segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Entre homenagens e tributos, Shaman e Viper resgatam o metal melódico

 Duas bandas unidas pela maior de suas suas perdas partem para o resgate de uma era que representou o melhor heavy metal feito por aqui - repleto de ingenuidades, inexperiências, esperanças e uma série de obstáculos. Não faltaram homenagens e tributos ao cantor Andre Matos, morto em 2019 e que cantou no Shaman e no Viper.

As duas bandas emergiram, do luto e da pandemia de covid-19 revigoradas e decididas a transformar a dor em boa música - e o fizeram com sucesso e dignidade. Os álbuns "Rescue" e "Timeless" sã exemplos de força do rock brasileiro mesmo em tempos difíceis e de pouca audiência para o gênero.

O Shaman parecia que engataria uma nova era quando Andre Matos aceitou se reunir com os ex-companheiros no Shaman - ele, Luis Mariutti (guitarra) e o baterista Ricardo Confessori montaram o grupo logo que saíram do Angra, em 2000 ao lado de Hugo Mariutti, guitarrista e irã de Luis. A frmação durou até 2006, quando apenas Confessori permaneceu.

A química parecia intacta, com shows lotados, até a morte do cantor em 8 de junho de 2019, em São Paul, aos 47 anos, ao que tudo indica em consequência de um ataque cardíaco.

Foram quase dois anos decidindo  que fazer até que a solução mais óbvia - e  complicada - aparecesse: chamar Alirio Netto como o novo integrante. Além de carreira solo bem conceituada, o cantor também canta na banda espanhola Avalanch e no Queen Extravaganza, tributo inglês ao Queen endossado pelos membros originais Brian May e Roger Taylor.

A agenda apertada de Alirio não afetou os trabalhos de gravação do primeiro álbum do Sahaman desde 2010. Era para ser com Andre Matos, mas "Rescue" ficou maravilhoso com o novo integrante, que divide o posto de melhor vocalista do rock nacional com Thiago Bianchi (Noturnall, ex-Shaman), Edu Falaschi (ex-Angra) e Bruno Sutter (Detonator, Massacration).

"Rescue" faz um resgate bem-vindo de uma sonoridade que remete demais aos anos 90 e 2000, mas sem que fique datado ou que pareça mera emulação do que bandas como Angra e Dark Avenger faziam.

O quarteto encontrou um equilíbrio entre os timbres mais modernos de guitarra e arranjos de teclados e o clima noventista que embalou o power metal -e é um movimento bastante parecido com o que empreendeu o Helloween da atualidade, que reincorporou os então ex-membros Kai Hansen (guitarra e vocal) e Michael Kiske (vocais principais).

O uso de passagens belas de piano em várias canções, bem ao gosto de Andre Matos , são um destaque de "Rescue", que procurou, de alguma forma, aproveitar eventual material deixado pelo cantor morto em 2019.

O disco é excelente. Alirio Netto é o responsável pelo arremate final e coroar o bom trabalho. Sua interpretação nos dois primeiros singles - "Brand New Me" e "The I Inside" - trouxe um frescor a um subgênero do metal sempre motivo de chacotas neste século.

Há músicas rápidas e com vocais bem agudos, como as duas citadas, mas também há coisas diferentes, como a delicada e sutil "Don't Let It Rain", e a balada bem, ao estilo Angra d tempo de Matos, "Gone to Soon", revelando toda a versatilidade de Alirio.

 O metal tradicional está presente em "What If" e "Where Are You Now", com tremendo trabalho de guitarras, enquanto que o espírito de Andre Matos novamente comparece em outra balada pungente, |"Resilience", que fecha o disco.

Superando todas as expectativas, "Rescue" recoloca o Shaman no topo e terá que, obrigatoriamente, integrar quase todas as listas de melhores do ano.

"Timeless", do Viper, segue pelo mesmo caminho - parece até que os dois álbuns foram gravados no mesmo lugar, com o mesmo produtor.

Superando totalmente a síndrome da "grande banda que nunca estourou", o quinteto paulistano parece ter encontrado a essência de seu som pesado e melódico à beira de completar 40 anos de fundação.

Os garotos tinham entre 14 e 15 anos quando criaram a banda no bairro de Higienópolis, em São Paulo. Habitavam apartamentos em condomínios vizinhos e compartilhavam a paixão pelo metal pelo Corinthians. 

Era raro observar que naquele ano de 1984 garotos tão novos e antenados ao que de mais importante se fazia no som pesado da época - ouviam Iron Maiden e Accept, Judas Priest, Metallica e Saxon, mas também Motorhead, Helloween e incipiente hard rock americano.

Como todos tocavam bem muito novos - Andre Matos (vocais e piano), Felipe Machado e Yves Passarel (guitarras), Pit Passarel (baixo) e Guilherme Martin (bateria) na melhor formação da época - e conseguiram rapidamente um contrato para gravar "Soldiers of Sunrise" em 1986, arrancando suspiros de satisfação e inveja.

Ficaram famosos no Brasil e tocaram bastante até se sentirem prontos para "Theatre of Fate", lançado em 1989, bem melhor produzido e com músicas mais fortes. Mas então André resolveu que queria ser maestro e deixou  grupo para estudar regência e composição em São Paulo. Ficou três anos afastado dos palcos até que aceitou integrar o Angra em 1992.

Pit, excelente compositor, assumiu os vocais, mas a mágica tinha se quebrado. O Viper flertou com grunge, tentou se espelhar no Fight, banda de Rob Halford pós-Judas Priest e mudou tudo para mergulhar no rock nacional cantando em português.

Sem o sucesso de antes, vieram os vários hiatos. Machado assumiu de vez o jornalismo - hoje é editor de cultura da revista IstoÉ; Yves substituiu Loro Jones no Capital Inicial; e Pit virou referência como compositor para vários artistas brasileiros, como o próprio Capital Inicial.

 Entre 2012 e 2015 Andre Matos se reuniu com o ex-companheiros em duas turnês celebradas pelo Brasil, mas a agenda carregada do cantor impediu que ocorressem mais projetos - morava na época na Suécia, onde vivia com o filho.

Enquanto Matos decidia seu futuro e engatava shows com o Shaman, o Viper tinha efetivado o ótimo cantor Leandro Caçoilo (Caravcellus, Hardshine) e tentava engatar uma sequência em estúdio para um novo trabalho, mas a pandemia de covid-19 não deixou.

"Timeless" surge 14 anos depois do último disco de inéditas, "All My Life", de 2008. Aparece com um grande empurrão que foi a morte de Andre Matos. 

A banda se trancou no estúdio e produziu uma bela versão para a "The Spreading Soul Forever", com os vocais do cantor morto e belas imagens de São Paulo e dos condomínios onde moraram quando crianças e adolescentes - tem a participação especial de Yves Passarel. É dos clipes mais emocionantes já feitos no Brasil.

O Viper também buscou um equilíbrio entre passado e futuro e optou por ser menos original do que  Shaman, só que mais visceral em uma tentativa de recriar os momentos mais intensos de "Theatre of Fate", especialmente em "Under the Sun", o primeiro single, com seus belos arranjos vocais e orquestrais - em mais tributo ao quase onipresente Andre Matos.

Caçoilo acerta no tom e na intensidade do power metal de "Under the Sun" - sem exageros e oferecendo exatamente o que a canção pede. 

O mesmo pode-se dizer da boa, mas simples, "Freedom f Speech", esta uma peça reta e direta. Caçoilo evita grandes arroubos e permite que os guitarristas brilhem em uma peça típica dos anos mais "hard rock" do Helloween. A chegada do guitarrista Kiko Shred foi um acerto e tanto, empurrando o som da banda para uma pegada mais "speed".

Com uma trajetória singular dentro do mercado brasileiro, o Viper é um monumento ao rock pesado por mostrar que era possível cair de cabeça no metal e ser referência mesmo contra todas as possibilidades nos difíceis e fascinantes anos 80. Merecia ter estourado mundialmente e maior reconhecimento. "Timeless" é um resgate de uma carreira acidentada, mas fantástica, e aponta para um futuro mais luminoso do que aquele que se abria e,m 23008, com "All My Life".

Nenhum comentário:

Postar um comentário