Inteligente
e mordaz, o guitarrista e vocalista da banda The Clash, Joe Strummer
(1951-2001) definiu Eric Clapton no final dos anos 70: “É o artista mais importante
da história par nós. Ele propicio o surgimento do ‘Rock Against Racism’”, disse
ironicamente em uma entrevista.
O punk se
referia a uma desastrada e asquerosa declaração feita por Clapton em 1976, no
palco, em uma apresentação na Inglaterra, em que bradava contra os imigrantes e
a imigração como um todo, manifestando xenofobia e racismo contra negros,
indianos e paquistaneses. Mais tarde, tentou de desculpar e justificar dizendo
que estava bêbado – aera o auge de seu alcoolismo.
O estrago,
no entanto, foi grande. Punks e artistas de reggae estabelecidos na Inglaterra
criaram o movimento “Rock Against Racism”, com shows, palestras e jornais,
tendo Clapton como “patrono” e inimigo número 1.
O guitarrista
inglês de blues e rock, nome dos mais estrelados, tocará no Brasil em setembro,
mas não consegue se livrar de seus fantasmas. São pecados que vão além da
simples tolerância , liberdade de expressão ou de opinião – tem a ver com ideologia equivocada e formação de
caráter. Clapton é negacionista e manifesta certa ignorância perigosa, apesar
de ser uma pessoa inteligente e articulada.
Às vésperas
de embarcar para Brasil, anunciou um novo
álbum de inéditas, o primeiro em nove anos, “Meahwhile”, e divulga um single do
trabalho, “One Woman”, um reggae rock comum e sem inspiração, ainda que seus
vocais estejam bem legais.
O álbum deve
ser lançado até o final do ano, mas já tem problemas graves. Vai reunir
gravações que ele tem realizado e divulgado desde 2020 e conterá material que
ele compôs em protesto contra a obrigatoriedade da vacinação e as medidas restritivas
de isolamento social tomadas no mundo durante a pandemia de covid-19. As três
músicas que fez e lançou ao lado de Van Morrison, o cantor irlandês também
negacionista, estarão no álbum. Isso é lamentável.
Os dois não
reram necessariamente antivacina. Eram contra a obrigatoriedade da vacinação, o
que por si só é um absurdo. Mais ainda, protestaram veementemente contra as
medidas de distanciamento social para evitara proliferação do vírus. Alegavam
que, com o fechamento de tudo nas cidades por longos meses, “muita gente
ficaria sem trabalho e não teria como se sustentar”, como vomitou certa vez
Morrison bem ao estilo Jair Bolsonaro, o nefasto ex-presidente brasileiro.
Mesmo repudiados
pelo mundo, os dois mantiveram a postura. Compuseram e lançaram três singles em
que criticavam duramente as medidas de isolamento, mas não as vacinas
diretamente.
As músicas repercutiram
pouco, mas o suficiente para que amigos
dos dois se afastassem querendo distância do negacinismo. O guitarrista
norte-americano Robert Cray, por exemplo, amigo de longa data, rompeu com
Clapton e anunciou que não participaria mais de nenhuma edição do Crossroads Guitar
Festival, grande evento promovido pelo agora ex-amigo.
O grande
guitarrista continua grande e relevante, mas menos atraente porque se tornou um
velho ranzinza e rabugento, por mais que tenha ampliado suas atividades
beneficentes, apoiando entidades que assistem a refugiados e crianças palestinas
vítimas da guerra entre Israel e Hamas. Lançou até mesmo um CD ao vivo no ano
passado com renda revertida para os palestinos. No entanto, parece não ser o
suficiente para amenizar a contundência de seus pecados.
Houve
tentativa tímidas de cancelamento do guitarrista quando de seus shows no
Brasil. Gente que ama sua música e que esteve nos três shows anteriores no
Brasil – 1990, 2001 e 2011 – garante que passará bem longe dos estádios onde ele tocará, o que é uma atitude
respeitável, já que o boicote é uma arma legítima do jogo democrático.
Da mesma
forma que que os argumentos de quem boicota são bastante compreensíveis e até justificáveis,
dependendo do ponto de vista, que decidiu prestigiar os shows também tem
motivos de sobra para fazê-lo. Eric Clapton é um dos gigantes da música popular
de todo os tempos e um instrumentista dos mais renomados. E esta certamente será
a última vez em que o veremos ao vivo.
Aos 79 anos
, com problemas de saúde, ele ensaia há anos a aposentadoria dos palcos, Por ironia,
foi a pandemia que deu uma “revitalizada” e sua agenda de shows a partir de
2022, com seguidas turnês pelos Estados Unidos.
É uma
avaliação bem complicada se os pecados de Clapton justificam o boicote . Não se
trata de relevar as atitudes racistas ou o nnegacionismo antivacina, mas de
reconhecer a importância artística e a oportunidade de ver a “espedida” de um
gigante da música. Será u evento máximo incapaz de ser ignorado.
A visita ao
Brasil, no entanto, tem outro ingrediente saboroso para melhorar o humores do
público. Clapton é objeto de um ótimo tributo feito por um músico brasileiro reverenciado nos
Estados Unidos, o guitarrista e violonista Daniel Santiago.
Há tempos
radicado em Nova York, misturando jazz, rock, folk e MPB, Santiago se tornou um
queridinho da crítica americana por sua versatilidade e inteligência, bem como pela
inventividade nos arranjos. No seu álbum mais recente, por meio de conexões de
seu produtor, conseguiu que Clapton tocasse em uma das faixas é ganhou elogio dele, ao ponto de ser
conidado para tocar no Crossroads Guitar Festival.
A admiração
é tanta que o brasileiro participa de uma das músicas de “Meanwhile”, o novo
álbum do inglês, uma canção que já tinha sido lançada em single no ano passado.
“How Can We Know” é quase uma bossa nova xantada por Simon Climie, coautor da
canção, e a cantora Judith Hill. É uma tema suave e interessante, mas nada mais
do que isso.
“Daniel
Santiago Plays Eric Clapton” é um álbum de extremo bom gosto, executado no
violão, m sua predominância, com acento de música erudita e muito cuidado na
elaboração dos arranjos, unindo sofisticação e delicadeza em um repertório bem escolhido dentre o vasto catálogo do
inglês
As escolha
recaíram nas canções mais recentes e pop, como a bela balada “Change the World”,
que adquire um tom mais sereno e delicado, “My Fathr’s Eyes” exala brasilidade com
o dedilhado econômico e preciso de Santiago, o mesmo ocorrendo na ótima “Believe
in Life” e na surpreendente “River of tears”.
“Wonderful
Tonight” ganha uma versão reverente
correta, enquanto o autor aproveita pr experimentar em “Cocaine”,
apresentando soluções interessantes paras linhas melódicas. “How Could We Knoe”,
que ele já tinha tocando antes, aqui fica em uma verão mais sota e mais
abrangente.
Daniel Santiago
é um artista talentoso, versátil e
inventivo, que tem um toque latino evidente em sua maneira de tocar. Caprichou
no tributo honrou o legado do grande
guitarrista que é Eric Clapton.
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