sexta-feira, 20 de setembro de 2024

David Gilmour faz um belo e nostálgico tributo à vida em novo álbum

 A voz da moça é suave, tenra e emotiva, casando bem com a melancolia quae esbarra na tristeza comovente que a canção “Between Two Points” transmite. Escolhida como terceiro e principal single do novo disco, tinha tudo para ser um estrondoso fracasso. Uma canção triste e para baixo patra promover o álbum?

 

David Gilmour, ex-guitarrista e vocalista do Pink Floyd, adquiriu tamanha estatura em sua carreira que hoje, aos 78 anos, permite-se fazer qualquer experimento. “Luck and Strabge”, o mais novo trabalho qye está sendo divulgado, é o caso e mostra o tamanho do acerto que um artista da estaura dele.

 

A delicada voz de Ropmany Gilmour, sua filha, é o ponto alto que embala “Between Two Points” ao lado da chorosa e lânguida guitarra do pai. Ela anda toca harpa na faixa, o que acrescenta um tom ainda mais melancólico e reflexivo à canção. Tudo muito triste e solitário, mas com serenidade.

 

“Luck & Strange” difere em tudo de “rattled That Lock”, o álbum anterior, de 2015. Este é um álbum afirmativo, com várias mensagens e uma bordagem mais positiva e pop, onde a guitarra do artista está a serviço de um conceito mais homogêneo. Oito anos depois, Gilmour recupera sua alma bluesy e destila solos e riffs meticulosamente planejados para exalarem a tão requerida reflexão . Se alguém queria o ex-Pink Floyd resgatando a veia estilística que sempre o caracterizou, ganhou de presente isso neste trabalho recém-lançado.

 

Os dois primeiros singles indicavam que haveria alguma nostalgia. “Yes, I Have Ghosts”, do ano passado, era a sua primeira parceria com a filha, que faz vocais de apoio e, em certo momento, dialoga com pai em uma canção singela que esbarra no folk inglês e no pop semiacústico. “The Piper’s Call” já invade outra seara, a do rock mais tradicional com tempero setentista, também com acento autobiográfico.

 

Há pequenos trechos belos que servem como interlúdios como se fossem vinhetas de apresentação de alguns temas, o que confere um tom conceitual e até confessional, com aquele timbre único que só Gilmour consegue extrair de uma Fender Stratocaster.

 

Se ele reforçou os laços familiares tocando coma  família músicas compostas com a precisa e necessária colaboração da esposa, Polly Samson, nas letras, Gilmour radicalizou ao chamar um produtor experiente, mas fora do contesto ptogressivo e de rock clássico.

 

Charlie Andrew, cujos créditos vão de Madness a Marika Hackman, chamou a atenção de Gilmour por seu trabalho com os roqueiros de arte de Leeds Alt-J. Convidado para ouvir as demos do que viria a se tornar “Luck and Strange”, Andrew desafiou Gilmour sobre se cada faixa precisava de um solo de guitarra ou desaparecer no horizonte com um fade out lento. "Ele é muito direto e não se deixa intimidar de forma alguma, e eu adoro isso", diz Gilmour sobre seu novo coprodutor e a experiência de fazer este quinto álbum solo. "A última coisa que você quer é que as pessoas se submetam a você", reafirmou no material de divulgação.

 

O som de Gilmur é o tradicional, mas Andrew o fez experimentar, como nos timbres cruzados e sobrepostos -  e retos - na faixa-título, ou com a presença de um baixo diferente em  Tom Herbert (The Invisible, Polar Bear) para “Time of the Season. O produtor soube valorizar silêncios, zumbidos e outros barulhinhos, mas realçou a veia do blues que Gilmour quis imprimir. Foi o grande acerto de Andrew. Herbert contribuiu com um zumbido de efeitos graves que estava além do conhecimento de Gilmour.

 

 

 

 

 

Ao longo dos anos, a carreira solo esporádica de Gilmour tem sido similarmente reacionária. Sua estreia autointitulada, lançada em 1978, foi rapidamente gravada após as sessões preguiçosas de Animals, do Floyd. Seu sucessor, About Face, de 1984, foi uma tentativa de carreira no rock mainstream após The Final Cut, dirigido por Waters. Mais tarde, Gilmour se estabeleceu em seu ritmo solo com On An Island (2006) e Rattle That Lock (2015) e, finalmente, ficou com controle criativo total, mas sem um parceiro de treino no estúdio.

 

 

 

 

“Luck And Strange” abre de uma forma mais familiar, com o solo lento inconfundível do instrumental “Black Cat”, antes de passar para o blues ¾ vagaroso da faixa-título, construída a partir de uma jam de 2007 (também apresentada aqui sem cortes e sem adornos como uma faixa bônus), notavelmente com o falecido Rick Wright (1943-2008) no órgão Hammond e piano elétrico.

 

É uma música impregnada de nostalgia autobiográfica, para uma era pós-guerra envolvendo leite grátis para crianças em idade escolar e anos de adolescência, inspirando-se em "mestres de seis cordas de um universo em expansão". Como em muitas das letras de Samson no álbum, há referências ameaçadoras à escuridão invasora, como bem ressaltou um crítico musical inglês no jornal inglês The Guardian

 

Musicalmente, conforme o disco avança, estamos em um território sonoro totalmente novo para Gilmour. “The Piper’s Call” – lidando com uma figura fascinante que “trocará sua alma por favores”; “Dark And Velvet Nights” apresenta um groove agitado que destoa um pouco do conceito predominante, mas funciona.

“ Between Two Points”, uma versão de uma música de 1999 da dupla indie britânica The Montgolfier Brothers (descoberta por Gilmour em uma playlist) cantada por sua filha de 22 anos e de Samson, Romany, tem um estilo que lembra uma trilha sonora de um típico rama inglês, de filmes do tipo “Orgulho e Preconceito”  ou o soberbo “Desejo e Reparação”.

 

Samson escreve a maioria das letras de Gilmour há 30 anos (desde “The Division Bell”,do Pink Floyd, de 1994) e aqui realmente parece que ela está conseguindo adivinhar os pensamentos dele — e, claro, revelar os seus próprios.

 

Em “Dark And Velvet Nights”, por meio de "uma noite de bebedeira e êxtase", embora o mais abrangente seja a mortalidade. Na mesma música, Gilmour se pergunta fatalmente, por meio de Samson, "Como nos separaremos/Será que eu segurarei sua mão ou você ficará segurando a minha?" É muito denso e pesado, chega a ser até sombrio, ainda que contenha certa delicadeza.

 

Seria muito leviano e deselegante dizer que se trata de um epitáfio de um astro de 78 anos de idade, mas “Luck & Strange”, pó trás de sua serenidade e aparente melancolia, propões uma reflexão sobre vida, morte, relacionamentos e histórias despedaçadas que todos nós deixamos para trás, geralmente sem espaço, tempo ou disposição para reparações. É uma peça bela de música pop recheada de rock e blues da melhor qualidade. David Gilmour acertou mais vez.rs também é adequado, já que Samson

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