Marcelo Moreira
É possível existir tal instituição? A premissa é perigosa e pode
descambar na autoindulgência, especialmente se estivermos tratando de cinema e
de documentário. É um terreno pantanoso o explorado pelo cineasta Daniel Ferro.
Talvez não houvesse outra alternativa diante das mudanças que o roteiro sofreria ao longo da sequência cronológica e certamente Ferro soltou as rédeas e deixou que a história se desenrolasse naturalmente.
Na maior parte do tempo houve acerto, mas fica um gostinho amargo de chapa branca diante da glorificação da gravadora Deck Music, que seria a única gravadora brasileira "humana e respeitosa", que "valorizava o verdadeiro artista e fazia tudo pela arte".
Até mesmo adversários e eventuais desafetos, que deveriam contar alguns podres, elogiam o empreendimento e a "visão inovadora e diferente" de seus criadores, o executivo João Augusto e sua mulher, Monica Ramos.
O resultado das quase duas horas de filme é um produto bem acabado e
muito interessante sobre os bastidores de uma gravadora de porte médio, mas
edificante demais, perfeito demais em um segmento do entretenimento
caracterizado por disputas muitas vezes desleais e um desrespeito generalizado
em relação aos músicos.
O eixo central deveria ser João Augusto, o fundador e força motriz da Deck desde que ela foi criada como uma empresa de representação artística, nos anos 80, até virar gravadora, por volta de 1999.
Entretanto, o personagem principal é Rafael Ramos, o filho de João Augusto e Monica e que é o atual diretor artístico da gravadora - na verdade, é quem toca o negócio atualmente, com o pai mais dedicado à Polyson, fábrica de discos de vinil.
Ex-baterista da banda Baba Cósmica e apaixonado por rock, desde menino
se enfronhou no negócio da família e já fazia engenharia de som aos 15 anos
para os clientes do pai, em uma intervenção pouco comum. Claro que se tornaria
um dos produtores mais requisitados do mercado pop nos anos seguintes. Hoje,
aos 41 anos de idade, mostra uma maturidade impressionante e tem uma visão bem
moderna da indústria musical brasileira.
Extrovertido, divertido, inteligente e sensível, construiu uma reputação de competência e de capacidade inesgotável de trabalho, além de mostrar uma compreensão fora do normal em relação a questões artísticas e cotidianas dos músicos.
Todos os artistas entrevistados, de Elza Soares e Alceui Valença a Pitty, Cachorro Grande e os pagodeiros do Sorriso Maroto, fizeram questão de ressaltar a forma diferente de trabalho da Deck e a honestidade da relação de negócios com João Augusto, mas principalmente de reconhecer a importância, em suas carreiras, das orientações e conversas com Rafael Ramos.
Monica Ramos, mãe de Rafael e mulher de João Augusto, também aparece em
situações importantes ao mencionar o lado nada glamouroso do negócio, mostrando
quem segurava as pontas na hora de embalar CDs, de negociar com fornecedores e
de se embrenhar no mundo movediço e desconhecido da música digital.
Mesmo com o clima positivo e de triunfo, “Tudo Pela Música - Os 20 Anos da Deck”ilme muito bom e bastante interessante para quem se interessa pela indústria da musica no Brasil. Ganhou merecidamente a menção honrosa no Miami Independent Film Festival (Mindie). e estreará na programação do canal por assinatura.
A primeira exibição no Canal BIS ocorreu no dia 19 de setembro. Reprises ocorrerão na madrugada de domingo para segunda às 2h, segunda às 13h30, terça às 10h, sexta às 7h e sábado (26) ao meio-dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário