segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Rock instrumental: a excelência do Stratus Luna e o dinamismo do Medusa Trio

Marcelo Moreira

O rock instrumental nunca teve muito cartaz no Brasil, algo que não tem explicação fácil, até porque a tradição brasileira no choro, no samba e no jazz no segmento é muito forte. Os trabalhos instrumentais no rock nacional podem ser contado nos dedos: trabalhos solo de Kiko Loureiro (Megadeth, ex-Angra) e Edu Ardanuy (ex-Dr. Sin), Neural Code, Luís Kalil, ZFG Mob…

No entanto, há músicos que são insistentes e que fazem um trabalho elogiável e tem ganhado espaço merecido pela qualidade de seus trabalhos mais recentes, como é o caso do Medusa Trio, de Santos, e da jovem banda paulistana Stratus Luna.

O grupo de São Paulo, também um trio, existe há pelo menos cinco anos, mas chamou a atenção em 2016 com uma série de vídeos no YouTube não só pela qualidade da música apresentada como também para juventude: eram adolescentes fazendo um som muito bom, de gente grande e experiente, com um pé nos anos 70, quando provavelmente seus avós curtiam o nascente rock progressivo.

Compõem a banda, criada em 2007,  o baterista Giovanni Santhiago Lenti, o tecladista Gustavo Santhiago, o guitarrista Ricardo Santhiago e Gabriel Golfetti (baixo e teclados). Gustavo e Ricardo são irmãos e Giovanni é primo dos dois.

Nos vídeos, executavam de forma surpreendente e maravilhosa músicas de King Crimson e clássicos intrincados do jazz. Já ensaiavam os temas que estariam no seu primeiro álbum.




"Stratus Luna", o álbum, é uma consequência direta do EP "Pandas Voadores", lançado em 2017. É rock na essência, com muito experimentalismo e uma veia progressiva que ora descamba para o jazz, ora entra pelo heavy metal progressivo.

O CD, lançado em concorrida apresentação no Centro Cultural São Paulo, na capital paulista, tem sete temas  que se destacam pela ótima qualidade das composições e pelo equilíbrio na execução das partes.

Os destaques são "O Centro do Labirinto" e "Pandas Voadores", canções antigas que foram sendo lapidadas com o tempo. A primeira parece ter emergido de "Fragile", o quarto álbum do Yes, de 1971, onde o teclado duela de forma magistral com a guitarra cheia de efeitos, tudo sobre uma base hipnótica e precisa de baixo e bateria.

Já "Pandas Voadores" está assentada em uma base jazzística para que guitarra e teclados "viajem" em subtemas experimentais que obviamente remetem a King Crimson, mas também à Mahavishnu Orchestra (grupo do guitarrista inglês John McLaughlin), ao grupo inglês Camel e ao combo de jazz Weather Report.

Portanto, as referências são as melhores possíveis, mas o legal é que nada soa datado. Tudo é orgânico e encaixado, com um frescor e uma energia que chegam a ser contagiantes, como na épica "Efêmera", que fecha o trabalho, com seus quase oito minutos onde há uma mescla de rock (de novo aparecem influências do Camel), jazz, blues e um pouquinho de música brasileira.

As previsões de que o grupo apareceria com um grande álbum se concretizaram e o álbum autointitulado é uma extraordinária amostra de que o rock instrumental brasileiro tem espaço no mercado.

Também abraçando o experimentalismo, até certo ponto, o Medusa Trio escancara seu leque de influências no álbum "Medusa Trio, 10 Anos!". Orientado para a guitarra do santista Milton Medusa, o trio recebeu uma constelação de amigos para celebrar o rock e blues praticados por músicos excelentes.

Sergio Hinds, Robertinho de Recife, Fernando Cardoso, Willie de Oliveira, André Cristóvam e Mozart Mello fazem participações especiais no CD, explorando o hard rock, o blues rock e até o rock progressivo. O resultado é primoroso.

 "Ganhar e Perder" tem a voz de Willie de Oliveira, ex-integrante de Rádio Táxi e Tutti Frutti, em um hard rock vigoroso, com uma guitarra contagiante que faz lembrar o saudoso Hélcio Aguirra, do Golpe de Estado, morto há seisratus luna anos.

O destaque, no entanto, é a "colagem sonora" de "6 Cordas & Muitas Alegrias", um jazz fusion que se transforma em rockj progressivo com a contribuição dos mestres guitarristas convidados.



Sérgio Hinds (O Terço), Robertinho de Recife, Mozart Mello (Terreno Baldio) e André Christóvam, um dos pioneiros do blues no Brasil, participaram de uma verdadeira seção de criação para que pudessem executar suas partes, som solos alternados e dando uma coloração única para uma faixa extraordinária.

"Guitarras Brasileiras" é uma verdadeira celebração do rock brasileiro, assim como "Anos 70" incorpora elementos da música brasileira, com uma performance endiabrada de Milton Medusa.

Já "O Blues do Rock" é mais uma ode à guitarra, só que desta vez resgatando referências variadas – de Rory Gallagher a Robin Trower, de Martin Barre (Jethro Tull) a Mick Taylor (ex-Rolling Stones).

Não se trata apenas de virtuosismo ou perfeição técnica – tudo isso tem de sobra no CD. Milton Medusa, Luis Pagoto (bateria) e Fernando Tavares (baixo) transbordam paixão na maneira como tocam. É um feeling extraordinário, extrapolando a simples execução do blues rock – algo bem raro de se ver, sendo que no Brasil temos também como exemplos o tecladista Adriano Grineberg, o guitarrista Edu Gomes (ex-Irmandade do Blues) e multi-instrumentista Vasco Faé, entre outros.

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