sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

A importância do Brasil na ressurreição de Glenn Hughes

Marcelo Moreira

Para muitos fãs de rock clássico, o nome Glenn Hughes soava muito distante. Outrora “A Voz do Rock”, o baixista e cantor inglês era um anjo caído mesmo em 1994 já livre do alcoolismo e das drogas. Não passava de um herói do passado.

Mesmo desconfiado e soba desconfiança de todos, Hughes resolveu encarar uma aventura sul-americana. Custava a acreditar que era considerado um deus do rock mesmo depois de muitos anos fora do Deep Purple, do Black Sabbath e das boas participações em álbuns de Gary Moore e Phenomena.

Desembarcou sozinho em meados daquele ano no aeroporto de Guarulhos e logo foi reconhecido por meia dúzia de fanáticos. “Acho que fiz bem de vir ao Brasil”, pensou quando encontrou os dois funcionários da gravadora que recepcionaram.

Bem mais magro do que dois anos antes, quando saíra da reabilitação, estava vestido com roupas leves e gostou do friozinho que encontrou. Nem reclamou de ter de circular pela cidade imensa dentro de um Fiat Uno branco meio surrado.

Nos oito dias em que ficou na capital paulista divulgando o então recém-lançado álbum From Now On”, um dos três melhores de sua ótima careira solo.

”Foi um divisor de águas na minha vida aquela visita. Não esperava nada e ganhei amigos para o resto da vida”, disse cantor 20 anos depois em entrevista ao Combate Roick. “Não imaginava o quanto eu era respeitado e gostavam da minha música na América do Sul mesmo depois de alguns anos no underground.’

O Combate Rock ainda não existia, mas este jornalista foi convidado a frequentar alguns dos ambientes onde ele esteve, como a 97 FM, que poucos meses depois deixaria de ser uma rádio rock para virar Energia 97, dedicada á música eletrônica.

Glenn Hughes (FOTO: JOEL BARROS/DIVULGAÇÃO)

 

Foi nos estúdios da avenida Dr. Arnaldo, limite entre os bairros Sumaré e Pacaembu, que Glenn Hughes passou horas bebendo água e pouco de suco e contando histórias maravilhosas de sua vida intensa.

Nas conversas descontraídas com quem aparecesse por lá, falou por horas sobre como era difícil conviver com Ritchie Blackmore no Deep Purple e como às vezes se irritava com o amigo Jon Lord, o tecladista da banda e o mais velho de toda a galera, que insistia em dizer que Hughes tinha um sonho: virar negro se tornar Stevie Wonder.

Na entrevista a este jornalista, antes de seguir para o Blackjack Bar, na zona sul da cidade, dizia ter nascido de novo depois de mais de 20 de excessos com drogas e álcool e reconhecia que tinha desperdiçado boa parte d a carreira no fim dos anos 70 e começo dos anos 80. Não renegou o trabalho com o Black Sabbath, “Seventh Star”, de 1986, mas afirmou que poderia ter feito muitas coisas diferentes para evitar muitos dissabores.

“Voltei a falar com Tony Iommi [guitarrista e fundador do Black Sabbath] e não tiro a razão m relação aos problemas ocorridos naquela época [Hughes estava exagerando em tudo e brigou com o empresário da turnê americana, sendo demitido no começo delas, em 1986]”relembrou o músico.

Sobre “From Now On”, iluminou-se ainda amis ao agradecer efusivamente aos brasileiros pelo interesse no disc. “Foi preciso que fãs que eu nem imaginava que tinha do outro lado do mundo para mostrar que eu ainda posso cantar bem e mostrar novas músicas. Aqui foi o primeiro lugar que demonstrou esse interesse. Estou nas nuvens...”

Quando ei contei que “Blues”, seu primeiro álbum solo lançado depois de sua recuperação em 1992, era um item raro e muito procurado no Brasil, ele se surpreendeu e riu de nervoso. Ele conferiu essa informação com o pessoal que o assessorava e ficou surpreso.


 

“Não botei muita fé no projeto [era o segundo volume da série ‘L.A. Blues Authority]e serviu de recomeço, para espantar o temor de voltar ao estúdio.” Neste momento, o som ambiente do escritório começou a tocar “The Boy Can Sing the Blues”, daquele álbum e que fizera parte da programação da rádio anos antes. Alguémfoi muito ágil e avisou o locutor/operador para colocar.

Paralisado, Hughes ouviu por 40 ou 50 segundos e depois comentou: “É a melhor do disco, a que abre o trabalho. Foi difícil gravar, eu estava travado e receoso. Hoje escuto e percebo que deu certo, mas na hora não gostei. Achei que não estava preparado para voltar pisando no acelerador.”

Sobre o Deep Purple, falou muito, mas evitou contar, com o gravador ligado, detalhes de bastidores. Mantinha amizade com David Coverdale, o vocalista principal de seu período na banda, e nenhum contato com o guitarrista Ritchie Blackmore. “Não me recuso a cantá-las, sou coautor de muitas delas. Fazem parte daminha história. Sou quem sou muito por conta da banda.”

No acanhado Fiat Uno que o levaria ao Blackjack deixava à mostra camisas do São Paulo, Palmeiras, Corinthians, Santos, Cruzeiro, Flamengo e Cruzeiro, presentes de funcionários da gravadora. Adorou as de Palmeiras e Flamengo.

“Meu Wolves já viu dia melhores, hoje está ma segunda divisão”, limitou-se a dizer o fanático torcedor do Wolvwegampton, que foi time vencedor nos anos 40 e 50 na Inglaterra e que está se mantendo, atualmente, a duras penas, na Premier League.

Ele sabia o que o esperava no Blackjack. Endeusado e ovacionado, subiu ao palco e cantou três músicas do Deep Purple de sua fase previamente ensaiadas naquela tarde pela banda que fiaria o show naquela noite.
Deu um show de carisma e cantor como nunca. Realmente, ele estava nas nuvens.

Antes de voltar para Los Angeles, nos Estados Unidos, onde morava, ainda deu uma esticada no litoral paulista, onde deu sorte e pegou um solzinho de inverno – para ele, quente demais...

Hughes voltaria ao Brasil para tocar pela primeira vez no Monsters of Rock de 1998, em São Paulo. Tocou no final da tarde, com sol quente no rosto, mas não escondia a satisfação de ocar para os brasileiros. Lembrou de todos os que o recepcionaram quatro anos antes e, nos bastidores do estádio, a todos e relembrou de todas as passagens legais que desfrutara por aqui.

A este jornalista, confidenciou logo após o fim do show. “Volto ano que vem para um show só meu. Será no final do ano.” Cumpriu a palavra e fez um show maravilhoso no antigo Tom Brasil, na Vila Olímpia, em 1999, quando gravou um EP “Live in South America”, que foi CD bônus em diversos países do mundo, primeiramente no Japão.

Na entrevista coletiva pré-show, mandou muito bem: “Não tenho como não incluir São Paulo e o Brasil em minhas turnês daqui para frente. A energia é positiva que que acaba fazendo falta. Amo Brasil e Argentina.”

Aos 73 anos, o baixista e cantor anunciou que fará sua última turnê mundial para depois se aposentar dos palcos. Tocará em São Paulo em novembro de 2025. Será um sacrilégio perder este show.

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