quinta-feira, 28 de março de 2024

'Machine Head', do Deep Purple, ressurge explosivo e eloquente

Um ambiente convulsionado e estimulante, em ebulição e pronto para explodir. Uma receita que pode acabar com tudo, ou não… Será que pode, ao contrário, produzir obras-Primas? Em alguns casos, sim, como o Depp Purple provou em “Machine Head”, seu principal álbum, lançado há 52 anos.

O disco que catapultou a banda inglesa definitivamente ao topo, frequentando há cinco décadas as listas de melhores de todos os tempos em vários segmentos, curiosamente representou o começo do fim do grupo.

Pouco mais de um ano depois do lançamento, a formação implodiria, com a saída do vocalista Ian Gillan e do baixista Roger Glover, começando uma espiral de desavenças e equívocos que desembocariam na dissolução, em 1976, em meio a mais trocas de integrantes.

“Havia uma tensão um pouco acima do normal naquele tempo, mas não era motivo de preocupação. O Deep Purple sempre foi um turbilhão de emoções e energia”, disse Glover a este jornalista após uma entrevista coletiva em São Paulo no começo dos anos 2000. “Não era fácil trabalhar com Ritchie Blackmore [guitarrista e fundador] e as desavenças vieram à tona. Fizemos um disco excelente, mas certamente foi o começo da implosão.”

Conciso, explosivo, inquietante e extraordinário, “Machine Head” é a síntese do que se convencionou chamar de hard rock setentista, equilibrando peso, melodia, virtuosismo e inteligência, além de muito talento.

O tecladista Jon Lord (1941-2012), então a referência musical, perdeu de forma inapelável a liderança pra Blackmore e o art rock com pendores ao progressivo deu lugar ao som pesado e bluesy, explorando campos que Cream, The Who e Jimi Hendrix já haviam abordado, mas sem a profundidade e a agressividade – só Led Zeppelin fazia algo na mesma proporção, enquanto o Black Sabbath ainda não tinha atingido o auge.

Gravado na Suíça no final de 1971, coincidindo com o festival de Jazz de Montreux, a banda chegou afiada e sentiu á vontade para experimentar. Os embates não eram tão ferozes, mas denotavam uma competição interna ferrenha entre Gillan e Blackmore e, em outro nível, entre o guitarrista e Lord.

Com a criatividade em alta, todo mundo começou a inventar e as longas jams começaram a dar resultado. Também não é por acaso que os dois maiores hits da história da banda saíram dessas sessões e estão no disco – “Smoke on the Water” e “Highway Star.”

“O que aconteceu naquele frio corredor de hotel suíço em 1971 definiu nossas vidas”, afirmou Glover. Com a unidade móvel de gravação dos Rolling Stones, o Deep Purple decidiu gravar quase que “ao vivo em estúdio”, utilizando vários cômodos do Grand Hotel.

Para a revista Guitar World, anos atrás, Blackmore declarou que “Smoke on the Water” é um sucesso atemporal por conta de sua simplicidade. “É uma música fácil e tocar e de ouvir. Gosto de coisas elaboradas, mas percebi que a simplicidade produz resultados interessantes e duradouros. A ficha caiu quando prestei a a atenção a ‘My Generation’ {música do Who]. Não é fácil acertar no alvo e fazer algo simples, certeiro e bom. Mas essa música reúne essas qualidades.”

Ela foi gravada em um galpão, usando a unidade móvel de gravação e surgiu depois que os integrantes da banda presenciaram o show de Frank Zappa, em Montreux, que terminou em um incêndio no local. Com um riff matador e uma letra inspirada, em parte naquele incidente, estava pronta uma das maiores músicas de todos os tempos.

A conexão e o entrosamento era tanto que, mesmo com as brigas, a musica fluía de forma inacreditável de tão fácil e coesa. 

Além das faixas mais importantes que se transformaram em clássicos históricos, tinha também o jazz inspirado de “Lazy”, com o fulgurante órgão de Jon Lord, a subestimada “Never Before”, um boogie delicioso, e a fantástica “Maybe I’m a Leo”, que deu a receita de como se fazer blues pesado.

E o que dizer da ginga e da melodia grudenta da rápida “Pictures of Home”? E da porrada quase thrash que é “Space Truckin'”, que mescla peso e melodia de forma perfeita?

“Machine Head”, com suas mais de cinco décadas, está ainda melhor do que sempre foi. Explicita a genialidade de uma banda gigante e expõe como as situações adversas conseguem gerar o ambiente explosivo e instigante a a confecção de uma obra-prima.

Nenhum comentário:

Postar um comentário