sábado, 21 de setembro de 2024

Eric Clapton: novo álbum, tributo, Brasil e os pecados de sempre

 

Inteligente e mordaz, o guitarrista e vocalista da banda The Clash, Joe Strummer (1951-2001) definiu Eric Clapton no final dos anos 70: “É o artista mais importante da história par nós. Ele propicio o surgimento do ‘Rock Against Racism’”, disse ironicamente em uma entrevista.

 

O punk se referia a uma desastrada e asquerosa declaração feita por Clapton em 1976, no palco, em uma apresentação na Inglaterra, em que bradava contra os imigrantes e a imigração como um todo, manifestando xenofobia e racismo contra negros, indianos e paquistaneses. Mais tarde, tentou de desculpar e justificar dizendo que estava bêbado – aera o auge de seu alcoolismo.

 

O estrago, no entanto, foi grande. Punks e artistas de reggae estabelecidos na Inglaterra criaram o movimento “Rock Against Racism”, com shows, palestras e jornais, tendo Clapton como “patrono” e inimigo número 1.

 

O guitarrista inglês de blues e rock, nome dos mais estrelados, tocará no Brasil em setembro, mas não consegue se livrar de seus fantasmas. São pecados que vão além da simples tolerância , liberdade de expressão ou de opinião – tem  a ver com ideologia equivocada e formação de caráter. Clapton é negacionista e manifesta certa ignorância perigosa, apesar de ser uma pessoa inteligente e articulada.

 

Às vésperas de embarcar para  Brasil, anunciou um novo álbum de inéditas, o primeiro em nove anos, “Meahwhile”, e divulga um single do trabalho, “One Woman”, um reggae rock comum e sem inspiração, ainda que seus vocais estejam bem legais.

 

O álbum deve ser lançado até o final do ano, mas já tem problemas graves. Vai reunir gravações que ele tem realizado e divulgado desde 2020 e conterá material que ele compôs em protesto contra a obrigatoriedade da vacinação e as medidas restritivas de isolamento social tomadas no mundo durante a pandemia de covid-19. As três músicas que fez e lançou ao lado de Van Morrison, o cantor irlandês também negacionista, estarão no álbum. Isso é lamentável.

 

Os dois não reram necessariamente antivacina. Eram contra a obrigatoriedade da vacinação, o que por si só é um absurdo. Mais ainda, protestaram veementemente contra as medidas de distanciamento social para evitara proliferação do vírus. Alegavam que, com o fechamento de tudo nas cidades por longos meses, “muita gente ficaria sem trabalho e não teria como se sustentar”, como vomitou certa vez Morrison bem ao estilo Jair Bolsonaro, o nefasto ex-presidente brasileiro.

 

Mesmo repudiados pelo mundo, os dois mantiveram a postura. Compuseram e lançaram três singles em que criticavam duramente as medidas de isolamento, mas não as vacinas diretamente.

 

As músicas repercutiram  pouco, mas o suficiente para que amigos dos dois se afastassem querendo distância do negacinismo. O guitarrista norte-americano Robert Cray, por exemplo, amigo de longa data, rompeu com Clapton e anunciou que não participaria mais de nenhuma edição do Crossroads Guitar Festival, grande evento promovido pelo agora ex-amigo.

 

O grande guitarrista continua grande e relevante, mas menos atraente porque se tornou um velho ranzinza e rabugento, por mais que tenha ampliado suas atividades beneficentes, apoiando entidades que assistem a refugiados e crianças palestinas vítimas da guerra entre Israel e Hamas. Lançou até mesmo um CD ao vivo no ano passado com renda revertida para os palestinos. No entanto, parece não ser o suficiente para amenizar a contundência de seus pecados.

 

Houve tentativa tímidas de cancelamento do guitarrista quando de seus shows no Brasil. Gente que ama sua música e que esteve nos três shows anteriores no Brasil – 1990, 2001 e 2011 – garante que passará bem longe dos  estádios onde ele tocará, o que é uma atitude respeitável, já que o boicote é uma arma legítima do jogo democrático.

 

Da mesma forma que que os argumentos de quem boicota são bastante compreensíveis e até justificáveis, dependendo do ponto de vista, que decidiu prestigiar os shows também tem motivos de sobra para fazê-lo. Eric Clapton é um dos gigantes da música popular de todo os tempos e um instrumentista dos mais renomados. E esta certamente será a última vez em que o veremos ao vivo.

 

Aos 79 anos , com problemas de saúde, ele ensaia há anos a aposentadoria dos palcos, Por ironia, foi a pandemia que deu uma “revitalizada” e sua agenda de shows a partir de 2022, com seguidas turnês pelos Estados Unidos.

 

É uma avaliação bem complicada se os pecados de Clapton justificam o boicote . Não se trata de relevar as atitudes racistas ou o nnegacionismo antivacina, mas de reconhecer a importância artística e a oportunidade de ver a “espedida” de um gigante da música. Será u evento máximo incapaz de ser ignorado.

 

A visita ao Brasil, no entanto, tem outro ingrediente saboroso para melhorar o humores do público. Clapton é objeto de um ótimo tributo feito  por um músico brasileiro reverenciado nos Estados Unidos, o guitarrista e violonista Daniel Santiago.

 

Há tempos radicado em Nova York, misturando jazz, rock, folk e MPB, Santiago se tornou um queridinho da crítica americana por sua versatilidade e inteligência, bem como pela inventividade nos arranjos. No seu álbum mais recente, por meio de conexões de seu produtor, conseguiu que Clapton tocasse em uma das faixas  é ganhou elogio dele, ao ponto de ser conidado para tocar no Crossroads Guitar Festival.

 

A admiração é tanta que o brasileiro participa de uma das músicas de “Meanwhile”, o novo álbum do inglês, uma canção que já tinha sido lançada em single no ano passado. “How Can We Know” é quase uma bossa nova xantada por Simon Climie, coautor da canção, e a cantora Judith Hill. É uma tema suave e interessante, mas nada mais do que isso.

“Daniel Santiago Plays Eric Clapton” é um álbum de extremo bom gosto, executado no violão, m sua predominância, com acento de música erudita e muito cuidado na elaboração dos arranjos, unindo sofisticação e delicadeza em um repertório  bem escolhido dentre o vasto catálogo do inglês

 

As escolha recaíram nas canções mais recentes e pop, como a bela balada “Change the World”, que adquire um tom mais sereno e delicado, “My Fathr’s Eyes” exala brasilidade com o dedilhado econômico e preciso de Santiago, o mesmo ocorrendo na ótima “Believe in Life” e na surpreendente “River of tears”.

 

“Wonderful Tonight” ganha uma versão reverente  correta, enquanto o autor aproveita pr experimentar em “Cocaine”, apresentando soluções interessantes paras linhas melódicas. “How Could We Knoe”, que ele já tinha tocando antes, aqui fica em uma verão mais sota e mais abrangente.

 

Daniel Santiago é um artista talentoso, versátil  e inventivo, que tem um toque latino evidente em sua maneira de tocar. Caprichou no tributo  honrou o legado do grande guitarrista que é Eric Clapton.

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