É tempo de incandescer. Com a pandemia arrefecendo, o blues vira rock dos bons e resgata o Hard Blues Trio para uma nova fase - mais uma. Não havia como ser diferente, já que ninguém conseguiu passar incólume ao período tenebroso da pandemia de covid-19.
“Set Fire” é a primeira música autoral do trio gaúcho após muito tempo de confinamento. O silêncio incomoda por se tratar de uma banda excelente e que prometia decolar com o CD “Pé na Estrada”, uma curiosa mistura de blues, hard rock e folk brasileiro alternando letras em português e inglês.
Com os bons resultados e a receptividade acima das expectativas, o trio acaba de lançar o EP "Escuta Esse Rock", que reúne os últimos cinco singles que os gaúchos soltaram nos últimos 18 meses. É música da melhor qualidade.
É impossível ignorar as semelhanças entre as carreiras do Hard Blues Trio e do Trample Undefoot, extinto trio blueseiro dos irmãos Schneleben, dos Estados Unidos.
Duas bandas com duas baixistas e vocalistas de extrema qualidade. Danielle Schneleben virou Danille Nicole na carreira solo e engatou uma bem sucedida carreira solo no blues e na country music, tendo um CD recém-lançado.
A gaúcha Dani Ela conseguiu melhorar o que já era muito bom e transformou a sonoridade do Hard Blues Trio, que ganhou, e muito, com a entrada da baixista e vocalista de voz forte e rouca.
“Set Fire”, a nova canção, é mais rock do que blues e tem um clipe muito simples, mas eficiente. A guitarra de Juliano Rosa é firme e coesa, com solos econômicos, mas certeiros, e uma base frenética e ao melhor estilo de Joe Bonamassa.
Na bateria, Alexandre Becker optou por uma levada ousada, lembrando Chris “Whisper” Layton”, da Double Trouble, de Stevie Ray Vaughan. É intenso e bem dançante, ao melhor blues rock sulista dos Estados Unidos.
De certa forma, é uma continuidade do CD “Pé na Estrada”. Dani Ela aposta em um som mais grooveado e gorduroso para contrapor o som da guitarra cristalina e acelerada de Rosa.
O guitarrista, aliás, é adepto de fraseados precisos e econômicos, mas gosta de brilhar nos solos, uma característica dos mestres blueseiros sulistas do instrumento, como Fernando Noronha, Rodrigo Campagnolo, Sólon Fishbone, entre outros.
A versatilidade da baixista e vocalista continua sendo o grande trunfo do trio, que mostra um diferencial e tanto n estilo. é blues, é blues rock, mas acima de tudo é música de qualidade, com algum toque de brasilidade e regionalidade.
O álbum anterior, "Pè na Estrada"!, lançado há alguns anos, é muito gostoso de ouvir. Aqui e ali dá perceber influências de música regional gaúcha, o que dá uma distinção à sonoridade do trio.
Com uma produção simples e sem qualquer resquício de rebuscamento, Rosa e Dani conseguiram encontrar timbragens interessantes em seus instrumentos e fizeram um som diferente e mais moderno, como na faixa-título e em “Depois das Montanhas”.
“Correndo com o Diabo” e “Cadeiras Vazias” são divertidas e são as que o baio ganha maior proeminência, se tornando quase como uma base guitarrística.
O blues rock dá as caras em duas faixas em inglês, “Growin’ Up” e “Watch Your Step”, mostrando que o trio também sabe soar mais pesado.
Diferentemente do Trample Under Foot, o Hard Blues Trio busca um caminho intermediário entre o blues e o rock, sendo que Dani Ela aposta em um som mais grooveado e gorduroso para contrapor o som da guitarra cristalina e acelerada de Rosa.
O guitarrista, aliás, é adepto de fraseados precisos e econômicos, mas gosta de brilhar nos solos, uma característica dos mestres blueseiros sulistas do instrumento, como Fernando Noronha, Rodrigo Campagnolo, Sólon Fishbone, entre outros.
Blues à beira da praia
Carla Mariani é uma cantora santista que busca de seu som agora que lidera o CM Quartet. "Introducing CM Quartet" é um disco que se destaca nem tanto pela interessante coleção de temas, mas pelo excelente trabalho de guitarras e por ser um alardeado "primeiro álbum autoral de uma cantora de blues e country" do Brasil. É uma afirmação ousada e que precisa de uma checagem, mas que chama bastante a atenção.
Com uma produção bem simples e pouco polida, Carla manifesta bom preparo e bagagem para enveredar por um blues mais modernos, com em "Ain't Life a Bitch", quase um blues rock, e "My Way".
A voz não é potente - precisa, inclusive, de uma melhor lapidação nos agudos -, mas a interpretação é correta e expressiva. Ela tem o domínio das ações, como em "Tax Money", um blues rápido e enérgico, e também na quente e rápida "Express Yourself".
Carla se sai melhor na dramática e tradicional "Refresh Your Heart", um blues mais pesado e expressivo, em que as guitarras elaboram uma "cama" sólida para que o mundo "desabe", quase esbarrando no desespero de um tango.
Se lhe falta a potência na voz, como a de Ida Nielsen ou Bidu Sous, ou a versatilidade de uma Bica Marchese, sobra-lhe inteligência para saber encaixar a sua voz em canções diretas e explosivas, como Crazy World", Nesta, que é ou country que se aproxima de um rockabilly, a cantora dá um show.
"Queria contar uma história e singles soltos, nesse caso, não contaria da forma que a história necessitava ser passada, pois seria fragmentada e sem sentido", diz Carla Mariani no material de divulgação do disco.
Ainda aferrada a um certo tradicionalismo, preferiu não lançar singles como estratégia de divulgação. "Na minha opinião, um trabalho completo mostra quem somos e para onde queremos ir. O público do Blues e Country Rock gosta e sente falta de trabalhos com início, meio e fim."
O quarteto é composto por Carla Mariani, Yan Cambiucci (guitarrista e parceiro nas composições), Tanauan (baixo) e Heittor Jabbur (bateria), que costmam misturar influências que vão de Etta James, Aretha Franklin, Ella Fitzgerald, Janis Joplin, Joss Stone, divas do blues e da soul music, a astros da country music, como Garth Brooks e Alan Jackson.
O álbum conta com diversas participações especiais como Vasco Faé (gaita na faixa “Tax Money”), Letícia Alcovér (pelo amor e backing vocals em “Landlord” e “Soul To Heaven”), Thais Ribeiro (piano em “My Way” e “Refresh Your Heart”), além de Lucas Degásperi, Carol Meles e Nathalie Rabelo (nos backing vocals em “Soul To Heaven”).
De uma forma bem humorada, ela tenta se apresentar como uma cronista de nosso tempo e tem uma visão bastante critica a respeito do atual "estilo de vida" dos jovens de classe média brasileiros - e muito disso está presente nas letras das dez músicas que compreendem "Introducing CM Quartet".
Baseado em sua própria experiência, Carla vê sua geração – de 30 a 40 anos – em uma posição completamente diferente dos pais dessa geração quando tinham essa mesma idade.
"Antigamente a meta de vida, aos 30 anos, era já ter uma vida resolvida, com emprego fixo, casa própria e carro do ano", comenta a cantora. "Já a geração seguinte, a de hoje, preza mais pela qualidade de vida e por trabalhar em algo que realmente gosta, mesmo que isso gere uma instabilidade financeira."
A percepção está correta, ainda mais se observarmos que a crise econômica grave que vivemos desde 2016, aprofundada pela crise sociopolítica dos tempos Temer-Bolsonaro, praticamente inviabilizam qualquer sonho de estabilidade econômica de uma juventude que encara um desemprego monstro de quase 12% da população economicamente ativa, ou seja, quase 13 milhões de cidadãos. Já a fome, que voltou com força, avança sobre ao menos 35 milhões de habitantes. "Crazy World", de certa forma, aborda essa confusão.
"Nossa geração não tem perspectiva de conseguir uma vida financeira estável", diz a cantora, que inicia o álbum atribuindo a desvalorização do jovem aos políticos e aos altos impostos. "É a famosa história onde o rico fica cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre. Nossa geração sofre com as altas taxas de impostos, do dólar e inflação."
Dá para perceber também que o disco está impregnado de um saudosismo que soa um tanto deslocado, mas que faz sentido diante dos dilemas que os artistas, principalmente músicos, encaram em tempos de ultrainformação que domina as nossas vidas por conta da internet.
O jeito de ouvir música hoje mudou, e não necessariamente pra melhor, e isso transparece no álbum. "Hoje vivemos em uma era em que até ouvir música é perda de tempo (risos). Antigamente, nos sentávamos à frente de um rádio e ouvíamos música por horas a fio, chamávamos amigos para ouvirmos juntos e curtirmos lançamentos como se fossem verdadeiros eventos! Hoje, a maioria das pessoas não aprecia mais esse momento, pois junto a ele faz outras coisas ao mesmo tempo, perdendo aquela chance de reflexão, desvio mental dos problemas do cotidiano e se levar pelas melodias a um lugar especial. Não existe mais tempo para música! Sinto falta de músicas com letras inspiradoras, solos e melodias que saem do que hoje é considerado ‘normal’. Sempre me pergunto para quem estão escrevendo essas músicas de hoje?"