Marcelo Moreira
Pode não ter sido o ano mais importante do rock, mas foi quando (quase) tudo começou. O sagrado ano de 1965 definiu basicamente como a música que tanto amamos como a principal manifestação cultural da juventude ocidental. Foi naquele ano que o rock passou a ser encarado como arte, com seriedade e com propriedade.
Alguns fatos memoráveis: foi o ano da explosão de The Who; da consolidação dos Rolling Stones como potência; do surgimento dp Pink Floyd; da guinada total dos Beatles como artistas de vanguarda; do surgimento dos Small Faces; do amadurecimento dos Kinks; da transformação de Eric Clapton em protagonista. Isso tudo e muito mais faz 60 anos em 2025.
Um livro bem interessante analisou os grandes fatos da música pop de 965 e traz conclusões que merecem algumas reflexões. O jornalista e historiador norte-americano Andrew Grant Jackson é o autor de "1965 – O Ano Mais Revolucionário da Música", editado recentemente no Brasil pela editora Leya. É uma obra ambiciosa e pretensiosa, com alguns equívocos, mas que propõe um debate instigante.
Crav ar esse tipo de afirmação em uma obra literária é temerário, ainda mais em um assunto como a cultura pop. Por que 1965, e não 1967, quando obras-primas do rock foram lançadas, ou 1968, ano em que o mundo pop foi influenciado por acontecimentos sociopolíticos? Ou então 1970, que é o ano em que os sonhos acabaram e a arte ficou mais "profissional"?
Jackson expôs muitos argumentos em 330 páginas e não convenceu – não conseguiu provar categoricamente que 1965 foi o ano mais importante da música pop.
No entanto, com um texto leve e informativo, e com toneladas de referências, cometeu uma obra importante, onde descrever com clareza e uma interpretação sociocultural alguns dos principais fatos da década de 1960.
Se o autor não prova o que título da obra vaticina, consegue traçarum panorama bem legal não só do ano citado, mas de toda a área cultural desde o ano de 1950.
Bem contextualizado, o texto mostra a gênese de alguns álbuns e singles importantes, descreve como os principais artistas as criaram e o ambiente em que criaram, citando o "clima" interno de bandas e os problemas pessoais que os envolviam.
Foi a situação de John e Michelle Philips, por exemplo, eram o casal principal do Mamas and the Papas, mas a banda quase acabou em 1965, antes do sucesso, por causa do caso extraconjugal de Michelle com Dennis Doherty, o guitarrista principal da banda (John os pegou no flagra, houve briga, mas a banda prosseguiu por anos, assim como o caso dela com Doherty). Esse clima foi crucial para a composição de vários hits da banda, assim a paixão não correspondida da outra vocalista, Mama Cass Eliott por Doherty
Jackson foi além, descrevendo como funcionavam as paradas de sucesso de folk, rock, pop, blues e soul, mostra como foram importantes algumas obras do período, como as de Frank Sinatra, Otis Redding, Marvin Gaye, os artistas da Motown, Stax, da cena country e do blues.
Passa também, ainda que rapidamente, mas com conteúdo, pela cena inglesa de blues e rock da primeira metade dos anos 60. Pela formação e pela paixão, o autor dedica muitas e muitas páginas ao que chama de folk rock, e Bob Dylan acaba ganhando um protagonismo exagerado, embora não fora de propósito. O músico entremeia relatos em várias partes do livro, ganhando uma análise profunda de sua obra e do impacto que vários eventos tiveram em sua música.
Para leitores que têm um conhecimento superficial da vida norte-americana daquele período, o livro traz um bônus: relatos importantes do clima político, econômico e social que marcaram a década.
Estão lá explicações sobre os principais conflitos raciais dos anos 60, as disputas políticas entre conservadores e liberais, as lutas às vezes sangrentas pelos direitos civis de minorias, as campanhas e filosofias de gente como Malcolm X e Martin Luther King, as causas do surgimento dos hippies, a decadência econômica de polos industriais como Detroit e o norte da Califórnia o impacto que a política belicista em relação ao Vietnã e a sua desastrosa guerra tiveram na sociedade e como isso influenciou diretamente a música.
Mesmo não comprovando a tese do título, o livro de Jackson é interessante pelas informações que compila e pela contextualização necessária sobre uma época rica da arte da cultura ocidental. A conclusão é questionável, mas como obra história cumpre satisfatoriamente o seu papel.