quarta-feira, 9 de setembro de 2020

'Painkiller', do Judas Priest, marco da história do metal, completa 30 anos

 Marcelo Moreira

Não são poucos os que consideram que o Rock in rio 2 foi superior, em termos de emoção e qualidade, à primeira edição, realizada em 1985. Naquele janeiro escaldante de 1991, o concreto do estádio do Maracanã transformou o local em uma sauna, que logo virou um vulcão no dia do rock pesado, com a apresentação de monumentos como Queensryche, Gun N'Roses e Sepultura, entre outros. 

Mas o que levou às lágrimas os metaleiros de plantão foi a estreia do Judas Priest no Brasil, e logo em sua turnê mais icônica em quase dez anos, voltando às paradas com um álbum extraordinário, "Painkiller". Mal sabíamos nós, adoradores do Judas, que estávamos vendo a despedida do vocalista Rob Halford, então um dos deuses do metal, ao lado de Bruce Dickinson (Iron Maiden), Ozzy Osbourne (então ex-Black Sabbath) e Ronnie James Dio (outro ex-Sabbath, mas também ex-Rainbow).

O Brasil foi palco importante da história da banda por ter sido um dos pontos altos da carreira do quinteto e ponto fundamental da recuperação após as críticas aos trabalhos não tão inspirados da segunda metade dos anos 80. E, é claro, por se tratar da então despedida de Halford, que até aquele momento mantinha sob segredo, assim como o restante da banda.

"Painkiller" completa 30 anos de seu lançamento e foi um exemplo raro de como era possível uma banda clássica, que ultrapassava os 20 anos de existência, se reinventar e lançar um petardo estupendo, com uma produção moderna e pesadíssima, com uma agressividade que espantou até mesmo concorrentes e gente acostumada ao som extremo.

O álbum é uma viagem aos pântanos da mente e do comportamento insano em uma sociedade doente e dilacerada por conflitos. A faixa-título é um míssil que detona cérebros, unindo potência, peso e uma melodia vertiginosa.

E o que dizer de um hino como "All Guns Blazing"? Ferocidade, malícia, destruição, o Judas Priest reunia em uma única música os pilares do que se convencionou chamar de metal moderno - que, por acaso, a banda foi a precursora, ou criadora.


A música menos inspirada daquele álbum era mais instigante e empolgante do que qualquer hit ou suposto hit dos álbuns "Turbo" e "Ram It Down", os antecessores, que pretendiam estabelecer novos parâmetros dentro do metal abordando truques e experimentos de estúdio, resultado em produções repletas de excessos e extremamente processadas e "turbinadas". Parecia que tudo era artificial demais.

"Painkiller" surgiu para colocar ordem na casa e mostrar como se fazia. O Iron Maideten estava saindo de suas experiências com guitarras sintetizadas em "Somewhere in Time" e "Son of a Seventh Son", que culminaria no ótimo álbum "No Prayer for the Dying", também de 1990.

A vantagem sobre a concorrência era enorme, acumulando milhas de experiência ao surgir no boom do hard rock setentista, estabelecer as bases do metal moderno na virada para os anos 80, liderar a turma da New Wave of British Heavy Metal e manter a liderança na busca por inovação e novos timbres, mesmo que às custas de um som saturado nos álbuns citados.

 

 Com a avalanche de ótimas novas bandas no final dos anos 80, foi necessária uma mudança radical no som e na maneira de compor. 

O amigo Chris Tsangarides, produtor cipriota que ajudou a moldar o som de várias bandas, deu o toque de brilho na produção esmerada e sofisticada, valorizando os timbres únicos e essenciais das guitarras de K.K.Downing e Glenn Tipton. A dupla até tentou reeditar posteriormente o tipo de som que conseguiram, ms sem sucesso.

Curiosamente, em muitos lugares, como na França, uma canção superou a faixa-título em sucesso e como emblema da nova fase. "A Touch of Evil" (cm teclados de Don Airey, que futuramente entraria no Deep Purple), com sua estrutura épica e letra ameaçadora e profética, ganhou inclusive uma versão extraordinária da banda Headline, na voz da cantora Sylvie Grare - banda que foi a principal do metal francês no começo do século.

Também foram candidatas a hits outras canções maravilhosas, como "Hell Patrol", com sua estrutura de hino do speed/power metal, "Night Crawler", baseada em um blues pesadaço, e a clássica "Metal Meltdown", daquele tipo de ser cantada em estádio cheio.

O Judas Priest deu o recado e recuperou a sua majestade, granjeando a admiração e o respeito dos artistas novos e recebendo as reverências necessárias dos amigos - e concorrentes - do Metallica e do Iron Maiden.

Não há como, ao olhar retrospectivamente, não considerar "Painkiller" como um marco do metal moderno, mas também como um epitáfio de uma era. 

A saída de Rob Halford ao fim daquele ano de 1991 coincidiu o começo da ascensão do grunge e o estouro de bandas como Nirvana e Pearl Jam, bandas que abusavam de um som pesado obtido mais na saturação do excesso de produção, em alguns casos, do que na pesquisa de timbres e na execução pesada.

"Painkiller" foi o prenúncio do soterramento do hard rock do heavy metal tradicional pelo chamado "som alternativo" e não muito bem tocado - para cada Soundgarden, uma banda boa, vinham, na sequência 15 bandinhas grunge tentando imitar Nirvana, como Stone Temple Pilot e cisas parecidas.

Somente o Metallica e o Guns N' Roses conseguiram sobreviver a duras penas à nova era, enquanto o Judas hibernava sem Halford e o Iron Maiden capengava sem Bruce Dickinson.

Trinta anos depois, ainda é difícil medir a importância do álbum na história do rock pesado. O impacto que a faixa "Painkiller" causa no ouvinte talvez seja a melhor descrição de seu poder e o do álbum.

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