Marcelo Moreira
A renovação do blues teve várias caras desde os anos 90, quando artistas de várias orientações fizeram boas misturas e oxigenaram o gênero. Os guitarristas Joe Boanmassa, Eric Gales e Gary Clark Jr lideraram esse processo, abrindo as portas para a explosão das mulheres, que dominaram o pedeaço com Samantha Fish, Joanne Shaw Taylor, Erja Lyytimen e Hannah Wicklund.
Dois bons lançamentos de 2024 indicam que o blues pode tomar um caminho diferente, voltado mais para uma área tradicional, a fusão com a country music, originando aquele som chamado genericamente de “americana”, englobando também boas doses de folk. E são dois veteranos da cena que encabeçam essa linha, o guitarrista e cantor Warren Haynes (Gov’t Mule, ex-Allman Brothers) e a cantora Beth Hart.
Haynes encarna o bardo moderno entre os “caipiras” que emergiram da cena country dos anos 90, muito embora sua origem seja o blues. Pode-se dizer que ele é o reinventor do blues pesado quando criou o Gov’t Mule em 1993, misturando- com doses generosas de rck clássico.
Seu sexto álbum solo, “Million Voices Whisper”, é a retomada de uma tendência eu ele mesmo impulsionou 20 anos atrás ao unir a suave melodia do folk americano com a pegada energética do blues.
É um trovador sulista que dá prioridade para a canção e deixa o virtuosismo instrumental em segundo plano. São dez canções de alto quilate em que celebra a simplicidade da vida cotidiana. Como cronista de uma vida mais simples, do homem comum, Hayes comete um grande trabalho
Ele faz questão de separar as suas personas solo e de líder de uma banda extraordinária, o Gov’t Mule, que tem um som mais vigoroso e pesado. No novo álbum, a delicadeza e a busca por uma sonoridade mais limpa é o objetivo.
É isso o que ele obtém por exemplo, na abertura do trabalho, “These Changes”, ao lado amigo e pupilo Derek Trucks, nde os dois recuperam os melhores duelos de guitarra dos Almann Brothers. A canção tem a pegada necessária para que o aouthern rock seja reverenciado e homenageado.
Pitadas de jazz de Nova Orleans surge na gosto,sa e grooveada “Go Down Swinging”, assim como na deicada “You Ain’t Above Me”, que tem um trabalho fabuloso de gyutarra.
A versatilidade do guitarrista fica evidente na country “Real Real Love” e nas duas canções mais interessantes. “Day of Reckoning” e “This Life As We Know It”, os dois primeiros singles.
A primeira tem uma pegada que mistura jazz e blues, mas com um acento pop indiscutível. A segunda remonta aos melhores momentos do Southern rock, mas com um tema mais denso e dramático.
Exímio compositor e grande observador do dia a dia, Warren Haynes é um cronista raro pela capacidade de captar com precisão a simplicidade da vida e a beleza dos pequenos gestos e momentos cotidianos, tudo temperado com uma habilidade ímpar cm as palavras. Sua música é um grande exemplo de como a canção americana progride.
Em uma espécie de conexão Haynes, a cantora Berth enveredou pela mesma linha depois de vários discos dedicados ao blues e ao jazz calcado no rhythm and blues. Cim voz poderosa e grave, tornou-se uma das grandes divas do século na música americana.
Ela saboreia a consolidação de uma carreira que começou no hard rock e que entrou em um desvio perigoso quando os abusos no álcool cobraram seu preço. Recuperada, mergulhou no blues e se reinventou a ponto de ser uma musicista requisitada para trabalhar com Joe Bonamassa e Jeff Beck.
Com tamanho prestígio, achou que era hora de dar uma mudada na carreira e decidiu gravar seu álbum mais pessoa, “You Still Got Me”, repletos de baladas folk e country e letras confessionais.
Aborda aqui um romantismo mais sentimental e melancólico, acossada por sentimentos de perda e falta, como ela mesma contou em uma recente entrevista. Aos 52 anos, está vendo a vida de outra forma, deixando um pouco de lado as letras de relacionamentos conflituosos e de empoderamento feminino, tão presentes em seus blues, e, prol de uma abordagem mais suave da vida diária.
A faixa-título é uma ótima canção romântica com predomínio da ternura, longe do formato piegas que costuma dominar composições semelhantes. É uma balada tocante que fala do medo da perda e da solidão consequente.
Curiosamente, é um blues pesado que abre o trabalho, “Savior Witha Razor”, cm a luxuosa guitarra de Slash (Guns N’ Roses), que reribui a participação dela em seu álbum de blues. É uma música poderosa, que expõe todas as maravilhosas credenciais da cantora.
Se a guitarra dá o tom aqui, no restante do disco é o piano que conduz quase tudo, seja com Beth nas teclas (toca muito bem) ou com s vários convidados que deixam tudo bem redondo.
O guitarrista Eric Gales também abrilhanta a bela “Sugar ‘N My Bowl”, um blues/rhyyhm and blues que aposta em um grovve contagiante, enquanto que “Never Undesrtanding a Girl” soa mais pop e enquadrada em um esquema tradicional. Uma mudança e tanto no repertório. O ritmo de quadrilha/marchinha country confere um clima mais humorístico e vaudeville.
A balada jazz melancólica surge em “Drunk a Valenbtine”, relembrando momentos de divas dos anos 30. Beth confere uma delicadeza necessária ao tema pesado sem descambar para a breguice.
Ainda mais bela e pungente é “Wonderful World”, a melhor d álbum, que tem um refrão maravilhoso em seu jeitão de baladão épico. “Little Heartbreak Girl” é outra boa balada, mas dessa vez faz mais concessões ao mundo pop, no sentido mais tradicional do termo. Ela se recupera a seguir co, denso e dramático baladão “Don’t Call the Police”.
Ela acerta ainda na bela homenagem a Johnny Cash no contagiante ritmo country de “Wanna Be Big Bad Johnny Cash”, outra canção eivada de bom humor.
Com total liberdade artística, Beth Hart está mais solta e livre para fazer o álbum que há tempos queria fazer. Tem sido assim desde que bateu o pé e gravou um álbum todo com canções do Led Zeppelin, sua paixão, em 2022. Depois de conhecer o fundo do porão no começo do século, é justo que agora ela consiga gravar e lançar o que quiser.;
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