reunia o que de melhor o Thin Lizzy tinha a oferecer, e a nova edição com múltiplos CDs escancara a qualidade e a competência do então quarteto. 

A dupla de guitarristas estava muito entrosada no esquema "guitarras gêmeas", levando adiante o conceito "criado" pelo Wishbone Ash, enquanto que Phil Lynott estava na melhor forma tocando e cantando, mesmo enfiando o pé ma jaca, bebendo todas.

"Live And Dangerous" vendeu muito bem na Europa, conquistando o segundo lugar das paradas britânicas e irlandesas e o 27° dos charts suecos. Nos Estados Unidos, o álbum obteve uma modesta, porém significante 84ª posição no top da Billboard.

Destaques? Todas as canções. São hinos eternos do rock, em performances tão arrebatadoras que nunca mais a banda conseguiria repeti-las na mesma intensidade. Como não se emocionar com a dramática e contundente balada "Don't Believe  Word"? Como ficar parado diante do suingue de "Dancing in the Moolight"?

E tem em várias doses e de vários formatos o hino "The Boys Are Back in Town", a balada de cortar o coração "Still In Love With You", a torturante e pesada "Suicide", a etérea e pesada "Emerald"...

O Thn Lizzy pode ser considerada a banda de rock mais injustiçada dependendo do ponto de vista. Teve sucesso, mas estava destinada a ser gigante como o Queen, mas o megassucesso não veio, e o desapontamento de Lynott foi canalizado para as drogas e bebida.

O dinheiro não entrou como deveria, o que tinha sido guardado foi embora e, com isso, o casamento naufragou, afastando-o das duas filhas pequenas. Morando de favor às vezes, decidiu acabar com  banda em 1983 em um show lendário que reuniu todos os ex-integrantes em Londres.

Tentou nova empreitada com a banda Grand Slam e uma rápida carreira solo, mas nada evoluiu. De repente, Phil Lynott era um dinossauro a ser repelido e rejeitado, uma figura difícil que evocava um passado e a ser mantido lá, no passado.

Quando foi internado ás pressas na última semana de 1985, em Londres, esboçava a ressurreição do Thin Lizzy. Não deu tempo: os abusos de álcool e drogas obraram o preço ele morreu em 4 de janeiro de 1986. A grande caixa de oito CDs de "Live and Dangerous" é o melhor tributo que o mestre Lynott poderia receber na terceira década deste século.

É difícil destacar alguma faixa em particular, pois “Live And Dangerous” é perfeito. Contudo, a dobradinha “Cowboy Song”/”The Boys Are Back In Town”, as pancadas “Emerald” e “Suicide”, a excelente “Don’t Believe A Word” e as belas “Still In Love With You” e “Dancing in the Moonlight (It’s Caught Me in Its Spotlight)” merecem atenção especial. 

Anthony Topham, fundador da escola de guitarristas dos Yardbirds, morre aos 75 anos



O peso do blues foi demasiado para o garoto de apenas 17 anos, que tinha na sua sombra um fantasma que logo atenderia pela alcunha de "Deus". Era uma carga inglória e injusta para Anthony "Top" Topham carregar. E então os Yardbirds o "convidaram" a sair para dar lugar a um igualmente jovem, mas já experiente e autossuficiente Eric Clapton.
 
Topham, que morreu nesta semana, aos 75 anos, na Inglaterra (a causa da morte não foi informada), foi uma vítima do cenário extremamente competitivo e arrogante do nascente blues inglês dos anos 60. 

Os Yardbirds, a banda do momento, substituiu ninguém menos do que os Rolling Stones no lendário Crawdaddy Club. O menino imberbe e talentoso não segurou a barra. 

Estudioso e inteligente, o guitarrista tinha um conhecimento de blues e jazz e era um virtuoso nos circuitos das escolas de arte. 

Apadrinhado pelos principais nomes da cena londrina, foi apresentado aos futuros colegas de Yardbirds no finzinho de 1962 e, após jams variadas, ajudou a formar a banda no comecinho de 1963.

Apesar do prestígio e dos elogios, Topham sofria a oposição dos pais, que não enxergavam um caminho promissor na música pop e no blues. O surgimento do "monstro" Clapton no cenário foi o empurrão final que o primeiro guitarrista dos Yardbirds precisava para pular do barco. 

Em pouco tempo já havia se desentendido várias vezes com os companheiros por conta de diferenças musicais e de nível de comprometimento com a banda. 

O vocalista Keith Relf e o baixista Paul Samwell-Smith pensavam grande e longe e não tinham dúvidas de que os Yardbirds seguiriam o caminho dos Stones e seriam a próxima atração pop a estourar. Topham não compartilhava da mesma opinião e seu ceticismo/pessimismo irritava a todos no entorno.

Cinco meses depois, sem gravar nenhum disco, Topham deixou a banda e foi substituído por Eric Clapton, que já estava na mira da banda - e vice-versa. A troca foi inevitável, e Topham nem sofreu com isso - há quem dig que se sentiu aliviado ao sair do Yardbirds e atenuar as críticas da família.

Parecia ser o fim da carreira de Anthony Topham, e de certa foi, ao menos em alto nível e nos altos patamares musicais. Mergulhou no ostracismo mesmo sendo, eventualmente, reconhecido como ex-integrante dos Yardbirds.  

Em 1970, Topham gravou o álbum solo "Ascension Heights", que foi relançado em 2008 pela Blue Horizon, contendo faixas bônus e som remasterizado. 

O guitarrista trabalhou ainda como musico de estúdio, participando de sessões e trabalhos de artistas como Marc Bolan (T-Rex) e Peter Green (Fleetwood Mac).

Afastado da música, Topham abraçou as artes plásticas e se tornou pintor e designer de interiores. Ocasionalmente, ele participou de reuniões dos Yardbirds nos últimos 20 anos.  

O grupo ficou conhecido por ser o celeiro de grandes guitarristas da história - Eric Clapton ficou quase dois anos na banda e foi substituído por Jeff Beck, que morreu em janeiro passado. Ele ficou um ano e meio e fez dupla por meses com o guitarrista Jimmy Page.

Quando Beck saiu, os Yardbirds se tornaram um quarteto (Relf, Page, o baixista Chris Dreja e o baterista Jim McCarthy), mas entrou em decadência, implodindo em 1968. 

Page e o empresário Peter Grant tentaram manter o grupo com outra formação, alterando depois o nome para New Yardbirds, que tocou alguns shows com esse nome com novos integrantes. Foi apenas para cumprir contratos, pois no final de 1968 os quatro daquela formação adotariam novo nome: Led Zeppelin.

Motorhead vai relançar último CD e edição dupla em com músicas inéditas

Em uma de suas últimas entrevistas, Lemmy Kilmister, o baixista e vocalista do Motorhead, disse estar "vingado" daqueles que ousaram reclamar da qualidade dos álbuns da banda  o século XXI. "Bad Magic", lançado em 2015, realmente era o melhor disco do trio em anos, apesar de estar bem distante dos álbuns mais aclamados, ou mesmo dos razoáveis lançados nos anos 90.

Morto no finalzinho de 2015, o baixista não pôde saborear o bom desempenho de crítica e vendas do 23º e último disco de estúdio da banda. E o álbum foi o escolhido pela gravadora da banda para mais uma homenagem a Lemmy por conta da existência de material inédito de suas sessões estar á disposição.  

No próximo dia 24 de fevereiro, a Silver Lining relançará "Bad Magic" com novo nome: 'Bad Magic: Seriously Bad Magic", com o disco original remixado e material bônus, incluindo duas faixas inéditas não utilizadas e nem lançadas anteriormente.

O CD será duplo, com o segundo disco trazendo a gravação de um show realizado no Japão durante a turnê promocional de "Bad Magic" no segundo semestre de 2015 - uma performance registrada no “Mount Fuji Festival”, bem melhor do que as performances na Alemanha que vieram a se tornar o CD póstumo "Clear Your Clock".

As duas faixas inéditas já foram lançadas nas plataformas digitais. "Bullet in Your Brain" já havia sido disponibilizada em novembro de 2022, e a outra, "Greedy Bastards" é apresentada agora acompanhada de videoclipe, criado por Natalia Jonderko Śmiechowicz.

O material também será oferecido em uma edição de luxo que conterá jogos e entrevistas inéditas e exclusivas com Lemmy. "War, Love, Death and Injustice" é o áudio de uma conversa conduzida pelo especialista em Motörhead, Robert Kiewik, durante a turnê. 

Outra atração é um exclusivo tabuleiro ouija com o nome de "Murder One" completo com a prancheta "Ace of Spades" para explicar a conversa.

Em CD a versão será dupla, mas ainda haverá o vinil duplo de 12”, CD Digipak com disco bônus, caixa de edição limitada, download digital e streaming. Uma outra edição limitada conterá o CD digipak com disco bônus, vinil duplo de 12”, entrevista exclusiva em áudio de Lemmy, “War, Love, Death and Injustice”, em vinil de 12” e edição exclusiva da "Murder One Ouija Board" e prancheta

Em relação às duas músicas inéditas, não passam de curiosidade. São sobras de "Bad Magic" e não fizeram falta, apesar de "Greeding Bastards" ser um baladão blues com um solo de guitarra maravilhoso de Phil Campbell. "Bullet in the Brain" é uma canção mais tradicional do Motorhead, direta e rápida, mas não tão pesada. Todo o material, entretanto, vale pelo segundo CD, com o show registrado no Japão.


https://youtu.be/a_JgLSgHA1M

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Privatizar a cultura está na contramão da modernidade e do interesse público

 Privatizar a cultura continua soando como heresia em pleno século XXI. A cantilena neoliberal que prega a sanha privatista avançou para quase todas as áreas e começa a beliscar pelas bordas a saúde e a educação. Seria demais imaginar que a cultura estivesse fora da mira.

Para administrações que consideram investimentos sociais como gasto, não surpreende que teatros e espaços culturais sejam um "estorvo". Não passam de um "custo" indesejado e que não "levam" beneficio financeiro algum pra prefeituras e governos estaduais.

Esse pensamento obtuso, elitista e desagregador predomina nas regiões Sul e sudeste do Brasil, como as últimas eleições gerais deixaram claro. Políticos de direita e ultradireita foram eleitos em todos o Estados dessas regiões e as privatizações de bens públicos estão no topo das listas de prioridades.

Em São Paulo, mesmo com o descalabro das concessões de linhas de trem e metrô para empresas incapazes e incompetents, o novo governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos), discípulo e apoiador do nefasto ex-presidente Jair Bolsonaro, vai insistir nas privatizações de outros ramais de transporte ferroviário, além da Sabesp, a companhia de saneamento básico - um verdadeiro crime contra a administração pública.

Na capital paulista, o insucesso das unidades de saúde administradas por OSSs (organizações sociais da saúde) não demove a administração ultraliberal de querer se "livrar" das casas de cultura espalhadas pela cidade - são 25 ao todo.

A privatização desses espaços era um antigo desejo do ex-prefeito João Doria (PSDB), que nunca teve muito apreço pela cultura. A iniciativa também constava do programa de governo do sucessor, Bruno Covas (PSDB) e, agora, do atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), um ex-vereador inexpressivo que também  nunca demonstrou apreço pela área.

Sempre foi difícil estabelecer as linhas divisórias - ou limites - do que é luro aceitável nos espaços culturais. Por definição, é uma área que sempre esteve na esfera de indução do desenvolvimento por conta do Estado, assim como saúde e educação. 

Dentro de um processo de privataria desenfreada, como impedir ou limitar a busca pelo lucro por parte da empresa/empresário? Como impedi-lo de transformar as casas de cultura em espaços dominados por shows abomináveis de sertanejo e pagode regados a muita cerveja?

 Como obrigar o empresário a estabelecer parâmetros de formação cultural, digamos assim, diante de uma demanda equivocada, vendida pela mídia, de "mais opções por entretenimento"? Como obrigá-lo a separar cultura de entretenimento?

Há a questão da escolha dos equipamentos a serem privatizados. Os mais atrativos serão bastante concorridos, enquanto que aqueles das periferias correm o risco de ficarem ainda mais abandonados. Quem não se lembra de que no entorno da avenida Paulista há mais bancas de jornais do que em toda a zona leste da capital?

Movimentos sociais contrários á privatização acusam a gestão atual da capital de sucatear os equipamentos públicos para "justificar" a privatização ou a concessão. 

O prefeito Ricardo Nunes negou tal prática várias vezes, mas não cansa de pregar a "necessidade de cortar gastos" da administração municipal. No cérebro turvado do prefeito, cultura não passa de gasto, em uma visão ultraliberal distorcida e equivocada.

O orçamento de 2023 prevê destinação de R$ 20 milhões para a operação e manutenção das casas de cultura. Já o edital de privatização prevê R$ 169 milhões divididos em 5 anos, o que daria um total anual de 33 milhões de reais disponibilizados para as empresas ganhadoras, um aumento de 65%.

Detalhe: este valor não inclui a chamada verba de implantação, um dinheiro para a compra de equipamentos e realização de renovações, que são extremamente necessárias hoje, mas negadas pela prefeitura.

Artistas, oficineiros, gestores e movimentos ligados à luta pela cultura na cidade estão se organizando para afirmar a luta popular histórica pela cultura em São Paulo e tentar impedir o avanço do projeto neoliberal de privatização da cultura na cidade. Dominaram as audiências públicas sobre o assunto até agora e demoliram os principais argumento da prefeitura.

No apagar das luzes de 2022, em 16/12/2022, a Secretaria Municipal soltou um Edital para privatização do setor cultural, convocando uma audiência pública para o dia 13 de janeiro de 2023 em horário incompatível com o dos interessados, no sentido de barrar o diálogo e afastar a participação popular.

A secretária Aline Torres (PSDB), que assumiu o cargo sob promessa de realizar uma gestão mais participativa, não compareceu às audiências.

As casas de cultura, pelo fomento às atividades nas regiões periféricas, são ferramentas essenciais para o acesso da classe trabalhadora à cultura, uma vez que desenvolvem atividades recreativas, de auxílio à saúde mental e permitem a formação de talentosos atores, músicos e técnicos especializados.

A privatização da cultura vai na contramão das diretrizes do novo governo federal e das prioridades do recém-recriado Ministério da Cultura comandado pela cantora baiana Margareth Menezes. A ministra tem uma agenda que privilegia a inclusão e a cultura de formação do cidadão em todos os aspectos.

Privatizar a cultura é um contrassenso sob qualquer ponto de vista. Além de ampliar a exclusão do povo das decisões, contribui para afastá-lo das atividades educativas e de formação. Como seria a visão de um empresário ao assumir uma casa de cultura na zona leste, por exemplo? Que tipo de ação inclusiva promoveria?

Privatização e incentivo à cultura, na imensa maioria das ocasiões, são conceitos incompatíveis e que, levados a cabo, trazem prejuízos inestimáveis para a população. 

Neste link é possível acessar uma petição pública contra as privatizações das casas de cultura e assiná-la. https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR123717

O dia em que Eric Clapton ressuscitou

 A velha canção dos Beatles serve para muitas das situações mais complicadas da história do rock. Sempre é necessária uma ajudinha dos amigos em circunstâncias delicadas ("With a Little Help From My Friends", do álbum "Sgt. Pepper's Lonely Hearts club Band"). E o guitarrista Eric Clapton precisava muito dessa ajuda em janeiro de 1973.

Faz 50 anos que o mestre inglês das seis cordas "ressuscitou" pelas mãos dos amigos Pete Townshend (The Who), Ronnie Lane e Ron Wood, ambos nos Faces na época. Elas ajudaram a organizar um concerto que virou uma comédia e um desastre, mas que resgatou Clapton do limbo das drogas - mas não da bebida.

"Eric Clapton's Rainbow Concert" até hoje é um álbum cultuado, que recebeu algumas versões ao longo dos anos e que reúne parte da nata dos roqueiros mais importantes da época na Grã-Bretanha. 

Para uns não passou de um de uma reunião de bêbados tocando mal no Rainbow Theatre - e cobraram caro por isso. Não estão errados, mas ainda assim se tornou um dos eventos mais importantes da história do rock por conta de seu simbolismo.

Com o fim do Cream em 1968 e o insucesso do Blind Faith, no ano seguinte, Eric Clapton ficou à deriva. Tentou se equilibrar entre a carreira solo, a banda Derek and he Dominos, em que era o chefe, e a banda dos amigos Delaney & Bonnie, onde era apenas um guitarrista escondido no fundo do palco. foram duas temporadas - 1970 e 1971 - enchendo a cara, tocando bastante e curtindo a fossa por estar apaixonado pela mulher de um grande amigo - Patti Harrison, mulher de George Harrison.

Sem vontade e nem perspectiva, arrumou uma namorada novinha, ricaça e da alta sociedade, e se enfurnou em sua propriedade rural na Inglaterra. Foi um autoexílio que durou dois anos regados a muito uísque e drogas diversas. Cogitou até mesmo abandonar a música.

Nenhum amigo conseguiu tirá-lo da letargia no período e todos estavam muito preocupados. Foi então que o guitarrista Pete Townshend decidiu por um tratamento de choque: á revelia do amigo, juntou uma galera e decidiu organizar o show do retorno de Clapton ao mundo da música.

Com a ajuda do baixista Ronnie Lane, do guitarrista Ron Wood (futuro Rolling Stone) e do tecladista e cantor Steve Winwood, alugou o Rainbow Theatre e montou uma banda para dar suorte ao amigo.

O que ninguém desconfiava é que a imensa maioria dos convidados a tocar, incluindo os organizadores, eram tão viciados e bêbados quanto o "homenageado".

Apesar da iniciativa louvável e do voluntarismo de Townshend, a maior preocupação era que Clapton desse uma de Tim Maia e simplesmente não aparecesse - aliás, avisou várias vezes que não iria.

A persistência dos amigos vale a pena e uma comitiva foi buscá-lo em casa no dia do show, 3 de janeiro de 1973. Relutante, mas sem forças para resistir, foi conduzindo meio como um zumbi para o teatro. Não tinha como ele não aparecer, já que os ingressos, caríssimos, estavam esgotados havia meses e tinham acabado em minutos.

No palco, várias jam sessions e um Eric Clapton enferrujado e sem vontade de tocar - não tinha ensaiado e parecia sem energia ou vigor. No entanto, meio na marra, foi até o fim e afirmou a vários dos presentes que tinha curtido a noite.

Além de Clapton, Townshend, Wood e Winwood, tocaram na banda de apoio os bateristas Jim Capaldi (Traffic) e Jimmy Karstein, o baixista francês Rich Grech (Blind Faith e Family) e o percussionista Rebop Kwaku Baah. Ronnie Lane ficou impossibilitado de tocar, assim como John Entwistle (baixista do Who), o guitarrista Jeff Beck e os membros dos Rolling Stones.

Em quase duas horas de show, Clapton rememorou clássicos de sua carreira solo, como "Roll It Over" e "Blues Power", tocadas com certa leniência, "Badge", do Cream, em versão preguiçosa, e uma desencontrada tentativa de tocar "After Midnight", de J.J. Cale.

"Pearly Queen", do Traffic, composta por Winwood, soou bem razoável, assim como os clássicos do blues "Crossroads" e "Key to the Highway". "Little Wing", de Jimi Hendrix, ganhou uma versão emocionante, enquanto que "Let It Rain" e "Tell the Truth" ganharam versões mais encorpadas com um Clapton mais animado no palco.

Em sua autobiografia, Eric Clapton narrou o episódio com muito carinho e dedicou um importante agradecimento ao amigo Pete Townshend. 

Considera o concerto como um verdadeiro renascimento de sua carreira a partir de então. Voltou aos estúdios e às turnês e gravou álbuns importantes entre 1975 e 1980, recuperando a credibilidade artística, embora o vício nas drogas e na bebida tenham voltado a ponto de quase arruinar de vez a carreira. A sobriedade só veio em 1989.

Iggy Pop acerta em cheio com 'Every Loser'

 Iggy Pop decidiu flertar com a imortalidade e escancarou suas intenções nas comemorações de seus 75 anos. Sem concessões ou qualquer tergiversação, colocou a faca nos dentes e e entregou uma declaração de guerra.

"Every Loser", seu mais recente disco, é uma pancada na cabeça de quem imaginava que o rock tem pouco a dizer nestes anos conturbados do século XXI. Ele faz rock simples, direto, quase cru, quase punk, quase pesado. E de ótima qualidade.

Sem tempo perder e sem deixar tempo para respirar, Iggy Pop passeia por um terreno que lhe é bem conhecido e domina - o rock certeiro e sem firulas, com alguma sujeira e muito sarcasmo.

São pouco mais de 37 minutos em dez músicas que resgatam o que de melhor ele costuma fazer, seja mergulhando nas raízes de seus trabalhos dos anos 70, seja buscando inspiração em na produção oitentista mais sofisticada.

Cercado de amigos da pesada, o cantor norte-americano está à vontade e faz questão de deixar explícito que curtiu casa segundo das gravações. E também mostra felicidade em colocar "Every Loser" como uma grande homenagem Taylor Hawkins, baterista do Foo Fighters que morreu no ano passado. Foram as últimas gravações dele.

O produtor Andrew Watt tocou guitarra e caprichou na sonoridade moderna que domina o ambiente, por mis que a inspiração maior seja a década de 1970. Apesar de jovem, tem uma experiência extraordinária ao lado do baixista Glenn Hughes (ex-Deep Purple e Black Sabbath) na banda California Breed, que lançou apenas um disco.

No baixo, Duff McKagan, do Gun N' Roses, transmite uma solidez que as músicas rápidas e intensas requerem, em uma cama perfeita para o trabalho de Hawkins de outros dois bateristas, Chad Smith (Red Hot Chili Peppers) e Travis Barker (Blink-182). Stone Gossard, guitarrista do Pearl Ja, é outro amigo que passou no estúdio para uma ajudinha ao amigo de longa data.

Passeando por alguns estilos e subestilos, Iggy fez graça e brincou com os vocais em "Comments" e em "The Rhegency", músicas simples que transbordam energia e alto astral, onde as guitarras guiam a melodia de forma intensa, especialmente na segunda. São as últimas gravações de Hawkins.

Se a balada singela "New Atlantis" surpreende pela sutileza e pelo bom gosto, o sarcasmo e a acidez de sempre reaparecem em "Neo Punk", provavelmente a melhor do disco, em "Strung Out Johnny", com seu climão embalado por teclados, e na pesada "Modern Day Ripoff", com riffs bem hard rock.

Iggy Pop é bem mais do que um sobrevivente do rolo compressor sonoro dos Stooges, no começo dos anos 70, e do pop ácido, mas classudo, dos anos 80. 

Não é de hoje que ele responde por alguns dos melhores trabalhos roqueiros deste século, mas "Every Loser" é o ápice de sua trajetória deste século. Em forma e esbanjando vontade, o cantor setentão faz questão den dizer que ainda é bastate relevante.

Morre Van Conner, ex-baixista do Screaming Trees

 Do site Roque Reverso

Van Conner, ex-baixista do Screaming Trees, morreu na terça-feira, 17 de janeiro, aos 55 anos. Segundo o comunicado divulgado pelo irmão do baixista, o guitarrista e companheiro de Screaming Trees, Gary Lee Conner, Van foi vítima de pneumonia.

David Crosby morreu na quarta-feira, 18, aos 81 anos. Segundo informação confirmada pela esposa do músico, ele faleceu “longo período doente”.

A morte de Van Conner ocorreu cerca de um ano após a dura perda do lendário vocalista do Screaming Trees, Mark Lanegan, que faleceu em fevereiro de 2022. 

Apesar de a banda não ter alcançado o mesmo sucesso de outros nomes famosos, como o Nirvana, o Pearl Jam, o Alice in Chains e o Soundgarden, o Screaming Trees era extremamente respeitado não somente por todos esses grupos como pelo público e pela crítica especializada.

Com hits como “Nearly Lost You” (que entrou na trilha sonora do filme “Vida de Solteiro”), “Dollar Bill” “Shadow of the Season” e “Butterfly”, do ótimo álbum “Sweet Oblivion”, de 1992, e “All I Know”, do disco “Dust”, de 1996, o Screaming Trees parecia que estouraria como as quatro outras bandas, mas acabou não decolando como elas.

Acabou ficando, no entanto, com a fama de ser uma espécie de grupo “mais raiz” do que as demais, e gerando uma quantidade de fãs do lado alternativo do rock. 

Edição de 20 anos do Kool Metal Fest terá o d.r.i. como atração internacional

 Do site Roque Reverso

A edição comemorativa de 20 anos do Kool Metal Fest será realizada em março de 2023 em Belo Horizonte e em São Paulo. Entre as atrações confirmadas o D.R.I. é a banda internacional do evento, que tem também outros grupos brasileiros como participantes.

Em Belo Horizonte, o Kool Metal Fest será realizado no dia 11 de março no Mister Rock. Em São Paulo, o festival acontecerá no dia 12 no Carioca Club.

O D.R.I. tocará nas duas cidades, confirmando a agenda da turnê pela América do Sul que atualizou nos primeiros dias de 2023 nas redes sociais.

Na capital mineira, além do grupo norte-americano, vão se apresentar as bandas brasileiras Violator, Facada e Surra. Na capital paulista, a única mudança é o veterano Ratos de Porão no lugar do Surra. 
Os ingressos estão à venda no site Clube do Ingresso.

Para o evento em Belo Horizonte, a entrada inteira em primeiro lote custa R$ 240,00 para a Pista e R$ 360,00 para o Camarote. Para ambos os setores, há a meia-entrada para estudantes e a opção de meia promocional com a doação de 1 quilo de alimento não perecível.

Quanto ao evento em São Paulo, a entrada inteira já em segundo lote custa R$ 270,00 para a Pista e R$ 400,00 para o Camarote. Para ambos os setores, há a meia-entrada para estudantes e a opção de meia promocional com a doação de 1 quilo de alimento não perecível.

De acordo com os organizadores do Kool Metal Fest, outras bandas poderão ser anunciadas nos próximos dias para os eventos em Belo Horizonte e São Paulo.

Notável e atual, 'Dark Side of the Moon', do Pink Floyd, chega aos 50 anos



Uma elegia à modernidade ou uma contundente crítica ao estresse da vida moderna e à constante sensação de que a vida está mais acelerada e passando mais rápido? Dependendo da época e do ponto de vista de espectadores e de seus criadores, "The Dark Side of the Moon" ganha novas cores e diferentes interpretações. 

O fantástico álbum do Pink Floyd, provavelmente a sua obra máxima, foi lançado no começo de março há 50 anos e foi alçado a um disco de "inspiração acadêmica", digamos assim: não se sabe ao certo quantas dissertações de mestrado, doutorado e pós-doutorado ele deu origem.

Para celebrar a data, os administradores do legado da banda, que acabou oficialmente em 2015 - 1995, na verdade, já que a inatividade vem daquele ano -, pretendem relançar o álbum em nova versão expandida e cheia de bônus. 

Cinco anos atrás o mundo tinha recebido de boca aberta a "Immersion Verson", uma caixa com seis CDs e livro fartamente ilustrado, em embalagem de luxo.

O anúncio veio cercado de polêmica - inexistente, se levarmos em consideração o "teor' da coisa. Gente muito imbecil está "protestando" contra a "capa" e o logo estilizado lançado em janeiro com as cores do arco-íris. Acham que se trata de um apoio às causas que envolvem identidade de gênero e assuntos LGBTQIA+. Criticam até mesmo as cores que saem do prisma na capa de fundo preto. É a prova perfeita de que a burrice não tem limites...

É o melhor trabalho do Pink Floyd e o mais marcante impactante, até mesmo mais do que o multiplatinado "The Wall". É inovador desde os primeiros segundos e estabeleceu novos padrões de gravação e criação de sons em estúdio. 

"The Dark Side of the Moon – Os Bastidores da Obra-Prima do Pink Floyd", livro de John Harris, traça um panorama preciso de como surgiram as primeiras ideias para o trabalho, ainda em 1971, com a curiosidade de que as sessões de gravação e composição era frequentemente interrompidas.

O baixista e vocalista Roger Waters não perdia um jogo do Arsenal, popular clube de futebol de Londres, que acabaria sendo campeão inglês naquele ano após 18 anos de fila. Havia ambição e ousadia, diziam os músicos, mas o conceito do álbum só viria mais tarde, após intensas sessões de composição e gravação muitas vezes infrutíferas.

"Muitas vezes era exasperante enfrentar horas de estúdio e um perfeccionismo de todos, mas chegou um momento em que as coisas fluíram bem", narra o baterista Nick Mason em seu livro de memórias, "Inside Out", já lançado no Brasil. 

O objetivo inicial do grupo era criar um álbum mais palatável, diferente dos anteriores "Atom Heart Mother" e "Meedle". Mas como fazer isso sem perder as qualidades de produção e criação de seus membros? 

Na obra de Harris, o engenheiro de som Alan Parsons (que mais tarde criaria o Alan Parsons Project) conta como a elaboração do álbum se tornou um jogo de xadrez para que todos se sentissem contemplados e satisfeitos.

Ex-membro da equipe que trabalhou nas últimas obras dos Beatles, Parsons traçou vários paralelos entre os procedimentos e a forma de como a duas bandas trabalhavam. 

"Havia sempre uma usina de ideias nos dois ambientes, não havia limites para a inspiração e a criatividade. Era muito duro e cansativo, mas ao mesmo estimulante. Todo mundo seguia em frente e buscava oferecer coisas novas", diz o engenheiro.

Se o álbum não era conceitual na forma, como "Tommy", do Who, o era na essência, com alguns temas permeando as músicas, que abordam a ganância, passagem do tempo, insanidade, morte, conflitos diversos e, n limite, a loucura. 

Alan Parsons é uma das chaves para ao sucesso da obra, com suas aventuras no estúdio em busca de novas sonoridades em uma gravação em 16 canais. 

O então engenheiro de som até hoje fica abismado com os sons que as várias versões remasterizadas de "Dark Side" ressaltam. Em um especial para a TV inglesa sobre o Pink Floyd, soltou uma pérola: "Muitas vezes eu me pergunto como conseguimos fazer as coisas que fizemos. A cada audição é uma surpresa."

"The Dark Side of The Moon" foi o maior sucesso comercial do Pink Floyd, com vendas que superaram os 50 milhões de cópias físicas no mundo e alcançado o recorde da revista Billboard de tempo seguido na lista de discos mais vendidos. 

O álbum ficou 741 semanas consecutivas, entre 1973 e 1988 no chart de LP & Tapes e ainda hoje é um dos mais vendidos da Amazon, iTunes e em diferentes formatos – MP3, vinil e CD.

Há 55 anos o Pink Floyd 'perdia' Syd Barrett



Syd Barrett não está em entre nós. Era assim que o guitarrista Pete Townshend, do Who, se referia ao líder e fundador do Pink Floyd quando a banda tocava no clube londrino UFO, no final de 1967. 

A banda já era sucesso, com três singles e um álbum ótimo nas paradas, mas estava à beira de se esvair em fumaça por conta do comportamento errático de seu guitarrista, cantor e principal compositor.

Townshend ficou fascinado quando viu Barrett tocar no mesmo lugar um ano antes e correu para levar seu amigo desconfiado, Eric Clapton, para ver a novidade. 

No entanto, às portas de 1968, aquela visão do líder do Who foi provavelmente o último resquício de genialidade o guitarrista e líder do Floyd. Há 55 anos a banda perdia o seu norte e seu maior símbolo até então.

Pouco tempo, em um movimento que completa 50 anos neste começo de 2018, ocorreria a derrocada do músico, que seria simplesmente "esquecido" pelos companheiros de banda, selando o fim da trajetória de Barrett no grupo. 

O afastamento do músico do Pink Floyd, que foi um quinteto por quase três meses, é considerado um dos fatos mais importantes da história do rock.

Muita gente adora projetar e delirar ainda hoje: como teria sido o rock se Syd Barrett não tivesse naufragado nas drogas e em seus problemas mentais? 

Quais os limites que poderiam ter sido extrapolados se o esquisito guitarrista continuasse a compor suas singulares músicas misturando elementos psicodélicos e futuristas?

 Comportamento errático foi a principal característica pessoal de Syd Barrett a partir do momento em que seus problemas emocionais e lisérgicos – e posteriormente psiquiátricos – foram agravados.

Quase sempre Barrett não estava "no ambiente" e com ninguém , por mais que seu corpo mulambo, despenteado e às vezes malcheiroso estivesse por ali, jogado em algum canto do local. 

A trajetória deste músico inglês importante e influência de muita gente boa na música foi efêmera, mas marcou toda uma geração de roqueiros norte-americanos e ingleses.

Legado importante

O grande legado de Barrett é o primeiro álbum da banda, "The Piper at the Gates of Dawn", a estreia do Floyd nas gravações em LP, até hoje frequentador das listas de melhores de todos os tempos. Dez das 11 músicas do álbum são de sua autoria. 

Gênio? Talvez seja um exagero e uma supervalorização de quem teve uma carreira curtíssima, de apenas dois anos, com um álbum gravado e 13 músicas de muito bom nível – seus dois álbuns solo, lançados em 1970 e 1971, são menos relevantes em termos qualitativos.

No entanto, não há como não considerá-lo um dos maiores nomes do gênero, tanto como compositor como guitarrista, mesmo com uma parca obra, façanha de pouquíssimos. Dá para enumerar em uma só mão quem conseguiu ser tão original quanto ele.

Barrett tinha um fã clube considerável entre os músicos – Townshend, David Bowie, Kevin Ayers e toda uma leva de discípulos, dos Sex Pistols Clash e The Jam a Jesus and Mary Chain – , mas nunca foi unanimidade. 

Gary Brooker, tecladista e cantor do Procol Harum, não gostava do Pink Floyd e considerava algumas letras de Syd Barrett um pouco infantis (o que tinha bastante fundamento). Joe Boyd, o primeiro produtor do Floyd, que sofreu horrores para tentar disciplinar o guitarrista, também tinha a suas reservas quanto a obra composta por ele.

Só que é incontestável que a partida precoce de Barrett para outro planeta foi uma perda importante para o rock. Mesmo o reticente Roger Waters, que sempre se irritou com o que chamou de "suposta influência gigante de sempre" na carreira da banda, admite que o guitarrista era um "músico e compositor incrível, e que poderia ter se tornado um dos gênios do rock, caso não tivesse pirado".

Bom humor e instabilidade

Alegre e bem humorado quando criança, começou mostrar alguns sinais de instabilidade no final da adolescência, que muitos atribuem à morte do pai, um famoso médico, em 1961. 

Dividido entre as artes plásticas e a música, tinha rompantes violentos e desde cedo caiu de cabeça no LSD, droga alucinógena que pode ter sido o catalisador que desencadeou parte de seus problemas emocionais e psiquiátricos, de acordo com especialistas entrevistados por revistas inglesas nos anos 70 – opinião compartilhada por Rick Wright, tecladista do Pink Floyd.

Todos são unânimes em contar o consumo industrial e compulsivo de uma das drogas mais pesadas e perigosas. 

A coisa chegou a um ponto de muitas namoradas, ex-namoradas, amigos de infância e mesmo a irmã Rosemay não o reconhecerem depois de algum tempo sem vê-lo, já no final de 1966 e no ano de 1967 – quando teria sido o auge do consumo, ao menos enquanto era músico profissional atuante.

Comportamento errático, insano, violento (batia nas namoradas) era comuns em Barrett a partir de 1965, mas quando passou a ficar catatônico a coisa complicou.

No palco, quando tocava, ficava apenas em uma nota o show todo, obrigando o baixista Waters a cantar as músicas e o tecladista Wright a cobrir suas partes. 

Em alguns shows parava de tocar no meio e ia embora, assim como em entrevistas e gravações de programas de rádio e TV. Waters e Wright evitam dizer diretamente, mas creditam a Barrett o fracasso da turnê norte-americana de 1967, a primeira do grupo, que durou só uma semana. 

Depois dos três singles e do ótimo álbum "A Piper At The Gates of Dawn", veio a pressão natural por mais músicas e mais álbuns, e Barrett era o gênio compositor.

Foi demais para o instável e frágil guitarrista, que simplesmente se desconectou dos outros integrantes em dezembro de 1967. 

Barrett não compunha mais, atrapalhava a banda no palco e se rebelava no estúdio por qualquer coisa. Nem mesmo o paliativo de chamar o guitarrista amigo de infância David Gilmour para ajudar nas composições e no palco deu certo. O Pink Floyd foi um quinteto por quase três meses e não deu certo.

'Não vamos pegar Syd'


Como última tentativa para aliviar a pressão sobre Barrett, ventilou-se a possibilidade de ele não mais tocar. Seria como Brian Wilson nos Beach Boys pós-1967: ficaria apenas compondo e participando ocasionalmente das gravações. Poderia ter dado certo, se ainda houvesse qualquer resquício de comunicação com Syd. 

O resultado é que, em abril de 1968, a van da banda pegou todo mundo para um show na região metropolitana de Londres. Alguém da equipe técnica lembrou e perguntou: "Não vamos pegar Syd?" Ninguém respondeu. E nunca mais a van passou na casa dele para pegá-lo.

Os empresários do Pink Floyd ainda tentaram manter Barrett na música, ajudando-o a produzir e lançar dois álbuns solo de pouca repercussão – ambos com auxílio precioso de Gilmour e Waters. 

Irascível, intratável e incompreensível, deixava produtores e engenheiros de som malucos, que começaram a recusar a trabalhar com o "maluco do Pink Floyd". 

Um terceiro álbum nem sequer começou a ser iniciado e a carreira musical enfim terminou em 1973, aos 27 anos, quando fracassou o seu trio, Stars, com dois amigos da Cambridge natal.

Recluso e cada vez mais insano, afastou-se de todos os amigos, gastou muito dinheiro de royalties que ainda recebia, e teve deixar um luxuoso apartamento em Londres para voltar a Cambridge, para morar com a mãe em uma casa modesta, ora no sótão, ora no porão. 

Outrora magrelo, tornou-se uma figura gorda e desleixada, vítima de diversos problemas de saúde. Morreu aos 60 anos, em julho de 2006, em razão de um câncer no pâncreas, agravado por complicações cardíacas em decorrência do diabetes, provavelmente ainda em busca de um planeta que acomodasse sua inquietude e sua insanidade.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Metallica libera clipe da música nova ‘Screaming Suicide’

 Do site Roque Reverso

O Metallica liberou mais uma “degustação” do seu novo álbum, previsto para ser lançado em abril. A mais nova amostra do disco é a música “Screaming Suicide”.

A canção ganhou clipe dirigido por Tim Saccenti, que já havia sido o responsável pela direção do vídeo de “Lux Æterna”, primeiro single, apresentado pelo grupo em novembro, quando a banda norte-americana de thrash metal trouxe todos os detalhes do disco.

“72 Seasons” é o nome do novo álbum do Metallica e tem definido o dia 14 de abril de 2023 como data oficial de lançamento.

O disco sucederá o ótimo álbum “Hardwired…To Self-Destruct”, que foi lançado em 2016. Com isso, a banda romperá em 2023 nada menos que 7 anos sem um trabalho novo de inéditas de estúdio.

Será o 11º álbum de estúdio do Metallica tocando sozinho músicas inéditas. No comunicado que trouxe em novembro as informações do novo álbum, a banda considera, porém, “72 Seasons” como seu 12º trabalho de estúdio.

Vale lembrar que o grupo lançou em 1998 o álbum “Garage Inc.”, que trouxe uma série de covers com a roupagem sempre espetacular do Metallica que, na maioria das vezes, melhora muito as versões originais.

Tal qual “Hardwired…To Self-Destruct”, o novo disco do Metallica contou com produção de Greg Fidelman, junto com o vocalista e guitarrista, James Hetfield, e baterista Lars Ulrich.

Serão 12 faixas, totalizando 77 minutos de gravação.

Música nova traz tema que é tabu

A música nova “Screaming Suicide” mexe com um tema que é tabu no mundo inteiro, o suicídio. A própria banda não deixou de alertar sobre a necessidade de abordar o assunto no comunicado que acompanha a apresentação da música e do clipe.

“A intenção é comunicar sobre a escuridão que sentimos por dentro. É ridículo pensar que devemos negar que temos esses pensamentos. Em um ponto ou outro, acredito que a maioria das pessoas já pensou nisso. Enfrentá-lo é falar o não dito”, afirmou o vocalista e guitarrista James Hetfield. “Se é uma experiência humana, devemos ser capazes de falar sobre isso. Você não está sozinho”, finalizou.

Com delicadeza e sofisticação, David Crosby era a cara e a voz do folk rock clássico

 No suntuoso palácio da música, aquele canto de voz aveludada e angelical abrilhantava o que já era estupendo. Ao lado do antigo parceiro Graham Nash, deu cores diferentes a um grande clássico do Pink Floyd em uma noite antológica.

Foi lá, no Royal Albert Hall em 2006, que David Crosby foi "apresentado" a uma então nova geração de apreciadores de rock, em um concerto do ex-guitarrista do Pink Floyd David Gilmour, que se transformaria no DVD "Remember That Night". Aquela voz abençoada era uma novidade para muita gente.

De vida atribulada e carreira um pouco errática, Crosby não teve o reconhecimento que merecia, já que era um dos gigantes da música pop e um dos retratos do chamado fol rock, que praticamente criou ao lado de amigos e nem tão amigos assim.

Sua morte nesta quinta-feira (19), aos 81 anos de idade, jogou luz em um personagem fascinante, que ajudou aa tornar o rock mais palatável e, ao mesmo tempo, mais contundente na década de 1960, quando o mundo parecia em ebulição e a criatividade era a regra.

Crosby era polêmico e não pensava muito no que falava. Tanto que, em uma de suas últimas entrevistas, dizia-se amargurado e arrependido de algumas declarações. 

O arrependimento maior eram as críticas que havia fito a uma namorada de Neil Young, amigo de longa data. Ele nem se lembrava direito o que tinha falado da atriz Daryl Hanna, o que causou o rompimento definitivo entre os antigos colegas. "Já liguei e mandei e-mails, mas ele se recusa a responder."

Músico importante do incipiente cenário folk norte-americano no começo dos anos 60, já era experiente quando integrou os Byrds por volta de 1964 e percebeu o potencial de uma nova cena que surgia embalada pela música hipnótica e visceral de Bob Dylan

Logo o chamado folk rock da banda transcendia os guetos do gênero musical e dominava a as paradas mundiais com "Mr. Tamburine Man", de Dylan, e alguns outros clássicos que os Byrds emplacaram nos três anos seguintes. com a liderança do enérgico guitarrista Roger McGuinn e a força moral de Crosby.

Se os Byrds passavam uma imagem idílica de mundo quase perfeito, enquanto as vidas pessoais e os relacionamentos entre os integrantes se desintegravam. Era a gênese da mudança que estabeleceria definitivamente as bases do folk rock por excelência: o trio Crosby, Stills & Nash, que logo viraria Crosby, Stills, Nash & Young.

Foi na mansão de Peter Tork, o baixista dos Monkees, na Califórnia, que o trio se formou e começou a ensaiar. Tork era um músico folk por excelência e esperava integrar o novo grupo, mas nunca foi convidado. 

Crosby, Stephen Stills (ex-Buffalo Springfield) e o inglês Graham Nash (ex-The Hollies) causaram grande impacto quando lançaram o primeiro disco e a chegada de Neil Young amplificou o barulho, principalmente depois do festival de Woodstock e do ótimo álbum "Deja Vu".

Astros consagrados nos anos 70, o quarteto teve vida efêmera e deixou de ser a prioridade, com cada um engatando suas carreiras solo e outros projetos, entre eles alguns retornos de Crosby, Stills & Nash e, às vezes, somente somente Crosby & Nash.

Excelente compositor e um competente produtor, David Crosby lançou discos muito bons a partir dos anos 80, mas foi o que ficou mais mais marcado como "a voz" de Crosby, Stills, Nash & Young", ou seja, com a imagem indelevelmente atrelada ao grupo.

No entanto, isso nunca o incomodou ou interferiu no prestígio que adquiriu ao longo de de 60 anos de carreira. Se era desbocado e falastrão, ao mesmo tempo era querido e tido como uma pessoa afável e generosa, especialmente em relação a artistas novatos ou em ascensão que o procuravam em busca de uma bênção.

Crosby deu uma "cara" ao folk rock e ofereceu um pouco de delicadeza e sofisticação à música pop. O amigo Bob Dylan sempre terá ma dívida eterna com ele e os Byrds por conta da explosão do subgênero nos anos 60.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

A alma torturada e genial de Janis Joplin em boa biografia em português



Ela não é uma unanimidade, como foi o amigo Jimi Hendrix, que morrera duas semanas antes. Mas o respeito que angariou entre críticos e músicos a colocaram no panteão dos grandes nomes da música.

Janis Joplin, a cantora que tinha um “gato esganado na garganta”, como tentou gracejar certa vez um crítico americano, se tornou um símbolo da mulher no rock’n’roll, com sua aura de liberdade, autossuficiência, poder e extraordinária capacidade de interpretar canções emotivas.

Essa imagem, cultivada por ela e por uma legião de fãs, muitas vezes foi confrontada com a alma amargurada e torturada de uma pessoa solitária e com a firme impressão de estar deslocada em todos os ambientes.

A solidão de Janis não era apenas física, era um estado de espírito, como várias vezes contaram a jornalistas seus companheiros de banda a Big Brother and Holding Company.

Parte disso ressurge em “Janis Joplin: Sua Vida, Sua Música”, da Editora Seoman. Ela morreu em razão de uma overdose de drogas e superdose de álcool, sozinha, em um motel barato da Califórnia, em 4 de outubro de 1970.

Escrita por Holly George-Warren, jornalista e uma das mais respeitadas cronistas da história da música norte-americana, a obra procura, sem buscar o escândalo, desvendar a figura humana por trás do vulcão sonoro que Janis Joplin se tornou: uma vida carregada de transgressões, quebras de paradigmas,

Frustrações amorosas e dissabores familiares, fatores que ajudaram a carregar de peso as letras e a rouquidão/emoção em sua voz.

Assim como a biografia/investigação sobre a vida de Bon Scott, de autoria do australiano Jesse Fink, Holly Warren reconstitui, em perfil minucioso e detalhado, os passos de Janis até a overdose acidental de heroína, que lhe ceifou a vida. Suas horas finais são objeto de um bom relato, em uma triste narrativa que muitos confundem com uma sequência final de suicídio.

Claro que o clímax não poderia ser superficial, e é um dos pontos altos do livro, mas a autora procurou evidenciar a presença marcante de uma mulher que se tornou, meio sem prever, uma ativista e um símbolo para algumas correntes do feminismo e do empoderamento da mulher em um momento cultural da história importantíssimo para o Ocidente.

Janis Joplin que ressurge da biografia é uma mulher atormentada e solitária, mas também um poço de rebeldia e de ojeriza ao machismo e à violência contra a mulher.

Ele é dona de grande astúcia e personalidade complexa, que rompeu regras e desafiou todas
as convenções de gênero em sua época, abrindo caminho para as mulheres poderem extravasar suas dores e revolta no cenário artístico sem serem tão oprimidas pelo universo machista existente
no meio musical, de acordo com palavras de Warren.

“Por sua influência e por seu próprio trabalho perene, Janis Joplin permanece no coração de nossa música e de nossa cultura”, afirma a autora, que nunca escondeu a sua admiração pela artista, o que eventualmente pode ter influenciado algumas avaliações sobre a trajetória de Janis.

Com os devidos descontos por conta disso, o texto faz jus à importância da cantora. Da timidez blueseira ao extravasamento folk e o mergulho na soul music e no rhythm and blues, o panorama musical foi bem abordado, com análises interessantes, ainda que nem tão profundas – e ainda bem que esse não foi o caso, tornando a leitura mais ágil.

A forma como Janis transmitia emoção, em um canto que ia da melancolia à rebeldia, era e sempre será único. Sua voz rouca, que todos conhecem, revela uma alma que sofria e buscava refúgio na heroína.

Outro fator que marcou sua vida, também retratado no livro, foi a busca incessante pelo amor. Ela que nunca foi capaz de ter um relacionamento sólido e duradouro, e dessa forma buscou uma maneira
de aliar a sua carreira com o sonho de constituir uma família. Foi um fracasso, mesmo com tão pouca idade, do qual nunca se recuperou.

De todos os textos que a cantora mereceu em português, este é o mais interessante e detalhado, com um bom equilíbrio entre interpretação e relatos objetivos. As celebrações que marcam o cinquentenário da morte de Janis Joplin no Brasil começaram bem.

Janis Joplin, 80 anos : a voz torturada e intensa que empoderou as mulheres na música

 Uma cantora de blues encharcada de uísque, com voz rasgada e interpretação visceral e torturada por inúmeros fantasmas do passado e do presente. Não tinha como dar errado. E a branquela Janis Joplin explodiu como a maior cantora que o rock já produziu.

No mês e ano em que a moça faria 80 anos, o mundo da música ainda busca, mesmo que de forma inconsciente, uma mulher que ao menos belisque o monumental talento que ela tinha. 

Antes de continuarmos, é bom evitar qualquer tipo de comparação com Amy Winehouse. Ambas morreram aos 27 anos de idade e tomavam todas, mas paremos por aqui... 

Janis era a dama suja do blues e do rock, como bem definiu um jornalista brasileiro anos atrás. Viveu nos estremos e nos limites e ofereceu o que mais tinha para dar: paixão e desespero. Ela amava demais, e cobrava demais. Queria demais. Não teve tempo de desfrutar eventuais benefícios de uma vida louca, rápida e intensa. Pelo menos conseguiu isso - uma vida intensa.

Para ela, era tudo ou nada, quase que emulando o comportamento de outra diva mundial, a brasileira Elis Regina, morta em 1982. Janis Joplin entregava muito no palco e se entregava de tal forma e com tal paixão que simplesmente fazia o tempo parar. 

Como não se emocionar com o desespero com que cantava "Piece of My Heart"? Ou a devoção que imprimia em "Summertime"? Ou no sarcasmo e zoeira na mítica "Mercedes-Benz"?

Dá para tentar imaginar a voz blueseira por excelência hoje, aos 80 anos? Teria tido uma carreira ainda mais brilhante e assombrosa, como a de Rita Lee, or exemplo? Ou teria sucumbido de outras formas e uma indústria desumana e especializada em triturar artistas com hipersensibilidade?

Com a Big Brother & Holding Company ou a Kozmic Blues, bandas que a acompanharam na curta carreira, desferir diversas pancadas e estabeleceu um novo padrão artístico e musical para as mulheres dentro da música pop, da mesma maneira que Bille Holiday e Big Mama Thornton mudaram tudo no jazz e no blues.

Sem Janis e sua independência e rebeldia não haveria o rock empoderado e com ares feministas de Suzi Quatro e a explosão de força, fúria e talento da americana Debbie Harry, do Blondie, da escocesa Maggie Bell, do Stone the Crow, e da musa punk Patti Smith.

Foi a voz poderosa, rouca e rasgada de Janis Joplin que redefiniu o papel feminino dentro do rock e do blues. Era a antítese pop de cantoras como Dusty Springfield, Lulu e P.P. Arnold, para não falar o grandes conjuntos vocais como The Supremes, The Rondelles e Martha and the Vandellas. Era hora de incomodar o mundo masculino machista e quase misógino e o furacão Janis não perdoou: atropelou todo mundo.

Enquanto o poder alucinado e alucinógeno de Grace Slick, cantora do Jefferson Airplane, perdia vigor no final da década de 1960, Janis Joplin encantava empurrava o mundo da música pop por outros caminhos. Driblava a solidão e os fantasmas internos com o poder do blues.

Morta aos 27 anos, em outubro de 1970, a cantora texana que explodiu na Califórnia se tornou um símbolo de muita coisa e ainda faz sonhar. Sua trajetória musical ímpar e estupenda reforça a crença muito difundida ainda em vida por Amy Winehouse: a vida sem a voz de Janis seria um erro. 

Mortes no blues: um tributo a Jeff Beck, Steve James e Wolfman Washington

Eugênio Martins Júnior - do blog Mannish Blog

Em menos de 20 dias o mundo da música perdeu três grandes guitarristas de blues: Walter “Wolfman” Washington, morto em 22 de dezembro de 2022, aos 79 anos; Steve James, 06 de janeiro de 2023, aos 73 anos e Jefff Beck, 10 de janeiro de 2023, aos 79 anos.

Tudo bem, podem dizer que estou forçando uma barra em colocar o Jeff Beck dentro da categoria “blues”, mas é que não consigo - e nem quero - dissocia-lo de sua origem e de seus primeiros álbuns, Truth (1968) e Beck-Ola (1969).

Discaços que reuniram jovens músicos da nova cena blues/rock do Reino Unido, o Jeff Beck Group. Em "Truth", além de Beck na guitarra, o cantor de voz rouca, Rod Stewart; o baixista Ron Wood; o baterista Mick Waller; aproveitando que John Paul Jones estava no órgão Hammond, Beck assume o baixo em "Ol’ Man River" e Nick Hopkins no piano. Em "Beck-Ola", o time se repete com uma pequena diferença, Tony Newman assumiu a bateria no lugar de Waller.
 
Beck é considerado um dos guitarristas inovadores da década de 60 ao lado de Jimi Hendrix, Eric Clapton e Jimmy Page, sem nunca ter tido o sucesso comercial deles. Curiosamente, Beck, Page e Clapton fizeram parte de um dos grupos mais lendários do rock, os Yardbirds Beck sucedeu Clapton e precedeu Page.

Nos anos 60, após as fases Yardbirds e Jeff Beck Group, Beck abriu suas asas para voar alto no fusion com dois grandes trabalhos, Blow By Blow ((1975) e Wired (1976), o primeiro produzido por George Martin, o quinto beatle.

Em ambos os trabalhos Jeff Beck assombrou o mundo dos guitarristas e amantes da música com sua técnica que consistia e usar e abusar do tremolo e do botão de volume da sua Stratocaster, revolucionando e imprimindo voz própria ao instrumento. A informação que consta na conta de Jeff Beck no Twitter é que ele morreu de meningite bacteriana, rodeado por sua família, em sua casa no Reino Unido. 

Walter “Wolfman” Washington era uma voz forte em New Orleans, literalmente. Guitarrista cheio de soul e cantor que aprendeu ofício no coro da igreja de sua mãe.

Logo se apaixonou pelo blues, que o levou aprender as lidas guitarrísticas e que o levou a trabalhar na banda de Lee Dorsey e com Irma Thomas.
 
Nos anos 70 fundou a All Fools Band para tocar nas biroscas da velha big easy até sentir-se com musculatura para formar o Roundmasters, grupo que lhe traria a notoriedade como um dos baluartes musicais daquela cidade. Seu primeiro álbum, "Rainin’ in My Heart", foi lançado tardiamente em 1981 por um selo obscuro chamado "Help Me!"

Alguns anos depois gravou o que seria sua série de discos pelo selo, também independente, Rounder: "Wolf Tracks" (1986), "Out of The Dark" (1988) e o excelente "Wolf At The Door" (1991).

Após essa fase, Wolfman gravou pelo selo grande Pointblank, entrando para a história de New Orleans, onde reinou por seis décadas, entalhando seu nome no blues. Tristemente morreu de câncer na garganta aos 79 anos.

Nascido em New York em 1950, Steve James não tinha nada a ver com os blues que apresentaria mais tarde. Seu primeiro contato com a música de Leadbelly e Josh White foi por conta da coleção discos de 78 rotações da coleção de seu pai.
 
Apesar de ter aprendido sozinho os rudimentos da guitarra, foi quando mudou para o Tennessee e teve contato com os lendários Furry Lewis, Sam McGhee e Lum Guffin, além de aprender luthieria, foi que James subiu de nível, aprimorando a sua técnica de slide, composição, canto e presença de palco.
 
Mas foi em Austin, no Texas, após assinar com o selo local Antone’s, que sua carreira começou a ganhar corpo, lançando "Two Tracks Mind" (1994), "American Primitive" (1995) e a obra prima "Art and Grit" (1996).
 
E foi nessa época, na turnê do Art and Grit, que Steve James esteve no Brasil para uma série de shows, chegando até Santos, via Sesc, no projeto Sol Maior.
 
Desses três grandes nomes, foi o único que tive a oportunidade de ver e ouvir ao vivo. Em 1997 ainda não mantinha o Mannish Blog e nem sonhava com Mannish Boy Produções. Mas o blues já corria azul nas veias. Fosse hoje não me contentaria em pegar apenas o autógrafo.

Chegaria no malandro e falaria: “E aê Steve, vamos fazer uma entrevista?”. Se visse que a proposta fosse bem recebida já mandaria: “Ahhh, vamos fazer logo outro show”. Pena que não rolou, James morreu de câncer no cérebro.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

O rock brasileiro ficou conservador - e não conseguiremos reverter essa tendência

Bastaram quatro ano de sórdido bolsonarismo para que o rótulo conservador de viés fascista fosse colado de forma quase definitiva no rock brasileiro, em especial em suas vertentes mais pesadas. 

Da forma mais desesperadora, o gênero chega muito perto da ojeriza que causa o sertanejo por conta das questões políticas e da polarização. A diferença é que a imensa maioria dos artistas sertanejos não se incomodam com isso, já que aderiram de bom grado ao mundo podre do conservadorismo bolsonarista nefasto.

É uma tendência crescente, para tristeza imensa de quem valoriza boas práticas progressistas e respeito político á democracia, ainda que com divergências. O rock e metal brasileiros se tornaram intolerantes e, de certa maneira, desumanos, sendo que a recente separação do Shaman exacerbou a situação e explicitou que o rótulo conservador "colou" nos gêneros musicais.

A implosão de uma das bandas mais importantes do cenário teve a política e a polarização como panos de fundo. Em discussão com fãs nas redes sociais, o baterista Ricardo Confessori, abusou de xingamentos homofóbicos e até de cunho racista - ele é notório ultraconservador e cansou de fazer postagens apoiando intervenção militar, clamando por ditadura e manifestando simpatia aos terroristas de Brasília em 8 de janeiro.

Mesmo tocando com o baterista há quase 30 anos e o conhecendo pelo mesmo período, o baixista do Shaman, Luis Mariutti, entendeu que era demais e decidiu sair da banda, que acabou horas depois, pelo mesmo motivo, em comunicado do guitarrista Hugo Mariutti, o responsável pela marca.

A repercussão do fim da banda e dos motivos extrapolou o mundo do rock e serviu como exemplo de como a divisão política está afetando as vidas de muita gente.

Pior do que isso, jogou luz no suposto avanço do conservadorismo de viés fascista no rock pesado e, em última instância, no rock em geral. De forma lamentável e insana, Confessori recebeu muito mais apoio do que deveria e era esperado por conta de seu comportamento deplorável. É vergonhoso observar o quanto de fãs e músicos do gênero são totalmente preconceituosos e medievais.

Não bastasse o comportamento de ogro e troglodita que causou a implosão do Shaman, o baterista foi ainda mais odioso ao anunciar que ressuscitaria sua banda solo com "roqueiros raiz", músicos que "não precisariam pedir autorização para a esposa para ensaiar" (em alusão a Luis Mariutti, cuja esposa coordena a sua carreira) e que não se preocupem com "comportamentos politicamente corretos".

Quando foi que viramos "conservadores quase fascistas" e não percebemos? Como deixamos esses personagens bizarros tomarem conta do espaço e do discurso, atropelando as atitudes outrora contestatórias, de confronto, de rebeldia e de progressismo? Como é possível que não reajamos a bobagens do tipo "não devemos misturar rock com política"?

Como foi que a liberdade de expressão foi tão vilipendiada em nosso meio a ponto de ser confundida com a liberdade delinquir, de fender e de espalhar mentiras? E como alguém que se diz roqueiro aceita sem pestanejar esses comportamento desprezíveis?

O rock contestador e libertário não existe mais. Para cada Dorsal Atlântica, Ratos de Porão, Black Pantera, Inocentes, Plebe Rude e Detonautas existe uma multidão do outro lado corroendo o prestígio e a reputação de rebeldia, com a lamentável constatação de que o discurso conservador está prevalecendo - mais por omissão do que propriamente por um crescimento expressivo de fascistas.

Estamos nos calando enquanto os apoiadores de gente como Confessori está proliferando e tomando conta dos espaços e dos discursos. 

O predomínio conservador no debate e na reverberação colocaram o rock e o heavy metal nas cordas e na defensiva. Por omissão, estamos levando a fama de conviver e tolerar racistas, homofóbicos e preconceituosos de todos os tipos. A vergonha é imensa.

Na contramão da história

O rock conservador tem lugar na vida cultural do país e do mundo? O assunto ainda está quente e não costuma ter conclusão. Os debates viram o show de horrores que costumamos ver nas políticas partidárias de vários países, e principalmente no Brasil.

O roqueiro conservador deveria ser uma minoria, uma coisa exótica e apenas curiosa, mas existem espécimes além da conta nos Estados Unidos e na Inglaterra - sempre foi comum por lá, mas muito mais explícito com a chegada da pandemia de covid-19 e o consequente (e necessário) isolamento social. No Brasil, no entanto, os bueiros foram abertos e esses seres pantanosos, em maior número do que esperado, estão empesteando a sociedade.

Por definição e por evolução histórica, o rock conservador é um anacronismo e um contrassenso, já que embute as ideias de contestação, ativismo, rebeldia e crítica ao sistema, seja ele qual for.

Mas como combinar esses fatores com a gênese roqueira da América Latina, por exemplo, onde na maioria dos lugares o rock and roll foi abraçado pela classe média?

No Brasil foi assim. A classe média mais antenada e descolada dos anos 50 e 60 aderiu à novidade norte-americana, surgifa entre os negros do blues, a base da pirâmide social, e assimilada pela classe trabalhadora branca mais pobre e simples. É só verificar a origem social dos principais nomes do gênero nos Estados Unnidos e também na Inglaterra.

Em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Salvador foram os filhos de lasse média bem criados que começaram a disseminar o rock com certas doses de contestaçao e rebeldia, mas somente até a página 3.

Excetuando-se uma parcela expressiva dos nomes ligdos ao punk brasileiro e ao metal, o rock foi essencialmente algo de classe média, e de uma classe média típica, conservadora nos costumes e nem tanto na cultura. 

Não surpreende que artistas que se dedidacaram ao gênero nos anos 70 e 80 tenham se tornado ressentidos e fossilizados no século XXI. 

Integrantes do Ultraje a Rigor e o cantor Lobão, por exemplo, espécimes de uma legítima classe média, se fartaram nos bônus do mercado fonográfico favorável ao mesmo tepo em que exalavam imagem de polêmicos, rebeldes e até contestadores, até que caíssem no pior do conservadorismo político e de costumes, a ponto de se ligarem à extrema-direita.

Fora da ordem

Por isso é que causou mal-estar além da conta a declaração do professor de história Fábio Cascadura a respeito do assunto. De forma direta, decretou algo que deveria ser óbvio em recente entrevista ao site da revista Carta Capital: "O rock não tem vocação para o conservadorismo e se engana quem pensa desta forma."

Cascadura foi líder e vocalista da banda baiana Cascadura, uma pioneira na mistura de punk, hardcore e música regional nordestina. Existiu por 25 anos até que o músico se mudasse para o Canadá. Bolsista, estudou história em Toronto, onde faz doutorado e lidera uma série de estudos.

Suas afirmações trouxeram a ira de um grupo de músicos e roqueiros inconformados com o ue consideraram uma "lacração" do ex-músico e desde sempre professor de história. Por que o apreciador de rock não pode ser conservador?

De forma simples e direta, porque não pode. É uma afronta ao bom senso e à história em si. É brigar contra realidade, contra os fatos, contra a notícia. Rock adesista ao sistema e subserviente aos poderosos e aos governos não é rock, não é arte, não é nada.

Roqueiro conservador costuma ser um personagem ignorante e contraditório. Desconhece a origem o que escuta e não entende o que escuta. Reclama do Pink Floyd quando descobre o significado de álbuns como "Aninals" e "The Wall". Fica irritado quando percebe, tardiamente, que o Motorhead sempre chutou as canelas o tempo todo, sobretudo do mundo conservador americano e britânico.

É contraditório quado clama pela liberdade e adora bandas libertárias - mesmo quando não sabe disso -, mas se incomoda quando essas mesmas bandas, ou outras mais ativistas, pedem liberdade ou lutam por ela. E fala mal de de Rage Against the Machine e System of a Down, que são engajadas até a medula óssea.

Ou seja, a liberdade que vale é apenas a do roqueiro conservador, e não a do ativista e engajado, que quase sempre é antirracista e antifascista...

Contra o sistema

O professor Fábio Caascadura, ex-líder de banda libertária, engajada e ativista, consegue enumerar uma dezena de motivos para estabelecer que rock conservador não faz sentido, não só por não ter vocação, mas por ser uma contradição em si.

"Tive um período de intensa pesquisa sobre esse tema ainda antes de ingressar no curso de história. Meu interesse pelo rock me levou a buscar referências africanas nele, já que ele é fruto da tradição cultural da música negra do sul dos Estados Unido", diz Cascadura. "O componente social do rock é muito forte e explícito, com carga crítica e intensa posição de oposição."

De fora simples, ao estudar a diáspora africana desde o século XVII, Cascadura estabelece analogias e semelhanças entre as culturas tribais e as fundações do rock nos Estados Unido, a partir do blues, e não vê paralelos que possam explicar ou justificar tendências conservadoras no gênero musical.

Que haja uma tentativa de enxertar conceitos neoliberais no meio roqueiro, fruto da indústria do entretenimento cooptada pelo capitalismo, faz algum sentido, principalmente pela enorme fonte dinheiro e de lucros que se tornou. 

Ainda assim, imputar um aspecto conservador puramente econômico não invalida as outras características que afastam o rock do mundo conservador nos aspectos ideológico, político e de costumes.

Quando a coisa descamba para o lado da extrema-direita e o fascismo, com ataques à democracia e elogios ao autoritarismo e à censura feitos por supostos roqueiros e artistas totaomente equivocados, percebemos a total falta de sintonia dessa gente com a realidadece. E aí que fica escancarado que o conservadorismo no rock não faz nenhum sentido, chegando a ser ofensivo diante de tanta ignorância.

Essa guinada de pensamento conservador em uma juventude nem tão jovem a parti dos aos 2000 justifica, em parte, a perda de apelo o rock, que tem cada vez menos espaço em quase todos os ambientes. 

Quando roqueiros de peso começam a admitir que a funkeira Anitta é muito mais roqueira do que a maioria, em termos de engajamento, ativismo e rebeldia, é sinal de que o gênero se seus fãs estão mergulhados em um abismo profundo. 

Não é por outro motivo que o rap é muito mais próximo dos jovens há mais de 20 anos, falando a linguagem do jovem e abordando os temas que são mais caros aos jovens de periferia e que anseiam por uma sociedade com mis diálogo e menos desigualdade social.

"Fomos uma banda muito consciente do nosso lugar a serviço do combate ao racismo, à misoginia e à homofobia. O rock não tem vocação conservadora e quem assim pensa está enganado", vaticina o professor Fábio Cascadura. 

https://www.cartacapital.com.br/blogs/augusto-diniz/o-rock-nao-tem-vocacao-conservadora-e-quem-assim-pensa-esta-enganado-diz-fabio-cascadura/?fbclid=IwAR1u6IKNONag-5teLPpmobYvq8T4sG1flVpMmObnQ3vojNX-EBCqE3gLkOI