Sem capacidade para surpreender, o que se faz em tempos de velocidade cotidiana insana e atenção cada vez menor a material novo e inédito? Faz-se o mesmo de sempre, com uma pitada de modernidade.
Ian Anderson, o escocês que lidera o Jethro Tull, ícone do rock progressivo, não pensou duas vezes e comemora o seus 75 anos de idade tocando muita flauta e oferecendo um caldo com gosto requentado, mas eficiente, no mais novo trabalho, "Rökflöte".
É um disco bem feito e bacana, mas que vai agradar apenas aos fãs de sempre, ainda que estes não estejam muito afinados com o som que a banda produz desde os anos 90 - muito limpo, mais folk, menos bleusy e com guitarras um pouco mais estridentes, como na música principal e primeiro single, "The Navigators".
É uma bela canção, que resgata um pouco do peso dos anos 70, da mesma forma que a ótima "Guardian's Watch". Ainda assim, falta alguma coisa, e essa coisa é a guitarra precisa e climática de Martin Barre, fora da banda desde 2011.
Joe Parrish é eficiente, já tinha trabalhado bem no disco anterior, "The Zealot Gene", mas parece ainda emular os sons de Barre - a pedido de Anderson? Ele vai bem nas partes em que predominam a folk music, mas falta mais "tensão" e arrojo quando as músicas pedem mais peso.
Em um trabalho com ares conceituais, com narrações em idiomas orientais e também nórdico antigo, Anderson revisita o tema do fim dos tempos, algo presente em quase todas as religiões. No caso, aqui, o Jethro Tull se agarra ao termo "ragnarök", a versão nórdica para o fim do mundo, ou o Armageddon bíblico.
É um disco bem agradável e bem progressivo, ainda que não haja longas suites. Anderson canta de forma sublime, sem excessos, e a flauta passeia incansavelmente conduzindo muitas das melodias.
As duas canções já citadas são as melhores, mas é possível destacar as delicadas "the Perfect One" e "Cornucopia", além da ótima "The Feathered Consort", com um ótimo trabalho de violões e guitarras.
"RökFlöte" não é uma audição para todos os ouvidos e é possível que o público mais jovem não seja atraído pelo conceito ou pelo som. É totalmente progressivo e clássico, ainda que a produção caprichada, clean demais, se esforce para dar uma cara bem moderna ao Jethro Tull.
Aos 56 anos de existência - nem vamos mencionar o hiato de 2011 a 2017 -, a banda não está preocupada em ser ou não relevante em 2023.
Continua produzindo boa música e apresentando questionamentos pertinentes e interessantes em um tempo em que se despreza certos conteúdos mais densos, mas sem grande apelo. Ian Anderson e sua banda ainda têm coisas interessantes a dizer.
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