quinta-feira, 13 de abril de 2023

Medo e perseguição: os 'diferentes' viram alvo do 'combate à violência'

 Era mais do que previsível que as primeiras vítimas da paranoia seriam os "diferentes", como em toda "boa sociedade/ambiente" fascista. Bastou vestir uma camisa preta de banda de rock e usar um cabelo um pouco mais comprido e os olhares inquisidores se voltaram indicando a "culpa" e a "suspeita".

Foi assim quando um lunático matou 12 na escola de Realengo, no Rio de Janeiro, anos atrás, e quando os dois dementes matara  oito na escola de Suzano, na Grande São Paulo. Os "suspeitos" da primeira hora se tornaram os bodes expiatórios de sempre, mesmo usando camisas dos inofensivos Green Day, Offspring e Charlie Brown Jr.

Enquanto se discute como "blindar" as escolas e transformá-las em "bunkers', bem ao gosto da nojenta extrema-direita, o sistema aproveita para reforçar estereótipos, preconceitos e todo o tipo de discriminação, especialmente em São Paulo, um Estado governado por extremistas de direita aliados do nefasto Jair Bolsonaro (PL).

Nos últimos dois dias, o Combate Rock ouviu ao menos dez relatos de "situações" em que os "esquisitos" passaram a ser monitorados em escolas estaduais paulistas. tudo sempre na base do achismo e da mera suposição de que "aquele/aquela menina quietona e diferente, inteligente e que ouve barulho do demônio" é um/uma psicopata em potencial.

E então tome interrogatório da "coordenadora pedagógica" ou do professor tutor evangélico, que não escondem os modos de operação - segregando à vista de todos, explicitando as desconfianças diante dos estereótipos de sempre.

Na zona leste de São Paulo, em uma escola pública estadual, em Cangaíba, o trio de amigos foi imediatamente abordado pela professora que sempre anda com o crucifixo enorme o pescoço. 

"Que camisetas são essas? O que significam essas cruzes? O que vocês veem e ouvem nos celulares?", inquiriu a mulher possessa e assustada na sala da direção. 

Os três adolescentes, há três anos no colégio e jamais atraindo a atenção tão zelosa da professora ou de outra "autoridade", agora eram os perigosos delinquentes com tendências assassinas porque usavam camisas de bandas de black metal que nem mesmo eles sabiam os nomes.

Os suspeitos de sempre também passaram a ser "monitorados" no liberal colégio particular do Sumaré, na abastada zona oeste paulistana. 

A menina de cabelo azul, fanática por Alisa White-Gluz, a corajosa e vigorosa vocalista da banda sueca Arch Enemy, foi obrigada por seguranças e professores, depois de uma histeria comandada por uma descabelada mãe de uma "amiga", a abrir a mochila e ser revistada. Só ela e mais dois "esquisitos" - e roqueiros - passaram pela humilhação.

Os demais relatos são parecidos, quase sempre envolvendo os caladões, que gostam do silêncio, da escuridão e do rock pesado. Algumas abordagens foram discretas mas a maioria foi espalhafatosa, bem ao gosto dos conservadores moralistas e preconceituosos, que nunca são capazes de identificar o verdadeiro perigo.

"A paranoia da violência nas escolas veio bem a calhar para essa gente fascista com tara pelo controle social e por impor as suas ideias doentes de sociedade do bem", comentou um dos pais horrorizados com o surto psicótico e paranoico estimulado pelo governo do Estado protofascista.

Engenheiro desempregado e que sobrevive de esparsas consultorias, preferiu não se identificar. Ainda consegue manter o filho único na escol particular, um garoto sensível e inteligente apaixonado por rock progressivo e pelo mundo diferente e estranho do King Crimson. 

Tecladista e violonista, desconcerta professores e amigos com a reprodução de músicas fora do comum e por ler poesia de autores franceses rebeldes do século XIX e livros de Oscar Wilde, escritor inglês maldito. 

Adora se vestir de preto. Adivinhe se não foi chamado pela psicóloga da escola e submetido a uma junta de "avaliação" dias depois do ataque à escola Thomazia Montoro, na zona oeste?

"Essa gente doente estimulou a violência e o ódio or quatro anos, durante o governo Bolsonaro, e agora delira de alegria com o medo e a insegurança que eles próprios incentivaram", grita o pai indignado. "É tudo o que eles queriam: medo generalizado em uma sociedade amedrontada e armada por essa corja de vagabundos que quer mais violência. É o que querem: restringir a liberdade, controlar movimentos e criminalizar o diferente."

Pânico em SP

Não há dúvidas de que essa onda de pânico está sendo promovida pela extrema-direita, que precisa desse clima de filme de terror para se fortalecer. 

O ultraconservadorismo se alimenta do medo e da paranoia, que paralisam as pessoas e inspiram soluções simplistas para problemas complexos. 

É algo bem claro, mas não está reverberando tanto quanto deveria, até porque ganham as manchetes e a atenção do público as medidas paliativas e estéreis anunciadas pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), entre elas contratar um psicólogo para cada dez escolas (!!!!) e colocar agentes de segurança desarmados nos colégios, entre eles policiais militares aposentados ou da reserva. Ou seja, a militarização por vias tortas...

Não deixa de ser uma espécie de criminalização ao contrário: espalhando o medo, obriga a sociedade a se confinar em casa e nas escolas, de preferência co m a proliferação de armas em nome da "segurança" coletiva - como se isso fosse suficiente para impedir um "lobo solitário" de camuflar qualquer tipo de arma ao entrar em qualquer lugar.

É um discurso contraditório, as deliberado. Os direitistas extremistas estimulam e disseminam o discurso de ódio e a cultura da violência em uma sociedade já muito doente, mas não se cansam de defender a "liberdade de expressão absoluta" para os criminosos nas redes sociais, como bem analisou o jornalista Dojival Júnior nas redes sociais.

Na opinião da especialista Katia Dantas, consultora para implementação de práticas em proteção infantil e ambientes escolares, a violência que tem ocorrido em unidades de ensino é multifacetada e complexa.

"A gente precisa entender que segurança é diferente de proteção. Colocar um segurança na porta não vai resolver o problema. Hoje, observamos que muitos dos atentados são de crianças cometendo violência contra outras crianças e professores. São raros os que vêm de fora pra cometer um atentado dentro da escola", explicou em declaração à Agência Brasil.

Katia Dantas defende uma série de medidas, considerando que grande parte desses atentados tem foco em violência sistemática na vida da pessoa que agride, como histórico de bullying, intimidações e abusos familiares. É difícil que alguém com essa característica não tenha demonstrado sinais na escola.

“É urgente que as escolas aprendam a identificar um abuso. A gente precisa começar a modificar essa percepção. Hoje, por exemplo, nós sabemos que as habilidades socioemocionais partem da base curricular nacional. Mas pouquíssimos pais sabem exigir das escolas”, diz a especialista.

A parceria entre família e escola não deve ficar na teoria, uma vez que as redes sociais e os jogos eletrônicos têm ocupado espaço central na vida de crianças e adolescentes.

Ela entende que é vital que professores e outros funcionários do ambiente escolar possam receber orientações em caso de violência. “Que eles aprendam a saber o que fazer do mesmo jeito que muitas escolas têm treinamento para incêndio, evacuação, por exemplo”. Mas um treinamento com característica pedagógica sem criar medo, pânico ou alarde nas crianças.

Totalitarismo e oportunismo

Como em todos casos semelhante de ataques maníacos e psicóticos a escolas e lugares públicos, a missão imediata das autoridades e profissionais de ensino é combater as fake news e mostrar que há controle e segurança, por mais que seja difícil prever e evitar ataques do tipo "lobo solitário".

A instalação de um clima de medo e paranoia reforça apenas o sentimento de insegurança e estimula, ainda que de forma não intencional. O clima fica bem mais pesado e a ansiedade domina tudo, jogando a razão no lixo. 

É quando o preconceito e a discriminação servem de base para inomináveis injustiças e perseguições a determinados grupos de forma deliberada e intencional - um modo de operação tipicamente fascista da extrema-direita.

Assim como em casos graves de terrorismo, é fundamental deixar claro que esses inimigos são perigosos e que devem ser combatidos, mas que jamais vencerão. 

Se provocam medo no imediato momento do ataque, são repudiados e condenados em seguida, ao mesmo tempo em que não alteram o curso dos fatos.

Enclausurar estudantes em escolas sob escolta armada é tudo o que deseja a extrema-direita em sua sanha de controle totalitário e de ataque ao "diferente". E entre o diferente está todo o tipo de contestador e questionador - os roqueiros, artistas e amantes das artes, em especial. 

Se deliberadamente os ultraconservadores estão usando o medo e a paranoia para subjugar a sociedade e impor uam espécie de estado de sítio - ao mesmo tempo em que estimula a violência, o ódio e o armamento da população -, cabe a nós espantar o totalitarismo e exaltar a liberdade em todos os sentidos. 

Militarizar as escolas e enclausurar estudantes só atendem a objetivos escusos de políticos populistas e protofascistas. A educação, como sempre, é a solução para quase tudo. Educar e reduzir as desigualdades sociais são a melhor arma para conter qualquer surto de violência. 

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