Quase todas as mulheres que decidem fazer rock tem alguma história parecida, seja na América do Sul ainda muito machista, seja na Europa ou nos Estados Unidos, onde ainda persistem locais selvagens. Se a banda for formada apenas e tão somente por mulheres, a coisa fica bem mais complicada.
"Às vezes a gente leva no humor e vai em frente. Cansei de ter de responder aos idiotas que berram 'Aê, gostosa, mostre os peitos!!!!!' com um sonoro 'Não é Gostosa, o nome da banda é Nervosa!!!!!'", disse a cantora e baixista Fernanda Lira, ex-Nervosa e hoje na Crypta.
Se em pleno século XXI ainda continuamos combatendo as posturas machistas, sexistas e preconceituosas, quando não racistas, imagine então o que sofreram as garotas de bandas importantes como Mercenárias e Volkana, nos anos 80?
E quando pensamos no que tinham de ouvir as divas negras da Motown e Stax nos anos 60? Janis Joplin tirava de letra porque intimidava, já que era "porra louca" e muito famosa. Mas como lidavam com esse assédio e ambiente hostil desbravadoras como Suzi Quatro e a banda Fanny?
Toda mulher que aspira invadir o rock e tocar tem obrigação de assistir aos documentários sobre essas duas últimas artistas, exibidos no In-Edit - Festival Internacional de Documentários Musicais, em São Paulo, em 2021;
Todo homem que acha que banda de mulher é frouxa precisa assistir aos dois filmes para se envergonhar do preconceito e do machismo asqueroso que sempre disseminou.
Suzi Quatro e Fanny são artistas contemporâneas e pioneiras por mostrarem, na mesma época, que as meninas podiam tocar e cantar tão bem quanto os garotos. Podiam compor e expandir os limites do gênero de uma forma que nenhum homem ousava atingir.
Assustavam porque eram excelentes artistas e não tinham limites. Pagaram preços muito altos pelo pioneirismo e pela canelas que chutavam. E foram vítimas da vingança e retaliação de um mercado masculino que apenas tolerava meninas intrusas - mas que recusava a reverenciá-las.
Força extrema
Suzi Quatro era a mais empolgada com a banda de meninas que formou no começo dos anos 60. Queria tocar guitarra, mas adorou quando o baixo caiu em suas mãos.
Incentivada pelos pais, tocou em bandas na sua Detroit natal até que se uniu às irmãs para tentar a sorte no mundo pop ao lado de Patti (guitarra e voz) e Nancy (voz). Arlene, a outra irmã, também colaboraria mais tarde, só que por pouco tempo.
A banda Pleasure Seekers fazia sucesso local com as irmãs, mas o profissionalismo exigiu que houvesse a troca de nome para Cradle, que chegou a lançar singles. Foi durante uma curta turnê que as meninas foram vistas no palco e a baixinha carismática Suzi chamou a atenção. Recebeu o convite para ir a Nova York criar uma banda, mas só ela.
Torturada ela chance de ouro, mas sem poder carregar as irmãs, demorou demais a decidir, mas desvencilhou-se da família e seguiu solo para a grande cidade, onde não ficou muito tempo. Seu destino era a Inglaterra, onde finalmente fez sucesso como artista solo.
"Suzi Q", o filme de Liam Firmager, é uma produção australiana que conta a história da cantora e baixista, mas enfocando basicamente a sua passagem por Londres e a construção sua imagem de roqueira da pesada, apesar de ser pequenininha.
Estava para completar 20 anos quando desembarcou sozinha na capital inglesa para trabalhar com o implacável Mickie Most, produtor lendário que ajudou catapultar carreiras de bandas como Yardbirds e Small Faces.
Largou o confortável quarto só seu no porão de sua casa, em Detroit, para suportar o frio e a solidão de uma quitinete gelada em um bairro pobre e industrial. Acabou salva pela mulher de Most, que a adotou, e pelo guitarrista de sua banda, Len Tuckey, que se tornaria seu marido e pai de seus dois filhos.
Tratada como a primeira mulher a mostrar competência tocando e cantando no rock, Suzi não economizou nos depoimentos a respeito das dificuldades que enfrentou por ser mulher e as consequências de ter chutado muitas e muitas canelas.
Ousou bater o pé e conduzir a carreira da forma como achava que tinha de fazer, o que incluiu mergulhar nos musicais da Broadway e do West End londrino, deixando um pouco o rock de lado.
Suzi Quatro era a mais empolgada com a banda de meninas que formou no começo dos anos 60. Queria tocar guitarra, mas adorou quando o baixo caiu em suas mãos.
Incentivada pelos pais, tocou em bandas na sua Detroit natal até que se uniu às irmãs para tentar a sorte no mundo pop ao lado de Patti (guitarra e voz) e Nancy (voz). Arlene, a outra irmã, também colaboraria mais tarde, só que por pouco tempo.
A banda Pleasure Seekers fazia sucesso local com as irmãs, mas o profissionalismo exigiu que houvesse a troca de nome para Cradle, que chegou a lançar singles. Foi durante uma curta turnê que as meninas foram vistas no palco e a baixinha carismática Suzi chamou a atenção. Recebeu o convite para ir a Nova York criar uma banda, mas só ela.
Torturada ela chance de ouro, mas sem poder carregar as irmãs, demorou demais a decidir, mas desvencilhou-se da família e seguiu solo para a grande cidade, onde não ficou muito tempo. Seu destino era a Inglaterra, onde finalmente fez sucesso como artista solo.
"Suzi Q", o filme de Liam Firmager, é uma produção australiana que conta a história da cantora e baixista, mas enfocando basicamente a sua passagem por Londres e a construção sua imagem de roqueira da pesada, apesar de ser pequenininha.
Estava para completar 20 anos quando desembarcou sozinha na capital inglesa para trabalhar com o implacável Mickie Most, produtor lendário que ajudou catapultar carreiras de bandas como Yardbirds e Small Faces.
Largou o confortável quarto só seu no porão de sua casa, em Detroit, para suportar o frio e a solidão de uma quitinete gelada em um bairro pobre e industrial. Acabou salva pela mulher de Most, que a adotou, e pelo guitarrista de sua banda, Len Tuckey, que se tornaria seu marido e pai de seus dois filhos.
Tratada como a primeira mulher a mostrar competência tocando e cantando no rock, Suzi não economizou nos depoimentos a respeito das dificuldades que enfrentou por ser mulher e as consequências de ter chutado muitas e muitas canelas.
Ousou bater o pé e conduzir a carreira da forma como achava que tinha de fazer, o que incluiu mergulhar nos musicais da Broadway e do West End londrino, deixando um pouco o rock de lado.
Um mundo diferente
O documentário é extraordinário porque retrata uma estrela de médio porte do rock e a realidade que teve de enfrentar por ser uma mulher pioneira que optou pelo rock pesado em um momento da história que isso era coisa de homem machista e sexista. Se ela não alcançou o sucesso gigantesco que merecia, ao menos está até hoje tocando e gravando, em uma carreira que entra no 60º ano.
Quanto à banda californiana Fanny, o final não é muito feliz, mas embute uma história maravilhosa daquela que é considerada, de fato, a primeira banda feminina a conseguir alguma atenção e romper as barreiras machistas e sexistas.
Além de enfrentar os preconceitos citados, as integrantes ainda tinham o racismo para suportar e superar. As irmãs June e Jean Millington nasceram em Manila, capital das Filipinas (arquipélago situado ao sul do Japão, ex-colônia espanhola e norte-mericana), filhas de pai americano e mãe filipina.
A família, que incluía o irmão Michael, emigrou pra a Califórnia no inicio dos anos 60, quando as meninas eram pré-adolescentes. O racismo as acompanhou desde que chegaram a Los Angeles, algo que as marcou, assim como a amiga Brie Darling, outra imigrante filipina que viria a ser a primeira baterista da banda.
June (guitarra) e Jean (baixo e vocais) logo se destacaram nos bailes e escolas do bairro onde viviam e não demorou para que criassem aquela que provavelmente seria a primeira banda de rock só de mulheres a se destacar em Los Angeles.
"Fanny: The Right to Rock", produção canadense dirigida por Bobbi Jo Hart, é ainda melhor do que o filme de Suzi Quatro, pois a história em si é melhor por ser trágica e sem aquele final feliz.
Quando finalmente assumem o nome Fanny, em 1969, e são obrigadas a trocar de baterista porque Darling ficou grávida, a fita cresce e mostra detalhes de como a banda quase chegou ao estrelato e os motivos de não terem alcançado o sucesso.
Poderosas e desencanadas, trilharam o mesmo caminho que Suzi: assustavam o mercado e os homens porque eram indomáveis e incontroláveis. Meteram o pé na porta e combateram com vigor todos os preconceitos - machismo, sexismo, racismo e a homofobia, já que ao menos duas das quatro integrantes eram lésbicas assumidas, ainda que discretas. Era demais para o mundo unilateral e unidimensional dos homens que dominavam a indústria fonográfica.
Admiradas por David Bowie, Mick Jagger e Todd Rundgren, eram sucesso de crítica e cometeram cinco álbuns muito bons entre 1970 e 1975. Só que não vendiam. Nunca estouraram porque nunca tiveram uma música no topo das paradas - Suzi Quatro teve várias na Europa.
O documentário é extraordinário porque retrata uma estrela de médio porte do rock e a realidade que teve de enfrentar por ser uma mulher pioneira que optou pelo rock pesado em um momento da história que isso era coisa de homem machista e sexista. Se ela não alcançou o sucesso gigantesco que merecia, ao menos está até hoje tocando e gravando, em uma carreira que entra no 60º ano.
Quanto à banda californiana Fanny, o final não é muito feliz, mas embute uma história maravilhosa daquela que é considerada, de fato, a primeira banda feminina a conseguir alguma atenção e romper as barreiras machistas e sexistas.
Além de enfrentar os preconceitos citados, as integrantes ainda tinham o racismo para suportar e superar. As irmãs June e Jean Millington nasceram em Manila, capital das Filipinas (arquipélago situado ao sul do Japão, ex-colônia espanhola e norte-mericana), filhas de pai americano e mãe filipina.
A família, que incluía o irmão Michael, emigrou pra a Califórnia no inicio dos anos 60, quando as meninas eram pré-adolescentes. O racismo as acompanhou desde que chegaram a Los Angeles, algo que as marcou, assim como a amiga Brie Darling, outra imigrante filipina que viria a ser a primeira baterista da banda.
June (guitarra) e Jean (baixo e vocais) logo se destacaram nos bailes e escolas do bairro onde viviam e não demorou para que criassem aquela que provavelmente seria a primeira banda de rock só de mulheres a se destacar em Los Angeles.
"Fanny: The Right to Rock", produção canadense dirigida por Bobbi Jo Hart, é ainda melhor do que o filme de Suzi Quatro, pois a história em si é melhor por ser trágica e sem aquele final feliz.
Quando finalmente assumem o nome Fanny, em 1969, e são obrigadas a trocar de baterista porque Darling ficou grávida, a fita cresce e mostra detalhes de como a banda quase chegou ao estrelato e os motivos de não terem alcançado o sucesso.
Poderosas e desencanadas, trilharam o mesmo caminho que Suzi: assustavam o mercado e os homens porque eram indomáveis e incontroláveis. Meteram o pé na porta e combateram com vigor todos os preconceitos - machismo, sexismo, racismo e a homofobia, já que ao menos duas das quatro integrantes eram lésbicas assumidas, ainda que discretas. Era demais para o mundo unilateral e unidimensional dos homens que dominavam a indústria fonográfica.
Admiradas por David Bowie, Mick Jagger e Todd Rundgren, eram sucesso de crítica e cometeram cinco álbuns muito bons entre 1970 e 1975. Só que não vendiam. Nunca estouraram porque nunca tiveram uma música no topo das paradas - Suzi Quatro teve várias na Europa.
O sucesso não veio
Idolatradas por músicos e produtores, elas já era cult antes memso de terem completado 25 anos de idade, o que queria dizer que jamais fariam sucesso - não como Fanny, e não fazendo o rock pesado, mas de qualidade, que faziam.
June e a baterista Alice de Buhr pularam fora. Patti Quatro, imã de Suzi, entrou para ser guitarrista, mas a mágica tinha se quebrado e ninguém mais parecia ter interesse no rock melódico que as quatro moças faziam, emulando uma época dourada do rock setentista ultrapassado enquanto o punk e a disco music virvam moda. Era o fim da banda.
O filme começa e termina com a tentativa de retorno da Fanny 50 anos depois do início. June, Jean e Brie, que continuaram amigas por todo esse tempo, finalmente aceitam entrar juntas em estúdio no instituo cultural de música criado por June e uma sócia. O feitiço estava de volta e demora apenas um mês para que decidam gravar um novo CD e fazer uma nova turnê.
O trio fez de tudo para dar certo em um esforço louvável, tudo registrado pelas câmeras. "Fanny Walked the Earth" foi lançado em 2019 e tem participações especiais de Patti Quatro (visivelmente feliz e agradecida pelo convite) e da ex-baterista Alice de Buhr - a tecladista e cantora Nickey Barcley, da formação original, não foi encontrada para a reunião).
Com a ajuda do baixista Lee Madeloni (filho de June), aquela quadrilha de vovós incendiárias estava quase no ponto para tomar a Califórnia e o mundo de assalto de novo quando Jean sofreu um derrame cerebral a uma semana do primeiro show da turnê. Com o lado direito do corpo paralisado, recuperou a fala e alguns movimentos, mas não consegue mais tocar aos 70 anos de idade.
É uma história de superação, mas sem final feliz, ou daquele que gostaríamos, com, a banda nos palcos 50 anos depois e gozando de algum sucesso - ou ao menos do prazer de voltar a tocar juntas depois de tanta dificuldade e obstáculos.
Entretanto, por meio do filme, Fanny mostra que é um exemplo maravilhoso de redenção e superação de uma banda fantástica de mulheres, as primeiras a jogarem na cara dos homens que poderiam tocar tão bem quanto.
De certo modo, Fanny e Suzi Q reforçam que a perseverança cobra preços altos no rock, mas que oferece bonança e recompensas extraordinárias por conta do pioneirismo.
Sem elas não haveria Runaways ou Girlschool, ou Go-Go's ou Katrina and the Waves, talvez nem mesmo Doro Pesch ou Chrissie Hynde. E, certamente, as meninas da Volkana, Mercenárias, Malvada, Nervosa, Crypta, Sinaya ou The Dannation enfrentariam um zilhão a mais de dificuldades para subir aos palcos e brilhar.
Idolatradas por músicos e produtores, elas já era cult antes memso de terem completado 25 anos de idade, o que queria dizer que jamais fariam sucesso - não como Fanny, e não fazendo o rock pesado, mas de qualidade, que faziam.
June e a baterista Alice de Buhr pularam fora. Patti Quatro, imã de Suzi, entrou para ser guitarrista, mas a mágica tinha se quebrado e ninguém mais parecia ter interesse no rock melódico que as quatro moças faziam, emulando uma época dourada do rock setentista ultrapassado enquanto o punk e a disco music virvam moda. Era o fim da banda.
O filme começa e termina com a tentativa de retorno da Fanny 50 anos depois do início. June, Jean e Brie, que continuaram amigas por todo esse tempo, finalmente aceitam entrar juntas em estúdio no instituo cultural de música criado por June e uma sócia. O feitiço estava de volta e demora apenas um mês para que decidam gravar um novo CD e fazer uma nova turnê.
O trio fez de tudo para dar certo em um esforço louvável, tudo registrado pelas câmeras. "Fanny Walked the Earth" foi lançado em 2019 e tem participações especiais de Patti Quatro (visivelmente feliz e agradecida pelo convite) e da ex-baterista Alice de Buhr - a tecladista e cantora Nickey Barcley, da formação original, não foi encontrada para a reunião).
Com a ajuda do baixista Lee Madeloni (filho de June), aquela quadrilha de vovós incendiárias estava quase no ponto para tomar a Califórnia e o mundo de assalto de novo quando Jean sofreu um derrame cerebral a uma semana do primeiro show da turnê. Com o lado direito do corpo paralisado, recuperou a fala e alguns movimentos, mas não consegue mais tocar aos 70 anos de idade.
É uma história de superação, mas sem final feliz, ou daquele que gostaríamos, com, a banda nos palcos 50 anos depois e gozando de algum sucesso - ou ao menos do prazer de voltar a tocar juntas depois de tanta dificuldade e obstáculos.
Entretanto, por meio do filme, Fanny mostra que é um exemplo maravilhoso de redenção e superação de uma banda fantástica de mulheres, as primeiras a jogarem na cara dos homens que poderiam tocar tão bem quanto.
De certo modo, Fanny e Suzi Q reforçam que a perseverança cobra preços altos no rock, mas que oferece bonança e recompensas extraordinárias por conta do pioneirismo.
Sem elas não haveria Runaways ou Girlschool, ou Go-Go's ou Katrina and the Waves, talvez nem mesmo Doro Pesch ou Chrissie Hynde. E, certamente, as meninas da Volkana, Mercenárias, Malvada, Nervosa, Crypta, Sinaya ou The Dannation enfrentariam um zilhão a mais de dificuldades para subir aos palcos e brilhar.
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