Marcelo Moreira
Entre as várias virtudes da democracia está o fato de que o protesto, além de permitido, dá resultado. Boicotar é um ato legítimo e funciona bem em casos de injustiça, principalmente. Como legítimo instrumento de insatisfação, costum,a provocar reavaliações e afundar projetos ou iniciativas.
Em tempos de profunda polarização política, falta de respeito, disseminação geral de fake News e tentativas de golpe de Estado pela extrema-direita simpatizante de ideias fascistas, artistas de ambos os lados do espectro sofreram com boicotes diversos. Faz parte, ainda que entendamos que estar ao lado dos direitistas exacerbados é um, erro absurdo que resvala no crime ideológico.
Desde sempre houve músicos e rock de direita, por mais estranho que isso pareça. Desde os anos 60 do século passado o ideário conservador, por mais que afrontasse tudo o que o rock significa, atraiu a atenção de artistas que supostamente eram esclarecidos, inclusive negros.
Isso posto, é de consenso que é do jogo democrático conviver com ideias conservadoras e de direita e que alguns artistas queiram aderir a essas ideias, ainda que, em tese, no extremo, se revertam contra eles próprios. Faz parte do jogo, oras...
O que não dá para aceitar é artista e roqueiro bajular e babar político de extrema-direita que tem como plataforma acabar com a própria democracia e implantar ditaduras. Como levar a sério artista/roqueiro que vota e apoia gente que, por definição, vai persegui-lo e censurá-lo?
Como levar a sério esse tipo de artista que ignora que o rock, a arte, a educação e conhecimento são os alvos preferenciais de gente que flerta com o fascismo?
No Brasil sempre se soube que muitos artistas de todos os tipos tinha preferência pelo MDB e PSDB, partidos conservadores. Dava para tolerar. Quando alguns saudaram o surgimento de Fernando Collor, que virou presidente em 1990, a coisa ficou preocupante.
Quase 30 anos depois, o fundo do poço chegou com a eleição de Jair Bosonaro apoiado por vários roqueiros, algo intolerável e inadmissível.
Quatro anos depois, com a derrota desse residente inominável que tentou um golpe de Estado – ou pelo menos incentivou veladamente -, roqueiros e metaleiros abertamente pregavam a ruptura democrática, como fizeram integrantes de uma certa banda de metal paranaense – banda que foi desconvidada da abertura de um show de grupo holandês em São Paulo graças aos protestos veementes na internet..
E então chegamos a uma das principais atrações do Bangers Open Air, o festival importante de heavy metal que já se chamou Summer Breeze Brasil e que vai ocorrer no primeiro trimestre de 2025. A banda americana W.A.S.P., liderada pelo guitarrista e vocalista Blackie Lawless e que tem como baterista o brasileiro Aquiles Priester (ex-Angra), apoiou calorosamente a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos .
Durante um show recente, Lawless, que foi um alvo constante do conservadorismo americano nos anos 80 e 90, fez um caloroso discurso caloroso saudando a vitória de Trump e elogiamdo sua “plataforma política”, que prevê a desconstrução de programas sociais, expulsão de imigrantes e desprezo pelos mais pobres.
É o retorno da extrema-direita à presidência dos Estados Unidos, a mesma extrema-direita que tentou um golpe de Estado em 2021 para impedir a posse de Joe Biden e manter o então derrotado Trump na presidência.
Entretanto, isso parece não importar, desde que o “novo” presidente afaste o comunismo do país – mesmo que nunca tenha existido comunismo nos Estados Unidos – e mantenha longe os “imigrantes” – numa nação que é hoje tem que metade de seus habitantes formada por imigrantes ou descendentes diretos.
É difícil apontar alguns entre tantos equívocos políticos, históricos e artísticos de Lawless, um músico articulado, inteligente e aparentemente bem informado. Entre as bandas que faziam heavy metal clássico nos anos 80, na esteira de Iron Maiden e Judas Priest, era a que mais tinha futuro com seus álbuns conceituais e politizados.
Nos anos 2000. A guinada da banda para o conservadorismo, foi lenta e quase imperceptível para o público e fora dos Estados Unidos. Mesmo entre os apreciadores de metal a banda mantinha uma aura de banda séria e politizada, mas a adesão entusiástica a Trump jogou por terra uma credibilidade de quase 40 anos.
O apoio a gente como Trump e Bolsonaro é indecente, imoral e intolerável. Que o W.A.S.P. será totalmente boicotado por onde passar e seja vaiado intensamente no Bamgers Open Air – ou que seja ignorado, com todo o público de costas para o show. É uma banda indigna de receber o apoio de quem preza a democracia e não tolçera estímulo ao ódio e atentados contra a cultura.
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