Marcelo Moreira
O olhar perdido não denunciava o tamanho do buraco no coração. Nem mesmo uma peça erudita linda do compositor russo Rimsky-Korsakoff aliviava o vazio.
Ele via a fila se desfazendo lentamente, martirizado com a expressão de decepção nos rostos cansados e massacrados pela pandemia, pela pobreza, pela morte e, principalmente, pela fome.
Era mais um dia que o nutricionista Conrado dedicava ao trabalho voluntário de entregar pequenos pratos de comida em algumas favelas de São Paulo.
As doações caíram progressivamente desde o final do ano passado até simplesmente inviabilizarem as entregas em algumas localidades. As entidades que fazem o trabalho assistencial agora estão tendo de escolher para onde enviar o pouco de comida que estão arrecadando. Qual é a mais necessitada?
E então Conrado teve de anunciar o fim da comida para uma fila imensa naquela comunidade da zona sul de São Paulo.
Sentiu a espada atravessar o peito ao ver o choro contido da empregada doméstica desempregada ladeada por duas crianças. Tinha ainda R$ 10 no bolso, os últimos por muito tempo - também desempregado, ainda tinha alguma coisa nos cartões de transporte público. A moça agradeceu em um sussurro, e lentamente foi desaparecendo nas vielas da triste comunidade.
Em meio a protestos contra as medidas necessárias de isolamento e distanciamento social, inúmeras ONGs (Organizações Não-Governamentais) correm contra o tempo contra a fome.
Diante de um governo federal nefasto que demorou três meses para tentar reativar a ajuda emergencial, que nega a gravidade da pandemia e que não se move para promover uma vacinação em massa, a pobreza dá o tom no momento mais trágico da disseminação do vírus. O desemprego explode e a comida encarece, com o sumiço das doações. E o país retrocede meio século.
O rock bem que tentou, mas está tão exaurido e na lona como a maioria do povo. Sem qualquer tipo de renda e fora dos auxílios prometidos da Leu Aldir Blanc, que pouco aliviou os bolsos dos artistas e profissionais da área cultural/artes, falta energia e ânimo para empreender algum tipo de ação beneficente. Os artistas é que precisam de ajuda beneficente.
Uma das mais interessantes e bem-sucedidas ações é a Solidariedade Vegan, que tem entre os patronos o casal João Gordo e Vivi Torrico.
O cantor dos Ratos de Porão e sua mulher, há mais de um ano, ao lado de amigos e colaboradores, ajuda moradores de rua com refeições nutritivas e de qualidade, com periodicidade semanal, quando dá.
Com as doações minguando, abriram um projeto de financiamento coletivo para reativar as doações e conseguir ao menos R$ 5 mil mensais para não interromper o trabalho.
A Cruz Vermelha também corre para resgatar os valores que conseguia obter no ano passado, no começo da pandemia. As doações caíra 80%. Clique aqui para saber como doar.
Trabalho igualmente louvável é o da Cufa (Central Única das Favelas), que centraliza doações originadas de todo o Brasil e atuando em vários Estados. A queda na arrecadação de alimentos e de verbas foi violenta. Saiba mais aqui sobre o trabalho da Cufa.
Pelo menos outras três plataformas de doações na internet realizam ações fantásticas e necessárias em tempos de fome aguda e oferecem uma série de possibilidades para doar a quem precisa muito nestes tempos dolorosos. São elas a G10 Favelas, Para Quem Doar e Tem Gente Com Fome.
Sem a viabilidade até agora de um novo auxílio emergencial e com a crise econômica por conta da pandemia se agravando, é até compreensível que as doações diminuam - aumentou o número de brasileiros destroçados física, social, emocional e financeiramente. As doações somem enquanto cresce o número de gente que mais precisa.
Por isso, à beira dos 300 mil mortos no Brasil, pela covid-19, uma tragédia de proporções inimagináveis sob qualquer parâmetro, é inacreditável que ainda haja gente apoiando um governo criminoso, protestando contra as medidas de isolamento social e ameaçando cientistas e jornalistas que mostram a gravidade do que ocorre.
Pior anda são os nojentos negacionistas que ignoram os avisos e disseminam o vírus, tornando-se verdadeiros mercadores da morte. São comerciantes que desrespeitam as leis de isolamento e gente vagabunda que provoca aglomerações em festas e praias, para não falar dos assassinos que não usam máscaras.
Difícil encontrar explicação para esse pouco caso com a vida, para essa vontade louca de morrer. Parece que o número 300 mil é algo que não toca, não emociona, não assusta.
Até mesmo quem vê o passado e o presente indo embora entende o momento e, de forma resignada, procura alternativas e soluções, ou amenos algum tipo de amparo.
É o caso dos donos da casa de samba Ó do Borogodó, ou da Casa de Francisca, que estão encerrando as atividades, ou fechando por tempo indeterminado.
A pandemia corroeu seus negócios e os jogou na lona, mas os proprietários entendem o que está em jogo. Medidas de isolamento são necessárias, ainda que com consequências brutais.
A maioria já jogou por terra o mentiroso conflito entre saúde e economia, mas os mal intencionados e oportunistas se valem dessa falácia criminosa para "apoiar" o vírus e semear a morte, liderados pelo sabotador maior da vida deste planeta, o celerado que ocupa o Palácio do Planalto.
Entre a fome a vontade de morrer está a realidade, com sua imensa maioria de pessoas que luta para viver e caminhar dia após dia.
A maior crise do nossos tempo, a mais grave desde s II Guerra Mundial e continuamos a discutir a mentirosa dicotomia da "liberdade de ir e vir" enquanto hospitais entram em colapso no Brasil inteiro e 3 mil pessoas morrem por dia.
Quem diria que viveríamos para presenciar uma era em que a vida humana vale tão pouco, ou nada, como se estivéssemos na Alemanha nazista ou na União Soviética de Josef Stalin, com suas máquina industriais da morte.
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