Chegar à beira dos 80 anos de idade se divertindo no trabalho não é para
qualquer ser humano. Menos ainda quando se é um dos mais importantes cantores
de rock do mundo. O inglês Ian Gillan garante que consegue absorver cada minuto
que passa nos estúdios e nos palcos com a sua banda, o Deep Purple , e que o prazer
ainda é o mesmo.
É possível perceber isso no mais recente álbum do Deep Purple,
"=1", que é o primeiro com o novo guitarrista, o sul-africano Simon
McBride. Há 57 anos fazendo rock dos melhores, o grupo mostra vitalidade e um
repertório bem interessante, embora não seja memorável - nem mesmo é melhor do
que o ótimo "Now What?", de 2013.
Memo assim, é um disco bacana e gostoso de ouvir. McBride, que substituiu
Steve Morse em 2022, emprestou uma nova personalidade ao veterano grupo,
acentuando o espírito bluesy que domina o novo trabalho. Oriundo do blues rock,
McBride tem sólida carreira solo e coloca um molho diferente nas músicas novas
que o diferencia bastante de Morse.
Assim como ocorre nos últimos cinco álbuns do Deep Purple, os teclados
de Don Airey se sobressaem e ganham protagonismo em quase todos os temas. E o
casamento com a guitarra de McBride é extraordinário, revitalizando o som da
banda.
Gillan, do alto d seus 79 anos, consegue manter o humor e imprimir
sarcasmo nas letras bem sacadas, deixando escorrer uma descontração que não se
viu, por exemplo, em "Whoosh", o disco anterior. Entretanto, no disco
de versões "Turning the Crime", o novo astral já podia ser percebido,
ainda com Steve Morse toando guitarra.
Os três primeiros singles não davam uma clara ideia do que seria
"=1", o que parece ter sido feito de propósito. "Portable
Door" tem uma estrutura de valsa, mas é bastante rápida para
desfazer a primeira impressão. Ian Gillan brinca de crooner de banda de
baile, e o bom humor se sobressai.
"Picture of You" remonta aos clássicos dos anos 70 e McBride
consegue recuperar bem o espírito de Ritchie Blackmore, o guitarrista fundador.
É ma canção mais densa, com uma cad~encia que faz com que os teclados ganhem
promeinência. Tem uma certa tensão e dramaticidade que só realçam o talento de
Gillan.
"Lazu Sod " é menos esfuziante, embora tenha bons momentos nas
guitarras. ""If You Were You" é uma das grandes canções da banda
neste século, ombreando clássicos como "Haunted" e "Clearly
Quite Absurd"; Tem uma linha melódica simples, mas eficiente em um tema
reflexivo. Na mesma linha aparece "I'll Catch You", uma balada
jazz pouco inspirada e que destoa um pouco do conjunto da obra.
“O Deep Purple é mais do que apenas seus membros”, diz um comunicado da banda.
“=1" incorpora a essência e a atitude de sua encarnação dos anos 70,
possivelmente mais do que qualquer outro álbum na memória recente.
A produção novamente é de Bom Ezrin, veterano que trabalhou com Kiss e
Pink Floyd. Sua sonoridade é caracteristicamente limpa e precisa, procurando
realçar os timbres de cada instrumento.
“O enigmático título =1 simboliza a ideia de que num mundo cada vez mais
complexo, mas tudo eventualmente se simplifica até chegar a uma essência única
e unificada. Tudo é igual a um", tworiza abanda na mensagem aos
jornalistas.
“O novo álbum refletirá o que nós cinco criamos na sala de ensaio”, diz o
guitarrista Simon McBride em entrevista à revista Classic rock Magazine.
“Muitas das músicas, como 'Portable Door', foram escritas nas primeiras sessões
e literalmente se juntaram em cinco ou 10 minutos. Foi tudo tão fácil e
natural.”
A empolgação do guitarrista é genuína e se manifesta em termos sonoros,
por exemplo, no solo final de "Lazy Sod", que é simples e
ótimo.
A empolgação é compartilhada pelo vocalista Ian Gillan: “Ao longo da história
do Deep Purple, nossas melhores músicas sempre foram aquelas que foram escritas
em pouco tempo. Tocamos o que parecia bom e desenvolvemos músicas como sempre
fizemos".
"Now You're Talkin'" é a mais rock'n'roll
do álbum. O peso é substituído pelas linhas
blueseiras de guitarra e pelos teclados climáticos de Airey, que recupera o
espírito de Jon Lord (1941-2012), outro fundador. Até mesmo os timbres de órgão
Hammond de Lord são resgatados em uma espécie de grande tributo.
Boas ideias também povoam boas canções como "Show Me",
perfeita como abertura bem humorada do disco, e "No Money to Burn",
um primor de ironia e sarcasmo que remonta ao clássico "Maybe I'm a
Leo", dos anos 70. O conhecido humor sutil do vocalista aparece aqui em
todo o se esplendor.
Poderia ser mais um álbum Deep Purple para ser enfileirado na sua
discografia, mas soa como um trabalho cujo frescor e alto astral destoam
das produções roqueiras da atualidade. Agradável de ouvir, é tão bom que será
capaz de adiar qualquer plano de aposentadoria dos octogenários ingleses.
Só isso já vale o disco.
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