sábado, 5 de setembro de 2020

Sem surpresas, nova versão de 'Goat's Hed Soup', dos Stones, não emociona

Marcelo Moreira




O que se faz em seguida quando se lança uma obra-prima? Esgota-a até não sobrar nada em turnês mundiais e entrevistas estranhas e sem muito sentido. E depois?

Os Rolling Stones seguiram essa cartilha depois de uma sequência de excelentes álbuns após o fabuloso "Beggars Banquet", de 1968, e parecia estar flutuando no auge quando veio o seminal "Exile onm Main Street", de 1972, álbum duplo gravado de forma tumultuada no sul da França. 

A banda disputava o posto de maior banda do mundo com o Led Zeppelin naquele início de anos 70, com The Who coladinho na traseira, mas algo já se notava nos shows europeus de 1972: um certo tédio e cansaço. 

Aquela que deveria ser a maior turnê da banda, e a primeira em quase três anos, de maneira a afastar os fantasmas do show de Altamont, na Califórnia, em dezembro de 1969, um pesadelo em todos os sentidos que culminou com o assassinato de um espectador em frente ao palco.

"Goat's Head Soup", o álbum de 1973 que veio após a ressaca do álbum anterior e da turnê arrastada, refletiu esse estado de ânimo e foi como se fosse um balde de gelo nos fãs e nos críticos que esperavam algo maior e grandioso, até para que conseguisse competir com "Houses of the Holy", do Led Zeppelin, e com "Quadrophenia", a magistral ópera-rock do Who.

Após 47 anos de seu lançamento, "Goat's Head Soup" ganha a tão falada edição de luxo neste mês de setembro, com três CDs e um libreto repleto de informações interessantes sobre a banda.

O material sonoro, no entanto, não surpreendeu e nem chama muito a atenção. O primeiro disco traz as músicas originais remixadas e remasterizadas; o segundo, curiosidades, sobras de estúdios e takes diferentes das canções originais; o terceiro, e talvez mais interessante, uma apresentação ao vivo gravada em Bruxelas, na Bélgica, em 1973. 

É um show legal, mas não é inédito, pois a própria banda já havia editado um material para colecionadores com trechos da apresentação, exaustivamente pirateada ao longo de décadas sob o nome de "Brussels Affair".


A estratégia de divulgação do novo produto surpreendeu. Nos meses que antecederam, o filé da coisa, ou seja, as músicas inéditas, foram lançadas em singles. Se o álbum é considerado fraco, imagine então as sobras.

"Criss Cross" e "Scarlet" ganharam um tratamento de produção de ótima qualidade, com mixagem boa e que garantiu o tempero "vintage" da época, mas que não foi o suficiente para mascarar o quão soam fraquinhas. Nem a presença de Jimmy Page na segunda, supostamente uma canção composta em homenagem a sua filha, abrilhanta a faixa. 

"All the Rage", outra inédita, aparece de forma preguiçosa e recebeu um tratamento meio desleixado. O restante do disco 2 tem remixes e takes alternativos, mas nada digno de nota

É um produto típico para colecionadores e fás incondicionais. Não traz novidades substanciais. O álbum demonstrou que a inspiração passou longe dali, com a banda requentando material que tinha sobrado das sessões francesas do álbum anterior.

Impulsionado por "Angie", a baladaça que estourou nas paradas, "Goat's Head Soup" tem pouca coisa mais a oferecer. "Winter" é outra balada interessante, mas sem a pegada dramática de "Angie". 

"Silver Train" poderia estar em "Sticky Fingers", de 1971, e é um dos bons momentos do álbum, mas é pouco para uma banda que estava supostamente no auge. "Dancing with Mr. D", a longa e maçante "Can You Hear the Music" e "Star Star" revelam algumas boas ideias, mas naufragam na falta de entusiasmo e de interesse coletivos

Enquanto o esperado novo álbum de inéditas - o primeiro em 15 anos - não chega, resta apenas mastigar esses acepipes sem muito tempero e com um gosto amargo de produto vencido.

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